«Com um pé na norma / e outro na errância / navego no coração do vento»
Na Orla da Tinta (2001)
conservador-libertário, uns dias liberal, outros reaccionário. um blogue preguiçoso desde 25 de Março de 2005
«Com um pé na norma / e outro na errância / navego no coração do vento»
Na Orla da Tinta (2001)
Como não falou da Ucrânia. deu uma excelente entrevista a Francisco Rodrigues dos Santos e Pedro Costa.
Esteve particularmente bem quando, no final, falou da questão da flotilha para Gaza, uma acção que honrou e orgulha qualquer português que não seja um atraso de vida.
Catarina Martins, não votarei nela, mas esteve muito bem.
Hans Christian Andersen: «O pai queria que os filhos conhecessem o povo e a língua do país de que era cônsul. A instabilidade política no infeliz Portugal daquele tempo deve tê-lo também levado a tomar tal resolução.» Uma Viagem em Portugal em 1866 (1868) - trad. Silva Duarte § Mikhail Bakunin: «Em plano inferior, a média e a pequena-burguesia, classe outrora inteligente e desembaraçada, mas hoje sufocada, aniquilada e lançada no proletariado pelas progressivas usurpações da feudalidade financeira. Ela encontra-se numa situação de tal modo miserável que ela junta todas as vaidades dum mundo privilegiado com todas as miséria reais dum mundo explorado.» O Socialismo Libertário - «O movimento internacional dos trabalhadores» (1869) - trad. Nuno Messias
«Ver lentamente transparente / O que desde o início quase sempre / Se ocultara -- / A própria luz da infância»
Elegias de Londres (1987)
Não sei das entrevistas da cnn sobre questões da Defesa; hoje vi-o na RTP; não aqueceu nem arrefeceu no que respeita à guerra da Ucrânia. Menos mau que Marques Mendes (porque disse menos?), fala da Europa como se se tratasse de um bloco coeso, de um país. Ora, não podemos tomar os desejos por realidades. Fico à espera da tal entrevista -- ou será que já passou?
Marques Mendes, Seguro e Cotrim de Figueiredo impuseram-se aos partidos; António Filipe, Jorge Pinto e Catarina Martins são candidatos dos seus partidos; Ventura não é carne nem é peixe, antes pelo contrário. E Gouveia e Melo.
Ainda tenho muito para ouvir, ainda faltam os debates, embora cinco já estejam postos de parte.
«Ele retomará o seu desabafo, avivando detalhes, corrigindo versões. Por vezes, a certificar-se de que o sigo ou precisado de cumplicidade, faz de mim testemunha, cada frase torna-se um pedido de compreensão. E porque eu digo que compreendo, para ele é como se eu também tivesse estado presente.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2003)
«varrida pelos vento do Sara / tu Poesia / num aceno só para mim.»
Sobreviver em Tarrafal de Santiago (1985) - «Monte Gracioso»
Machado de Assis: «O dia não acabou pior; e a noite suportou-a ele bem, não assim o preto, que mal pôde dormir duas horas. A vizinhança apenas soube do incômodo, não quis outro motivo de palestra; os que entretinham relações com o mestre foram visitá-lo. «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884) § Camilo Castelo Branco a Eduardo Costa Santos (1867): «Meu amigo: // D. Ana e eu lhe agradecemos mui cordialmente a oferta de um laborioso e utilíssimo trabalho. Na 2.ª edição do "Cavar em Ruínas", se se fizer em minha vida, farei menção da nota do meu amigo» .../... in António Cabral, Homens e Episódios Inolvidáveis (1947) § Jorge Amado: «Consciente e contente que assim seja, reúno nesta Navegação de Cabotagem lembranças de alguém que teve o privilégio de assistir, e de por vezes participar, de acontecimentos em certa medida consideráveis, de ter conhecido e por vezes privado com figuras determinantes.» Navegação de Cabotagem (1992) § Manuel Tiago: «André era também baixo, magro e moreno. De cabeça descoberta, os cabelos tombavam sobre a testa. A expressão contraída mais destacava a sua juventude. / Desagradaram nitidamente um ao outro.» Cinco Dias, Cinco Noites (1975) § José Duarte: «Amanhã... / Billie cantará para vocês... / e para mim aqui sozinho». Cinco Minutos de Jazz (2000)
«Os olhos, luas breves»
Entre a Cicuta e o Mosto (1992) - «"Rosa de Guadalupe" de Manuel Ribeiro de Pavia»
«"Teve uma infância estranha", disse Austin. "Em última análise, todas as infâncias o são", disse Mister DeLuxe. "Molero diz", disse Austin, "que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que transportava e, muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, a asa tenra batendo à chuva."» Dinis Machado, O que Diz Molero (1977)
«Sim, sem dúvida que nostalgia é também uma forma de vingança, e vingança uma forma de nostalgia; em ambos os casos procuramos o que não nos faria recuar; o que não nos faria destruir. Mas não deixa a paixão de ser a força e o exercício do seu sentido.» Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas (1972)
«Ao fim da tarde acabo o meu passeio pelos montes e desço até ao ribeiro. Ele vem pela encosta fronteira, devagar, travado pelas ovelhas que só se mexem depois da boca cheia. Vemo-nos a uma boa hora de caminho um do outro, dois pontos longínquos, e mesmo sem nunca o termos confessado, sabemos que esse momento é para ambos um conforto, a revivência da camaradagem que de crianças nos levava a procurarmo-nos.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2003)
«A pulsação da fonte / ecoava o galope dos cavalos, / caligrafia miúda / em papel de duas linhas,»
Peças Desirmanadas e Outra Mobília (2000) - «Camionetas Bedford»
«Tinham acabado de almoçar. / A sala esteirada alegrava, com o seu tecto de madeira pintado a branco, o seu papel claro de ramagens verdes. Era em Julho, um domingo; fazia um grande calor; as duas janelas estavam cerradas, mas sentia-se fora o sol faiscar nas vidraças, escaldar a pedra da varanda; havia o silêncio recolhido e sonolento de manhã de missa; uma vaga quebreira amolentava, trazia desejos de sestas, ou de sombras fofas debaixo de arvoredos, no campo, ao pé da água; nas duas gaiolas, entre bambinelas de cretone azulado, os canários dormiam; um zumbido monótono de moscas arrastava-se por cima da mesa, pousava no fundo das chávenas sobre o açúcar mal derretido, enchia toda a sala de um rumor dormente.» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878)
«-- Olhava em torno de esguelha, com lumes de esperteza no canto do olho. / -- Lá vem o Chumbo. Aquele é o Antero Chumbo. / Eram baforadinhas sonoras que ele saboreava como um perfume. Sorvia o comentário, seduzindo-o, provocando-o.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)
«Não será portanto necessário perguntarmo-nos se o que nos junta é a paixão comum de exercícios diferentes, ou o exercício comum de paixões diferentes. Porque só nos perguntaremos então qual o modo do nosso exercício, se nostalgia se vingança.» Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas (1972)
«Que a terra lhe seja pesada. / Que lhe apodreça o corpo e os olhos fiquem vivos, / Se lhe soltem os dentes e a fome fique intacta / E a alma, se a tiver, que lha fustigue o vento / E arrase com ela a memória gravada / Na lembrança demente dos que o choram»
A Liturgia do Sangue (1963) - «In memoriam»
«Lembro vimes e lagos manhã cedo / e tu de pé saída, tu soltada / da rocha agreste e fria de outro medo»
Os Quarenta e Dois Sonetos (1973)
Woody Allen: «Sete semanas depois, no Quénia, encontrámo-nos com Hemingway,. Bronzeado e já com a barba crescida, estava a começar a desenvolver aquele seu estilo tão familiar acerca dos olhos e da boca. Ali, no inexplorado continente negro, Hemingway tinha arriscado gretar os lábios mil vezes.» «Memórias dos anos vinte», Getting Even / para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos § Michael Gold: «Em quieta paz, as mães aconchegam ao seio os filhos pequeninos, enquanto o pai, descuidado fuma num cachimbo velho. / E é tão tranquilo e calado o conjunto dos milhares de casas que o bater dum relógio parece voz gigantesca. / Na cela há cinco polícias fortes que espancam um preso. E sabem que ele falará!» «Cárcere», Para a Frente, América... - trad. Manuel do Nascimento § Hans Christian Andersen: «Em A História da Minha Vida deixei descrito de que modo, nos meus primeiros tempos de jovem em Copenhaga, me foi dado encontrar um lar acolhedor em casa do Almirante Wullf, na Academia Naval. Aí sucedeu aparecerem, por esse tempo, dois jovens portugueses, José e Jorge O'Neill, filhos do gerente da casa comercial Torlades O'Neill, de Lisboa.» Uma Viagem em Portugal em 1866 (1868) - trad. Silva Duarte § Mikhail Bakunin: «E fora do movimento, o que resta? Antes de mais, e acima de tudo, uma coisa sem dúvida muito respeitável, mas improdutiva e ainda por cima ruinosa: a brutalidade organizada dos Estados. Em seguida, sob a protecção financeira, comercial e industrial, a grande espoliação internacional; alguns milhares de homens internacionalmente solidários entre si e dominando, através do poder dos seus capitais, o mundo inteiro.» «O movimento internacional dos trabalhadores» (1869), O Socialismo Libertário - trad. Nuno Messias
Fui ouvir apenas as chamadas questões de defesa. Politicamente, este indivíduo é uma anedota. Ligeiro em tudo e sobre tudo -- parece que quer dar "um toque de modernidade" à Presidência da República --, diz coisas destas com a displicência de quem paga uma bica ao balcão; porém, enérgico e cheio de convicção. Rei da banalidade, é candidato a ficar pelo caminho, felizmente. Para anedotas, já nos basta ou outro.
«Saudades de Luísa que me queria para novio é Agosto "amor o muerte" com o assentimento de pai e mãe»
Siquer Este Refúgio (1976) - «Bouzas de Fondo, Orense: a muiñeira»
«Ficara sentada à mesa a ler o "Diário de Notícias". Roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soustache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras: com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis e rubis miudinhos davam cintilações escarlates.» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878)
«Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes os seu exercício.» Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas (1972)
«Havia certa imponência no seu jeito de segurar com os dedos claros, de unhas roídas, uma pasta acorcodilada e sempre pletórica. O andar, cuja morosidade provinha de infidelidades ao pedicuro, convertia-o ele numa altiva pachorra ao singrar entre mesas a caminho do seu cenáculo, como lanchão bojudo coleando no porto em demanda do cais.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)
«O buril colheu o veio da madeira / e feriu-a, da cunha até ao encaixe, / levando no fio o fio do destino.»
O Escriba Acocorado (1978) - «O mesteiral de Ilium»
«Dum grande poeta deu-se o nome / a uma rua suburbana // nem tanto quis em vida»
A Noite Dividida (1982)
«Nas mesas, onde uma turba espessa se coagulava, corria um dar de cotovelos, um cruzar de olhos, um rastilhar mexeriqueiro. / -- Olha. Lá vem o Chumbo. Aquele é o Antero Chumbo. O que escreve. O tipo parece que tem valor. / E era verdade. Isto é, ali ia ele.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)
«Esfregaram a cara e os cabelos molhados da transpiração com o lenço verde do regulamento, ou mesmo com o quico camuflado, um bonezinho em feitio de canoa, de aba curta e quebra-nuca para proteger a cabeça dos ardores do sol. / Abriram as latas de conserva das rações E que a Manutenção Militar distribuía para alimentação das tropas em operações.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)
«Do lado oposto à cidade a estrada descrevia uma curva ao longo de muros e cerrados, onde os grilos pareciam, de Verão, o queixume da ilha abafada e em que pairava agora um pasmo solto de tudo menos de mar. As lâmpadas da rede, lá para Porto Pim, faziam mais escura a massa de água que devia rolar enrefegada a um começo de vento levantado, pouco e já duro.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)
«Ramo verde florido, / florido de bela flor, / do meu amor tão querido, / onde está o meu amor? // [...]»
A procura do amor aos dezanove anos. O poema mais antigo de Sena publicado (creio) num dos primeiros livros póstumos, fiel e amorosamente editado (no sentido anglo-saxónico) por Mécia -- Variações sobre Cantares de D. Dinis.
Parafraseando Ruy Belo: D. Dinis e Jorge de Sena, dois poetas contemporâneos. Conheceria já os conceitos de modernidade e tradição do Eliot? Ver.
«Nem uma estrela / canta aleluia / Na noite fria que não tem fim!»
Poemas de Deus e do Diabo (1925) - «Legião»
«não tenho inveja de ninguém, / aqui da minha janela / onde me sinto tão bem...»
Animais Nossos Amigos (1911) - «O gato»
«Falar do amor... do amor! o sempre-mudo! /Se é segredo entre dois, como dizê-lo, / Sem divulgá-lo, sem que o ouça tudo?»
Primaveras Românticas (1872)
«-- Eu faço versos como quem morre.»
A Cinza das Horas (1917) - «Desencanto»
Primeiro o riso, com o elogio à União Europeia sobre como tem vindo a lidar com o problema da Ucrânia, Com os conselheiros de política internacional que estão lá para a candidatura, não é de admirar.
Depois, a estupefacção pela ausência de pensamento estratégico em quem anda há tantos anos na política: tirando a questão da importância atlântica, que é uma banalidade, Marques Mendes não só não mostra uma ideia sobre quais as áreas mais importantes para a soberania. A bem dizer, soberania nem vê-la: é preciso gastar dinheiro em defesa; onde? Ah, isso será decidido no seio da UE e da Nato. Catastrófico.
Para não dizer apenas mal, foi interessante a reflexão sobre a importância de acolhimento de imigrantes dos Palop, funcionando inclusivamente como válvula de escape para as graves tensões sociais que se vivem em Moçambique, mas também em Angola, muito preocupantes.
Está a gente marítima de Luso / Subida pela enxárcia de admirada, / Notando o estrangeiro modo e uso, / E a linguagem tão bárbara e enleada.»
Os Lusíadas, I-62 (1572)
Quando comecei a estudar História, um grupo de historiadores de largo espectro, cujo conhecimento e amplidão de estudo iam além da "mera" especialização, impunha-se. Eram eles António José Saraiva (1917-1993), Luís de Albuquerque (1917-1992), Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011), Joel Serrão (1919-2008), Jorge Borges de Macedo (1921-1996), José-Augusto França (1922-2021), Joaquim Veríssimo Serrão (1925-2020), A. H. de Oliveira Marques (1933-2007), José Mattoso (1933-2023) -- e, claro, António Borges Coelho (1928-2025), a cuja defesa da tese de doutoramento assisti e que entrevistei, no século passado, para o JL, além de nos termos encontrado algumas vezes no nosso comum concelho (ABC vivia na Parede).
Era um historiador do contra, e isso fez toda a diferença.
Sou, obviamente, contra o uso da burca e de outras formas de subjugação das mulheres e sou por princípio contra o relativismo cultural, quandfo atentatório dos direitos humanos;
Não desvalorizo a circunstância de o número de mulheres obrigadas a usá-lo seja entre nós relativamente baixo, conclusão a que chego por mera observação;
Não faço de conta que não percebo que na maioria dos casos (se não todos) usar uma aberração como a burca não depende da livre autodeterminação das mulheres que são obrigadas a usá-lo;
E não me alheio da complexidade que a sua proibição pode levantar a essas mulheres, confinando-as, tornando-as duplamente vítimas: do marido ou da família e do Estado;
Não me posso esquecer -- como salientou e bem o deputado do PS Pedro Delgado Alves que o contexto e quem apresentou esta proposta ser o desqualificado André Ventura, um tipo que subiu na vida a pôr as pessoas umas contra as outras.
É aceitável uma mulher usar burca ou niqab? Não, é degradante e profundamente ofensivo.
É aceitável, em nome de princípios inegociáveis, votar ao lado de desqualificados? Não, é profundamente ofensivo e degradante.
«O pastor vai para a serra, / vai para a serra sozinha, / que, lá do céu tão vizinha, / parece longe da Terra...»
Animais Nossos Amigos (1911) - «O Cão»
«I-EXPERIÊNCIA / Uma das coisas discutidas no Café Martinho era a virgindade de Antero. / Havia rumorejos quando ele entrava. / Já então um pouco obeso, mas empertigado por aquela volúpia do próprio mérito, que é sugestiva como um cartaz, -- principiava a usar o seu famoso chapéu preto de grandes abas, que implantava um pouco à banda, com audácia, sobre penugens dizimadas pela seborreia.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)
«Esqueceram os mil pormenores da instrução de comando, as forças não chegavam para tudo, mas a arma, essa ficou ali à mão de semear... Tiraram lentamente as mochilas de cima dos ombros e morderam os lábios com a dor dos músculos dormentes cortados pelas correias de lona.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)
«Dali à entrada da quinta corria um muro de pedra solta onde espreitavam trepadeiras, e só a uns vinte metros se erguia uma parede nobre com o grande portão verde de padieira grossa, que ao abrir bem até atrás, devido a uma posição mal calculada, batia na borda da sineta arrematada do naufrágio de um veleiro.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)
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«Entre os dois, eu sentia-me pequeno e miserando, / Vibrando todo, tumultuando, soluçando, / Com olhos meigos, lábios torpes -- indeciso / Entre um inferno e um paraíso!»
Poemas de Deus e do Diabo (1925) - «Painel»
«Por sobre os ombros me caio, / de sob as ervas me luzes;»
Os Quarenta e Dois Sonetos (1973)
«Caminharemos de olhos deslumbrados / E braços estendidos / E nos lábios incertos levaremos / O gosto a sol e a sangue dos sentidos.»
A Liturgia do Sangue (1963) - «A liturgia do sangue»
«-- Se eu te tivesse conhecido recém-nascida, teria odiado em ti o rosto incaracterístico da criança, balofo, sem vontade, que ri como um ébrio: -- esse rosto divino que 18 anos mais tarde eu havia de amar pela perversidade do seu sorriso, pela voluptuosidade que dele se desprende e voa até aos meus sentidos.» Eduardo Frias e Ferreira de Castro, A Boca da Esfinge (1924)
«Os homens pararam. Alguns, mais cansados, sentaram-se imediatamente, outros ainda procuraram árvores para aproveitarem a sombra e o encosto dos troncos. Abriram os camuflados, aspirando o cheiro ácido de suor que saía do peito, para se refrescarem.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)
«Estavam quase ao alcance da respiração um do outro: ela debruçada num muro de pedra de lava; ele na rampa de terra que bordava a estrada ali larga, acabando com a fita de quintarolas que vinha das Angústias até quase ao fim do Pasteleiro e dava ao trote dos cavalos das vitórias da Horta um bater surdo, encaixado.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)
Quem a morte sentiu
Da vida não foge
(Livro de Registos / Última Colheita, 2022)
***
Tenho a idade
deste plátano
e desta tília.
Todavia sei
que não vamos
envelhecer juntos.
(Sequências, 2000)
***
Uma só vida não chega
Nem outra nem outra ainda
Para dizer que te amo
Meu amor meu só amor.
E quando a morte vier
Inevitável e certa
Que seja eu o primeiro
A ficar no livro inscrito.
Que ali discreto seja
E feliz por ter amado
A mulher por que morri
Vivendo. Nada mais quero.
Se de meu amor morri
Morrendo volto a viver.
(Caderno de Encargos, 1994)
***
Como defender a Pátria falando outra língua,
Se outra língua ouvindo sei que esta terra
Minha Pátria não é?
(Jornal de Campanha, 1986)
***
Em Portugal haver mocidade portuguesa
é um pleonasmo a evitar
(Gramática Histórica, 1971)
***
SÓ PORQUE ÉRAMOS PUROS
Só porque demos as mãos
E gritámos bem alto
O nome da amizade,
Só porque trocámos carícias
Sem o prazer dos sexos
E fomos amantes Como o luar e o rio,
Chamaram-nos devassos
E refugiaram-se no mundo
Torpe, em que não caímos.
(Momento, 1956)
«Rapazes enfezados no ventre da tarde / destroçam os pássaros no riso»
Columbários & Sangradouros (2013)
Jaime Brasil a Ferreira de Castro (1925): «Paris, 14/10 // Meu caro Castro, // Como vai isso? Bem? Não sei se já lhe escrevi ou não. Ando arrasado das viagens, hábitos alterados... o diabo. O M. Domingues já veio? / Estou na R. Richer, 26 Pension Home. Se for necessário qualquer coisa escreva até ao dia 20. / Recomende-me à "Tertúlia". Abraça-o o am.º e camarada / Jaime» Cartas a Ferreira de Castro (2006) - ed. Ricardo António Alves § Vergílio Ferreira: «Fomos a Fontanelas, levámos o Lúcio, de Bolembre. Lúcio cresce, distancia-se. Não decerto no afecto -- no que no-lo marcou como criança. Com ele, também, a fuga do tempo. A casa do Rogério -- o jardim. Súbita melancolia, o espectro do passado, ou seja da morte.» Conta-Corrente 1 (1980) § José Duarte: «Em nome do Pai... / e do Filho... / e de John Coltrane» Cinco Minutos de Jazz (2000) § Machado de Assis: «É preciso dizer que ele padecia do coração: -- moléstia grave e crônica. Pai José ficou aterrado, quando viu que o incômodo não cedera ao remédio, nem ao repouso, e quis chamar o médico. / -- Para quê? disse o mestre. Isto passa.» «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884) § Manuel Tiago: «Mas em todo o seu físico, na rigidez do tronco e no dispor das pernas, nos gestos e olhares, transparecia qualquer coisa que o distinguia de um vulgar lavrador, qualquer coisa de arrogante, ousado e impertinente. Cinco Dias, Cinco Noites (1975) § José Bacelar: «E pontos de vista todos eles igualmente admissíveis, todos eles dignos de atenção, todos eles justos. Assim, que, na complicada construção dum edifício, o carpinteiro considere tudo sob o ponto de vista da carpintaria, o pedreiro sob o ponto de vista da alvenaria, o pintor sob o ponto de vista da pintura, são realidades contra as quais o espírito livre nada tem que dizer. Nada mais natural -- e nada talvez mais necessário.» Arte, Política e Liberdade (1941) § Fialho de Almeida: «Duma ocasião, sozinho no meu quarto, eu considerava uma rosa branca que emurchecia num copo, tão triste! Disse-lhe assim: "Tu sofres!" Ela curvou-se mais sobre a haste, aquiescendo, e vi-lhe duas lágrimas nas pétalas. Nunca pude saber quem fosse esta mulher.» O País da Uvas (1893) - «Pelos campos»
Estes acham que somos todos estúpidos, que ninguém está a ver a grosseira manipulação da opinião pública ocidental; a censura imposta aos media russos -- de propaganda, dizem, como se houvesse algum merdia que o não fosse; o fracasso da "política" (nem a designação merece...) europeia na Guerra da Ucrânia; a perigosa mediocridade da acção, com a falta de estratégia total da UE, a não ser a de ser cão dos Estados Unidos.
Acham estes idiotas que basta dizer que "houve um país que invadiu outro", como aconteceu mais uma vez com Pacheco Pereira há dias na televisão (o grau zero da análise) -- pois o público é basicamente constituído por crianças grandes -- por isso facilmente manipulável --, que basta dizer muitas vezes as mesmas parvoíces, como faz o Costa, que a malta engole. Engole, pois; mas não toda.
«O Amor que nome tem? real, jamais o teve...»
Primaveras Românticas (1872)
Sem embandeirar em arco, a emoção é grande com o aproximar do termo desta carnificina.
A pressão sobre as partes foi certamente gigantesca, dos Estados Unidos, que são quem realmente manda em Israel, sobre Netanyahu; do mundo árabe e islâmico, não apenas os mediadores Qatar, Egipto e agora a Turquia (aliada do Hamas), sem falar da posição do Irão de apoio à proposta de acordo, nesta terça-feira. Ou seja: o início do diálogo estava assente -- o que não é pequena coisa.
A Cisjordânia e os colonatos ilegais é o caso mais bicudo -- penso nos judeus extremistas e nas ocorrências do passado; depende também muito da parte sã (laica) de Israel e do continuar da forte pressão sobre o Likud (os partidos religiosos são irrecicláveis e têm de ser controlados, pelo menos).
A situação de Marwan Barghouti, preso há 23 anos e que os radicais israelitas não querem libertar -- e todos sabemos porquê -- também ditará boa parte do caminho que agora poderá começar.
Sim, de facto não havia alternativa. Quem diria?...
Segue-se a norma adoptada em Angola e Moçambique, que é a da ortografia decente.