Autobiografia Lui Nicolae Ceausescu («Autobiografia de Nicolae Ceausescu»), de Andrei Ujicã (Roménia, 2010). «Em competição».
Afinal o Ceausecu até era um gajo porreiro e eu não sabia!... Este pode ser o efeito do filme -- que não é um documentário nem uma obra de ficção -- visto de uma forma desprevenida ou sem a noção razoável do que foram os regimes da esfera soviética. Ujicã visionou mil horas de filmes de propaganda e aproveitou três para exibir a ascensão, triunfo e queda do ditador romeno, sem contextualizações.
É um filme que levanta questões complexas, pois se Ceausescu, apparatchik alçado à chefia do Partido, que aparece como um homem comum, nem melhor nem pior que os outros, na absolutização do seu poder e na paranóia que acaba por condicionar os ditadores, é também, e em boa medida, um produto do sistema. Sistema que em teoria se exerce das bases para a cúpula, mas que, fruto da repressão policial e da censura (que nem aparecem ao de leve no filme) próprias de um estado totalitário, acaba por degenerar no exercício florentino do controlo do aparelho de estado pela clique próxima do ditador, que o adula e eleva a pai da pátria. É muito fácil diabolizar um homem, quando, no fundo, se sabe que esse homem -- chame-se Ceausescu, Hitler ou Salazar -- não exerce o mando se não tiver à mão, não um punhado de fiéis, mas uma verdadeira multidão, uma boa parte da sociedade que acha melhor encolher os ombros e levar a vidinha avante. Esta é a questão. Porque todo o oportunista que seja bem sucedido na tomada do poder, encontra sempre quem se chegue à frente e se preste a fazer o trabalho sujo, em troca duma pequeníssima (ou nem tanto) parcela desse poder que sobre si recaia. Todos nós conhecemos casos.
Há quem ainda não tenha percebido, e insista na lenga-lenga da justeza das ideias subvertidas pela perversidade dos homens -- daqueles homens --, quando é evidente que as sociedades policiadas e bloqueadas nunca se questionam, a não ser quando já é demasiado tarde para a sua regeneração. Foi a isso que assistimos nesse ano glorioso de 1989. E foi interessante ver um Gorbachov -- que viria a ser vítima da própria revolução que lançou -- enfadado com aquela brigada do reumático do Pacto de Varsóvia: Honecker, Husak, Kadar, Jivkov, Jaruselski (este doutra estirpe, que não posso desenvolver agora) e o Ceausescu, é claro, o último a cair e da forma mais inglória.
Ah, e já agora deixem-me lembrar um dos meus heróis, Alexander Dubcek, o homem da Primavera de Praga,que aparece no filme sempre com aquela serenidade, a propósito de quem se falou de socialismo de rosto humano, tão contrastante com a dureza dum Brejnev, e registar a enérgica oposição de Ceausescu à intervenção das forças do Pacto de Varsóvia na Checoslováquia.
Um filme apaixonante, pelo que traz à luz e pelas questões que suscita.
Ah, e já agora deixem-me lembrar um dos meus heróis, Alexander Dubcek, o homem da Primavera de Praga,que aparece no filme sempre com aquela serenidade, a propósito de quem se falou de socialismo de rosto humano, tão contrastante com a dureza dum Brejnev, e registar a enérgica oposição de Ceausescu à intervenção das forças do Pacto de Varsóvia na Checoslováquia.
Um filme apaixonante, pelo que traz à luz e pelas questões que suscita.
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