Enquanto os cães ladravam um ladrar
ralo de sono
que não chegou para acordar os donos
na noite doutros sonhos sem luar
e sem retorno
também cruzei por mim sem me chamar.
Viagem de Inverno (1994)
conservador-libertário, uns dias liberal, outros reaccionário. um blogue preguiçoso desde 25 de Março de 2005
Enquanto os cães ladravam um ladrar
ralo de sono
que não chegou para acordar os donos
na noite doutros sonhos sem luar
e sem retorno
também cruzei por mim sem me chamar.
Viagem de Inverno (1994)
Mão amiga fez-me chegar este post de Carlos Vale Ferraz -- que é também o escritor Carlos Matos Gomes --, autor de Nó Cego, um dos grandes romances portugueses do século passado.
Falece-me já a paciência de estar constantemente a denunciar a enxurrada de vigarice mediática e académica a propósito da guerra; prefiro assinalar quem é competente, isento, lúcido e honesto. Há uma meia dúzia no espaço público: entre os militares, repito-me, Agostinho Costa, Carlos Branco, Mendes Dias e pouco mais; entre os académicos, retenho dois nomes (entre pouquíssimos) Marcos Farias Ferreira e Tiago André Lopes; dentre os publicistas portugueses que têm escapado à indigência, contam-se, de forma destacadíssima, Viriato Soromenho Marques, Miguel Sousa Tavares e Carlos Matos Gomes. Não são os únicos, felizmente. Vale a pena lê-los e ouvi-los, sem perdermos tempo com bonecos.
«Tudo foi dito já. Quem julga dar novidades chega afinal muito tarde: -- os homens existem e pensam há mais de sete mil anos. Em matéria de crítica de usos e costumes, que se poderá dizer? Repetir os conceitos antigos e alguns modernos de mais apurada lucidez.»
Os Caracteres (1688)
Não sei nada da política eslovaca, pouco além da noção de o partido de Robert Fico o Smer -- Direcção Social-Democracia -- pertence ao Partido Socialista Europeu, partilhando, pois, a bancada com o PS, no Parlamento Europeu.
Ontem na CNN-Portugal, enquanto estava à espera do comentário de Carlos Branco -- sempre informado, competente e honesto, uma raridade --, ouvi e li a vitória do Smer ser apresentada desta forma (cito de memória): populistas vencem eleições; vitória do partido anti-ucraniano (ou anti-apoio á Ucrânia, qualquer coisa assim). Na véspera também fora anunciado que Fico -- que tem a minha idade, 59 anos -- considerava o casamento entre pessoas do mesmo sexo uma aberração (está explicado o populismo...), Seria interessante, a este propósito, fazer-se uma sondagem aos políticos ucranianos para saber da sua opinião a este propósito.
Cometo, aliás, um disparate, pois o jornalismo sério anda escondido, e quando aparece autocensura-se.
«Distanciada do brasido, a velha panela, com uma perna já fracturada, fumegava, tecendo na boca negra do forno uma cortina vaporosa.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) / «E lá ia, que remédio!, de balde ao ombro, a espreitar alguma maracha que precisasse de engravatada, por oscilação das terras, ou canteiro mais soberbo por desequilíbrio da gleba.» Alves Redol, Gaibéus (1939) / «Quem o visse à distância, julgá-lo-ia um belo barco de recreio, garbosamente galgando a planura azul e mansa.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)
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Eça de Queirós |
Confronto: Sigmund Freud, Psicopatologia da Vida Quotidiana. Rudyard Kipling, Kim. Thomas Mann, Os Buddenbrook. Beatrix Potter, A História de Pedrito Coelho. August Strindberg, O Sonho. Anton Tchékov, As Três Irmãs. Émile Zola, Trabalho.
Prémio Nobel – Sully Prudhomme (1839-1907).
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Columbano Bordalo Pinheiro |
É TUDO QUESTÃO DE TEMPO
Rio abaixo
Na toada invisível dos seixos
Vai o dongo a palha a folha.
Poliedro chispante e duro
Refracta-se oblíquo o sol.
E num marulhar longínquo afável
Sente-se mais que se ouve
A praia a ambicionada praia
No doce e borbulhante
Abrir dos dedos das águas.
É tudo questão de tempo.
Poesia Intermitente (1987)
«"Toda a verdade é simples." Não é isto uma dupla mentira?»
Crepúsculo dos Ídolos (1888)
«Quantos homens entrados comigo no mundo já dele partiram!»
Pensamentos para Mim Próprio
ESCAVAÇÃO
Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E minh'alma perdida não repousa!
Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar...
Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez de fogo...
Onde existo, que não existo em mim?
.............................................................
..............................................................
Um cemitério falso sem ossadas,
Noite d'amor sem bocas esmagadas --
Tudo outro espasmo que princípio ou fim...
Dispersão (1914) / Poemas Escolhidos (ed. Clara Rocha)
1. O mandado de captura emitido pela Rússia contra o presidente do TPI, um polaco, que se prestou ao papel de acusar Putin do crime de deportação de crianças -- provavelmente para campos de concentração, que a Polónia, de resto, bem e tristemente conheceu.
2. O vexame de todo o parlamento canadiano e do pm Trudeau -- campeão universal do wokismo --, ao ovacionar, por duas vezes, de pé, um herói ucraniano-canadense, que na II Guerra lutou contra os russos, disse o speaker, pela liberdade, ovação aceite e agradecida pelo homenageado, que, veio a saber-se, é um antigo SS, cujas atrocidades contra judeus e polacos, e sabe lá quem mais, oram entretanto relatadas. A Polónia já pediu a extradição do nonagenário.
O Senhor dos Navegantes, de Ferreira de Castro (1954)
"Deus", insatisfeito com a sua obra de criação, aparece inadvertidamente ao narrador com uma braçada de ex-votos para destruir -- ou o contrassenso da sua existência, pela voz de um louco.
Ou seria mesmo Deus, e não um louco? Se na leitura que fez do conto, Egas Moniz remete para uma manifestação de patologia psiquiátrica, E. M. de Melo e Castro, ao recolhê-lo na sua Antologia do Conto fantástico Português, abre a porta à especulação, mesmo que saibamos do ateísmo do autor, pelo que a questão é pertinente.
Metafísica: Só no revolucionário -- como Jesus Cristo -- há a possibilidade de uma parcela do divino
Incipit: «Branca, airosa, pequenita, erguida sobre o tope de uma colina, a Capela do Senhor dos Navegantes divisava-se de longe, como um farol.»
«Os sentimentos de culpa do Ocidente dão pelo nome de antropologia.»
Uma Terra, Quatro ou Cinco Mundos (1983)
«História de um parto», de Fernando Namora, Retalhos da Vida de um Médico (1949) ´
Um médico colocado em aldeia da província tem a sua prova de fogo quando é chamado a deslindar um parto complicado, num lugarejo vizinho. História de desconfiança e afirmação dum Portugal do neolítico.
Incipit: «Estava médico em Monsanto há cerca de um mês, com os meus vinte e quatro anos medrosos.»
PRESÉPIO
Nuzinho sobre as palhas,
nuzinho -- e em Dezembro!
Que pintores tão cruéis,
Menino, te pintaram!
O calor do seu corpo
pra que o quer tua Mãe?
Tão cruéis os pintores!
(Tão injustos contigo,
Senhora!)
Só a vaca e a mula
com seu bafo te aquecem...
-- Quem as pôs na pintura?
Pelo Sonho É que Vamos, (post., 1953)
«O interesse fala toda a espécie de línguas e interpreta todo o tipo de personagens. incluindo a do desinteresse.»
Máximas (1665)
Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez, Dinis Machado (1984)
Começando por dizer que não se trata bem de um conto, mas de uma micro narrativa ficcional, é-o num modo puramente dinismachadiano (tem de ser assim, atendendo ao D. Dinis e ao Machado de Assis...). Toma de início a maneira de García Márquez -- então no auge da glória nobelizada -- para rapidamente se libertar para umas cores menos tropicais e mais atlanto-mediterrânicas, da paleta que o romancista de O que Diz Molero consagrou, em 1977. Dinis Machado à solta, portanto, livre como num argumento onírico de Van Hamme para Mr. Magellan, que Machado publicara na revista Tintin, de sua direcção, e que tanto marcou a minha geração, e as contíguas. Como o Dinis Machado, só alguns, muito poucos.
O incipit: «Antigamente, eram os barcos.»
AUTOBIOGRAFIA
O teu sorriso
espelhado em meus olhos, Mãe;
Um pouco de Poesia
a ilimitar todo o presente;
E a Vida sorrindo também
ao futuro humano que se pressente.
Poemas (1961)
«Os insignificantes não prendem o homem, prendem o que há de Grande no homem.»
Mas... (1921)
«Singularidades de uma Rapariga Loura», de Eça de Queirós, Contos (póstumo, 1902)
Um conto de desenlace sufocante, muito triste na sua irrisão, perfeito no estilo, terrível no modo monocular com que Eça retransmitia a realidade. Uma obra-prima publicada aos 29 anos, num "Brinde do Diário de Notícias", quando o autor escrevia O Crime do Padre Amaro.
O incipit: «Começou por me dizer que o seu caso era simples -- e que se chamava Macário...»
O que Zelensky disse no Senado norte-americano já se sabia desde o princípio: os ucranianos, ou parte deles, usados pelos Estados Unidos, até ao último. Está a correr mal. A correr mal para os Estados Unidos, porque para a Ucrânia, transformada em campo de batalha entre dois imperialismos, as perspectivas nunca poderiam ser diferentes, e têm tendência a piorar.
ECLIPSE
O ar é bem leve,
e a vida -- pesada.
(Quem estrelas não teve
em casa fechada?)
77 Poemas (1955) / Oferenda I (1984)
cujo curador (como agora se diz) da iniciativa parece ser um picareta cheio de verborreia (palavra que o Eça de Queirós inventou, a pensar nos deputados do seu tempo). Escreve Eugénio Lisboa, a dado passo, certeiro: [...]Eça abominaria ir para o Panteão. / Bolas, leiam-lhe a obra com olhos de ver e ler! E deixem-se de pedir a opinião de “autoridades” académicas: consultem os textos! Arre!» Claro que Eugénio Lisboa, homem culto e lúcido, sabe que está a pedir demasiado. Não se lêem os textos, lê-se o que certos bonzos escreveram sobre os textos, para se produzir lixo, nomeadamente académico, mas não só. É um problema antigo.
António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)
Uma evocação pura da infância, ou idealização dela, também, que, apesar de tratar-se de um conto para crianças, apresenta-se cheio de ironia, e, por vezes, de malícia, até -- a fazer lembrar a narração do Não Matem a Cotovia, de Harper Lee. Talvez a literatura infantil devesse ser sempre assim, para todos lermos independentemente da idade, inteligente e sem falsos moralismos.
O incipit: «O senhor doutor Luís era uma pessoa muito importante, cheio de rugas e de tosse.»
Tinham ambos os discursos afinados. Zelensky e as terríveis palavras "rapto" e "deportação" de crianças. (Já falei sobre o assunto, não me apetece perder tempo.) Crianças também lembradas pelo patife do Biden, que delas se esqueceu quando votou a favor da invasão do Iraque...
Disse o Zelensky que na Rússia não se pode confiar. Talvez. Mas o que é certo é que à Ucrânia destes bonecos é que nem um carro em segunda-mão se pode comprar, mesmo com garantia. Recordo-me, entre a miríade de exemplos possíveis, dos célebres Acordos de Minsk, assinados com reserva mental para empatar a Rússia, como admitiram franceses e alemães, os garantes desses mesmos tratados. Refiro-me a isto só por causa dos mais distraídos; para quem vê com olhos de ver é desnecessário chover no molhado a propósito destes (e doutros) trafulhas.
À margem: hoje não me apeteceu ouvir o major-general Isidro, por isso fui parar à sic (o que raramente sucede), mas tive a sorte de apanhar Marcos Farias Ferreira, que sabe o que diz, ao contrário da maioria dos seus colegas ignorantões das RI, Só é pena que tendo como contraparte um atraso de vida de um jornalista (é sina da profissão), ambos moderados por um burrinho (sina deste telespectador).
«O verdadeiro caminho passa sobre uma corda que não está esticada ao alto, mas rente ao chão. Parece antes destinar-se a fazer tropeçar do que a ser percorrida.»
Franz Kafka, Aforismos
ILHA DOURADA
A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis
naves moiras.
Tudo mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio.
As gentes calam na
voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da Amizade.
Em pleno dia claro
vejo-te adormecer na distância,
Ilha de Moçambique,
e faço-te versos
de sal e esquecimento.
O País dos Outros (1959)
«O saco», de A. M. Pires Cabral, O Diabo Veio ao Enterro (1985).
Não será bem um conto, antes uma apresentação do Tio Zé das Candeias, narrador dos dez textos seguintes, num estilo aprimoradíssimo e culto, pulsante e contagioso, moderno e intemporal, apesar da rusticidade de superfície, lembrando os grande mestres a cuja família o autor pertence: Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, João de Araújo Correia, Tomaz de Figueiredo.
O incipit: «Quando, nesta corda de aldeias sabiamente semeadas na Serra de Bornes, dois amigos cozeram ao sol de muitos anos, um por um, os tijolos com que se constrói a amizade, e se procuram quase sem dar por isso para as longas cavaqueiras ou silêncios com que preenchem os dias, e parece que, não estando um, o outro esmorece e estiola, e se sabem confortar, ainda que sem palavras, nas horas de luto e desgosto, e alegrar do mesmo riso se a hora é de riso, e, por tão amigos serem, às vezes marralham, ralham e cortam impetuosamente relações, que retomam, com um sentimento compartilhado de culpa e arrependimento e um não saber que fazer com as mãos, no dia imediato, e cada qual nada faz, não deita semente à terra nem leva vaca à cobrição nem nada de nada sem ouvir o parecer do outro; quando um caso desses se dá, a comunidade não lhe fica indiferente e a linguagem popular, cujos recursos poéticos é raro exorbitarem do mundo concreto em que o povo se move, designa Pílades e Orestes com uma metáfora definitiva: o saco e o baraço.»
Escutar,
estar atento à gravidade
do mundo
pressentir o coração da terra
no mínimo gesto
no verde minucioso da manhã.
O poema nasce da atenção
ao esplendor das ínfimas coisas: a porta
branca, um cântaro vermelho
a luz excessiva do estio.
Pacto com real.
Nascente da Sede (2000)
ANTON BRUCKNER, SINFONIA N.º 7
Melodia imponderável de águas no planalto.
Vapores líquidos trepam beleza incontida por árvores decrépitas
e súbito
loucas
rolam pela encosta torrentes fragmentadas de luz
diáspora incontida do som que paira na montanha.
Eco desejado
e para sempre
repetido.
Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)
«ACIDENTE - Sempre lamentável ou importuno (como se alguma vez uma desgraça pudesse ser motivo de satisfação.»
Dicionário das Ideias Feitas (póst., 1911)
Fui ver das luminárias que queriam remover a estátua "quase pornográfica" (sic), da autoria de Francisco Simões, em que o autor do Amor de Perdição, "sobriamente vestido", de acordo com o Público. enlaça uma jovem mulher nua.
São eles, por ordem alfabética, António Lobo Xavier, Artur Santos Silva (que parece que aprovara a obra), Bernardo Pinto de Almeida, Ilda Figueiredo, Mário Cláudio, Miguel Von Hafe Pérez e mais uns trinta, que permaneceram na obscuridade noticiosa. Além do triste bombo desta cegada, o inevitável Rui, o inefável Moreira.
Se há coisas que o reverente Moreira deveria saber (reverente para com o que ele chama "os dois maiores críticos de arte do Porto" -- ficando nós a saber que no Porto, segundo Moreira, consegue dizer-se quem é o maior crítico de arte), é que os políticos e a política não têm que meter o bedelho em matéria de gosto, devendo, quem se atreva a usar do seu poder para impor moralismos ser corrido a pontapé; coisa que os gloriosos "críticos de arte" também deveriam saber, em vez de puxarem pela manga do casaco do senhor da autoridade para queixinhas e solicitar castigos inerentes
Eu gosto imenso do Cutileiro, ainda mais do 25 de Abril, acho grotesco o pirilau do alto do Parque Eduardo VII, mas nunca na vida me passaria pela cabeça pedir para removerem o falo, em permanente ejaculação de liberdade. E o mesmo se passa com outros monumentos no espaço público.
Mas verdade verdadeira, embora dissimulada, é que a mãozinha do Camilo nas nádegas capitosas da menina, isso é que não! Há uns abencerragens que ainda pensam que se trata de um atentado à moral e aos bons costumes; e por isso assinaram pela remoção, em odor de santidade; são os idiotas úteis. E há os que se sentem incomodados com tão flagrante demonstração de heterossexualidade, ou que não podem ver um homem vestido com uma mulher nua, coisa horrorosa! Estou certo de que no futuro teremos uma estátua do Cesariny no Cais do Sodré agarrado a um efebo, e aí é que eu estou para ver como será.
Prestaram um grande favor a Francisco Simões e ao seu monumento, e deram mais um valente tiro no pé, desmascarando-se como o que efectivamente são: censores e totalitários, fora os idiotas úteis, é claro.
PS - Vi a estátua pela primeira vez hoje, nem sabia da sua existência; torci o nariz de imediato. Mas vendo melhor -- e quando for ao Porto quero ir ao local --, é preciso ver melhor... O corpo feminino é soberbo, e a expressão de Camilo não o é menos, no que sai bastante beneficiado, ele que sendo um dos maiores escritores, era humanamente um patife, o que, para o caso, não interessa nada.
2:
em 1973 ponho de parte alguns
álibis a começar pelo da fealdade própria
que mais me serve e tu soubeste
sempre para fingir libertino
tento aprender um jogo
afinal simples: desnudar-me e logo depois um outro:
revestir-me em quatro segundos ao cronómetro
pensava eu na minha que se deve à amada
tudo inclusive o espectáculo íntimo
entretanto falhamos porque estas coisas batem
no plexo solar viciam o salto
vamos dar com os cornos tristemente
no sítio onde a piscina é mais baixa
a sopa, adiante, escalda; e rias-te
Memórias do Contencioso (1976)
1. D. Afonso Henriques (Coimbra[?}, 1109/1111 - 1185). O Conquistador. Fundador do reino, do estado e da nação portuguesa. 2. Egas Moniz (c. 1080 - 1146). Aio do primeiro rei, pertenceu à nobreza medieval de entre Douro e Minho, esteio da força de D. Afonso Henriques. 3. D. João Peculiar (Coimbra [?], ? - Braga, 1175). Arcebispo de Braga, o grande negociador da política externa e de alianças, do reino recém formado. 4. Gualdim Pais (Amares, c. 1118/20 - Tomar, 1195). Cavaleiro templário, chegando a grão-mestre, representa nesta lista o papel das ordens militares na fundação. 5. Mafalda de Sabóia (Avigliana [?], c. 1125 - Coimbra, 1158). A primeira rainha, dela provêm todos os reis de Portugal, incluindo o actual rei sem trono, Duarte de Bragança.
Por duas razões principais, creio.
A primeira tem que ver com as relações hierárquicas e de poder. Vamos considerar a possibilidade mais benigna: a de um impulso irreprimível. Passado o momento de euforia, o mínimo que se exigiria seria um forte acto público de contrição, ou até uma autopenalização. Isso sim, seria de homem. Um(a) "chefe" tem que se impor a inibição de tomar certas liberdades, caso contrário não passa de um dejecto. Foi para criaturas destas que se inventou o autoclismo.
A segunda, igualmente importante, mas ainda mais grave. A prevalência de um machismo alvar nos países latinos, cuja expressão mais dramática se traduz no número de mulheres assassinadas às mãos dos maridos/companheiros (sem falar nos traumas que incidem sobre as crianças), torna compreensível que um acto destes, nestas circunstâncias, seja intolerável numa sociedade decente e qualquer abuso fortemente sancionado.
No entanto, tal não autoriza o linchamento público, que foi o que ocorreu, mesmo com o presidente da federação espanhola pondo-se a jeito. E também não autoriza a utilização da jogadora como arma de arremesso pelo outro lado da barricada.
Em resumo: um caso lamentável, em que a principal vítima foi Hermoso, irònicamente não por causa do beijo que não terá pedido, mas pelo desprezo que o activismo woke mostra pelo indivíduo. Ou seja, estão-se nas tintas para a atleta, desde que útil para emblema de uma causa. Isto é puro totalitarismo, tão deletério e tanto para abater como o machismo larvar que ainda por aí grassa.
Um grande exercício da NATO marcado para Fevereiro, parece que o maior desde o fim da Guerra Fria, no Báltico...
Como toda a gente sabe, a Rússia está cheia de vontade de atacar um país da NATO, ora se está!
Aliás, o impoluto Zelensky, em entrevista ao imbecil do Fareed Zakaria (que há tempos o comparou ao Churchill), ao mesmo tempo que chamava mentiroso ao Putin, dizia ao bovino, para telespectador ocidental ouvir, que é mesmo isso que a Rússia quer: atacar países da NATO. Então não quer? Ora se quer!...
(Parênteses: Estes aldrabões não se decidem: um dia a Rússia está fraquíssima, no outro já quer atacar um país da NATO, reconstituir a URSS, enquanto se prepara para levar com a dita Nato em cima.)
Entretanto, a indústria de guerra americana, e não só, a faturar, à custa destas anedotas de governantes, entre estúpidos, servis, cobardes e espertalhaços, é escolher: os F16 da Holanda todos para a Ucrânia (para operarem onde?; a partir de pistas subterrâneas?), certamente em troca de desconto de amigo nos F35.
É que ficam todos a ganhar: os americanos a meterem ao bolso; os holandeses a lograrem uma atenção no preço do novos aviões; a trupe do Zelensky, em que certamente algo ainda ficará de lado para pé-de-meia; e o povo ucraniano, esse será sempre o grande triunfador: o país arrasado, centenas de milhares de mortos, milhões de deslocados.
É por causa do Putin? Não me façam rir, de pena, claro.
«ABSTÉMIO, n. Indivíduo que se abstém de ingerir bebidas fortes: por vezes totalmente; outras vezes, toleravelmente totalmente.»
Dicionário do Diabo (1906)
A LUZ QUENTE DOS GIRASSÓIS
A Vincent Van Gogh
É esta atenção demasiada
sobre as coisas
que me faz crescer em ti
descomprometidamente
como a luz quente dos girassóis.
Mesmo que seja inverno
é sempre assim:
aflora-me o calor por entre os dedos
e as imagens regressam ao lume
que nunca mais acaba.
«A filosofia não é álgebra: pelo contrário, Vauvenargues tinha razão quando disse: "Les grandes pensées viennent du coeur."»
Aforismos (de Parrerga et Paralipomena, 1851)
Passadas 48 horas, a Roménia descobriu-se agredida e violentada -- deve ter acordado depois da solidariedade da Nato. Ou seja: foi obrigada a manifestar-se de acordo com a estratégia da Nato; ou seja: age como outro capacho para que os Estados Unidos e os ingleses nela limpem os pés, aliás, como já aconteceu com a Alemanha (o Nord Stream). É o efeito Hermoso.
(Nota: fiz primeiro o link para o Público, mas eles têm uma estética muito própria -- deve ser por causa disso que também detestam o Putin --; portanto, vai mesmo o link da Caras, talvez a menos ordinária das revistas de mexericos de que a malta tanto gosta; que, por uma vez sirva para alguma coisa, como a de mostrar que as mulheres devem poder ser tudo e também giras. Dentre as muitas coisas que eu adoro nas mulheres, é que sejam giras (imagem da Caras) e não propriamente camafeus (imagem do Público).
Mais depressa apostaria as minhas fichas na autoria ucraniana do que na russa, no ataque ao mercado. Parece, aliás, que não haveria por ali qualquer objectivo militar, daqueles que os russos atacam, causando danos colaterais em edifícios à volta. Ainda há semanas, em Lviv, a destruição de um edifício de uma academia das forças armadas (com oficiais dentro) pelos russos foi ocultado (compreende-se) pela Ucrânia, noticiando a imprensa bovina que os russos haviam atacado um edifício de habitação, ouvi dizer no carro a um papagaio da Antena 1 ou da TSF, já não me lembro. Sucede que, como depois se soube, esse prédio estava ao lado do edifício das forças armadas que fora destruído, e era uma vez a cobertura. O que já não convém noticiar.
Portanto, quanto a informação, o costume (agora até deram um prémio ao Sérgio Furtado, que andou a entrevistar prisioneiros de guerra russos, guardados por ucranianos -- quem se lembra da entrevista a Xanana Gusmão numa prisão indonésia?...)
Quanto ao ataque desta quarta-feira ao mercado, dos militares de confiança que escuto, ainda só ouvi o coronel Mendes Dias, que admite terem sido os russos, como admite não terem sido os russos, chamando a atenção como se deve fazer, sempre: a quem aproveita o ataque? Aos russos, que têm a situação militar controlada e estão a fazer um arremedo de eleições no território; ou aos ucranianos, cuja ofensiva tem sido um fiasco, precisando de distrair as atenções?... E já nem falo dum possível aproveitamento da visita do Blinken; aí só se for para sugestionar o mercado americano, talvez.
Uma nota, a propósito de americanos: a Nato já se solidarizou com a Roménia pelo drone que não caiu no seu território. Não é maravilhoso?
As barbas: parece retorcida, a possibilidade de os ucranianos bombardearem um mercado do seu lado, mas não é. Como diria Deuladeu Martins, o engano é uma grande arma de guerra. Ou já se esqueceram do mercado de Sarajevo?...
CALAFRIO
Não sei como eles ainda escutam
as cóleras de guizos,
como eles não vêem os coágulos
onde o sangue tingiu os girassóis.
De ciprestes são as áleas
que escoltam a música dos sinos
e o céu desfolha-se
em estrelas apagadas.
Pois sobre o rugido dos coveiros
que se levante a surdez.
A alva, quando nasce,
é calafrio.
Marketing (1969)
(e não será por causa deste desinteressante, requentado e triste arrufo entre Marcelo e Costa sem interesse nenhum a não ser para a bolha merdiática.)
Ao coonestar a estratégia norte-americana de integração da Ucrânia na Nato -- a razão entre todas principal para o que está a decorrer por ali --, avalizando a subserviência dos órgãos de soberania (!) portugueses, o Conselho de Estado chancelou o apequenamento de Portugal e a sua insignificância no concerto das nações.
Uma coisa é ser aliado -- e Portugal deve sê-lo dos Estados Unidos, a geografia assim o impõe --, outa é ser vassalo e subserviente.
Quanto mais a guerra se prolongar, e a Rússia não acabar com aquilo o quanto antes, mais perigoso tudo se torna, mais difícil será um recuo. Até porque -- a não ser que ocorra um golpe de estado bem sucedido -- a Rússia nunca permitirá que a Ucrânia, tal como a conhecemos, integre a Nato. Se Portugal contasse para alguma coisa -- e não conta porque são os nossos governantes que o diminuem --, uma declaração como a do Conselho de Estado apenas contribuiria para agravar a situação da própria Ucrânia, hoje transformada num território em que as potências se guerreiam.
Segue-se a norma adoptada em Angola e Moçambique, que é a da ortografia decente.