domingo, novembro 29, 2009

Antologia Improvável #410 - Antero Abreu

UMA CANÇÃO DA PRIMAVERA


Nesta flor sem fruto que aspiramos
Eu vejo coisas que ninguém descobre:
Descubro o grão, o caule, os ramos,
E até o sulfato de cobre.


E ainda vejo o que ninguém mais vê:
Vejo a flor a desenhar-se em fruto.
E quer ela o dê, quer não dê,
É esse o fim por que luto.


Coimbra, 24.XI.949

No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)

músicas grandes - Arthur Honegger, «Pacific 231»


Orquestra da Rádio-Televisão da Suíça Italiana / Marc Andreae

sexta-feira, novembro 27, 2009

O meu Estoril Film Festival -- de A a T (6)

Empanada Argentina - Entre um filme e outro, de queijo e cebola, aviada no café do famoso Chakall.






Estoril - Sucede que é a minha terra. Só não nasci lá, porque no meu tempo as mães já pariam nas maternidades. É o meu Estoril e já é outro. Sou agarrado ao tempo. Vivi dos melhores e dos piores anos da minha vida por baixo dumas telhas que espreitam a fotografia. E a vista ainda era melhor: baía de Cascais e casario do Monte Estoril. Privilégios.


Fantastic Mr. Fox, de Wes Anderson, EUA, 2009 («Fora de competição»). Baseado numa história do fantástico Roald Dhal. Recriações da raposa matreira, em preciosa animação stop motion e cinismo q.b. para o engolirmos melhor. Giro.

acordes nocturnos

O Vale do Riff - Sarah Vaughan, «East Of The Sun (West Of The Moon)»

quinta-feira, novembro 26, 2009

oh!, os quadradinhos

entro no Sunflower / onde em dias de sol se vende uma sopa vegetal quente, / ou o Dr. Atomic e os Freak Brothers (Fernando Cabrita)

O Vale do Riff - Jim Murple Memorial, «Humpty Dumpty»

O meu Estoril Film Festival -- de A a T (5)

Duas Mulheres, de João Mário Grilo, Portugal, 2009 («Em competição»). Não percebo porque raio se faz um filme para contar uma história banalíssima, cheia de lugares-comuns. Não há paciência para o
banqueiro beato e sem escrúpulos, a mulher mal casada e mal comida, a call girl prostituta porque gosta de ganhar num dia o que não ganharia num mês se fosse caixa de supermercado. Lamento, mas é tudo muito fraquinho. Salva-se os belos planos do Tejo e Lisboa, o pequeno papel de Nicolau Breyner* e a música de Wagner Tiso.
Eastern Promises, de David Cronenberg*, Canadá, EUA e Reino Unido, 2007 («Retrospectiva David Cronenberg») O que João Mário Grilo quis mostrar em «Duas Mulheres»* («o sentido predador das pessoas», pág. 37 do Catálogo), conseguiu-o plenamente Cronenberg neste filme. O meio é o da máfia russa, o cenário, Londres; Viggo Mortensen faz um papel do outro mundo como homem de mão do chefe mafioso, embora seja agente infiltrado, necessariamente dúbio. Nunca se sabe qual a sua verdadeira fidelidade, e o filme, no final, deixa-nos nessa suspensão. Um filmaço.

Eastern Plays, de Kamen Kalev, Bulgária e Suécia, 2009 («Em competição»). Um filme dum certo mal-estar balcânico e pós-comunista, as tensões étnicas entre búlgaros e turcos, uma perspectiva apesar de tudo esperançosa na possibilidade de comunhão, para além das divisões e das crises económicas, políticas e sociais de conjuntura.

terça-feira, novembro 24, 2009

figuras de estilo - Francisco d'Orey

as únicas «felicidade-a-dois» que conheço resultam do encontro de pessoas que já eram felizes antes de se encontrarem.


«Aventura ou desventura»,
Linhas Cruzadas -- Uma Antologia de Contos PT

O Vale do Riff - The Beatles, «Twist & Shout»

segunda-feira, novembro 23, 2009

O meu Estoril Film Festival -- de A a T (5)

Cornish, Abbie - Uma revelação, para mim, em «Bright Star»*. Do melhor que vi este ano. Comparável, só duas Kate Winslet em outros tantos filmes... Abbie Cornish impregna-se de Fanny Brawne, de quem se sabe pouco. Ou será o contrário?


Crash, de David Cronenberg, Canadá / Reino Unido, 1996 («Retrospectiva David Cronenberg»). Só agora vi este filme espantoso. O fetiche que passa os limites, levado às últimas consequências, mostra o pessimismo ontológico de Cronenberg: somos capazes de tudo, se deixarmos os instintos à solta. Isto é, do pior. Eu, pessimista que sou, tento consolar-me pensando que é possível uma perspectiva alternativa: seremos (alguns de nós) também capazes do melhor -- nalguns casos, daquilo que, bem ou mal se designa por "santidade"...

Cronenberg, David - Por detrás deste ar de serial killer, oculta-se o mais simpático dos homens. Pelo menos foi o que me pareceu, ao longe e míope, no auditório do Centro de Congressos do Estoril. (Tenho pena de não ter tomado nota de algumas das suas intervenções para postar aqui, mas não me ocorreu na altura -- e também não quero arriscar a citar de memória).
É curioso: antes desta retrospectiva que lhe foi consagrada, eu tinha a noção de ter visto mais filmes seus do que efectivamente sucedera até aí. Afinal, só conhecia «The Fly» e «A History of Violence» -- superlativos, qualquer um. Aproveitei para me pôr em dia com «Fast Company»*, «Crash»*, «Eastern Promisses»* e «The Spider»*.

O Vale do Riff - Ashley MacIsaac, «Sleepy Maggie»

domingo, novembro 22, 2009

caderninho

Quando se abre um livro recém-encadernado, ele soa como se tivesse reumatismo. Ramón Gómez de la Serna
Greguerías (tradução de Jorge Silva Melo)

acordes diurnos

sábado, novembro 21, 2009

O meu Estoril Film Festival -- de A a T (4)


Candy Mountain, de Robert Frank e Rudy Wurlitzer, EUA, 1988 («CinemART»). Um ciclo dedicado ao suíço-americano Robert Frank, cuja filmografia desconheço. «Candy Mountain» será talvez o menos representativo do realizador, a fazer fé no Catálogo, que o apresenta como «uma incursão do[s] realizador[es] no cinema mais narrativo.» Trata-se, com efeito, de um road movie que conta a história de um músico medíocre lançado na senda de Elmore Silk, um mítico construtor de instrumentos de sonoridade inigualável, uma espécie de Stradivarius da guitarra eléctrica. Refira-se a aparição, em pequenos papéis, de Joe Strummer, Tom Waits e Dr. John.
Competição - Vi dez dos 12 filmes a concurso. De fora, infelizmente, ficaram a co-produção franco-belga «La Famille Wolberg», de Axelle Ropert, e o romeno «Politist Adjectiv», de Corneliu Porumboiu.
Coppola, Francis Ford -
Um grande mestre de extrema afabilidade para um público que enchia o auditório do Centro de Congressos do Estoril para o ver e ouvir. Confiante no futuro do cinema, visionou como um dos futuros possíveis deste uma espécie de arte performativa, em que o realizador exibe o seu filme em cada sessão, que nunca será exactamente igual. Como um concerto dos Rolling Stones: uma estrutura comum e pequenas variações de espectáculo para espectáculo.

acordes diurnos


imagem

músicas grandes - Gabriel Fauré, «Requiem» - I Introïte et Kyrie


Chancel Choir Of First United Methodist Church / Kristen Gossett

sexta-feira, novembro 20, 2009

Antologia Improvável #409 - Rui de Noronha

NO CAIS

Há vibrações metálicas chispando
Nas sossegadas águas da baía.
Gaivotas brancas vão e vêm, bicando
Os peixes numa louca gritaria.

Escurece. Do largo vão chegando
As velas com a farta pescaria.
As bóias põem no mar um choro brando
De luzes a cantar em romaria.

E entretanto no cais as lidas crescem.
Arcos voltaicos súbito amanhecem,
A alumiar guindastes e traineiras...

E ouve-se então, mais forte, mais vibrante,
Os pretos a cantar, noite adiante,
Por entre a bulha e o pó das carvoeiras...


Sonetos / No Reino de Caliban III
(edição de Manuel Ferreira)

O Vale do Riff - John Lewis, «Django»

quinta-feira, novembro 19, 2009

O meu Estoril Film Festival -- de A a T (3)

Breyner, Nicolau - Um pequeno papel em «Duas Mulheres»*, de João Mário Grilo; um grande actor de cinema.



Bright Star, de Jane Campion, Reino Unido, Austrália, França, 2009 («Fora de competição»). Um filme belíssimo da realizadora de «O Piano», a propósito da paixão de John Keats, um dos grandes poetas românticos ingleses, e Fanny Brawne. Reconstituição de época magnífica, como só os britânicos; dois actores fantásticos: Ben Whishaw e Abbie Cornish*. Academismo, dirão alguns. Oh, duvido!...

Byrne, David -- Quando, há trinta anos, eu comprava More Songs About Buildings And Food e Fear Of Music, dos Talking Heads, estava longe de imaginar que um dia viria a estar no cinema com o David Byrne, no Estoril, a ouvi-lo gargalhar. E ele gargalhou muito, em especial no filme que viria a ganhar a competição*. Eu também me ri, mas já não achei tanta piada ao veredicto do júri.

O Vale do Riff - Mel Tormé, «April Showers»

quarta-feira, novembro 18, 2009

figuras de estilo - Teolinda Gersão

A gente só tem uma vida e portanto só tem uma história. Quando se precisa de contá-la, é porque ela tem um erro, em qualquer parte.


«Uma orelha»,
Histórias de Ver e Andar

O Vale do Riff - Shirley Bassey, «Goldfinger»

terça-feira, novembro 17, 2009

O meu Estoril Film Festival '09 -- de A a T (2)

Autarcas - António Capucho tornou-o possível. Eterna gratidão. Mas não esqueço que o Centro de Congressos do Estoril foi obra de José Luís Judas. Sem este equipamento estaríamos confinados ao Casino, com demasiado néon para o meu gosto.

Beaux Gosses (Les), de Riad Sattouf, França, 2009 («Em competição»). Um filme divertidíssimo sobre os desvarios da adolescência. É mesmo assim: só pensamos naquilo, aos 14 anos... Surpreendente a fluência narrativa para uma primeira obra dum autor de BD. Ou, bem vistas as coisas, talvez não...




Binoche, Juliette - É uma estrela europeia com projecção planetária. O Festival homenageou-a, justamente. É uma grande actriz e uma mulher radiosa. A sua exposição, «Portraits In-Eyes», é interessantíssima. Trata-se de [auto-]retratos seus enquanto personagem, acompanhados cada um do realizador do filme respectivo, e dum texto que lhes é endereçado. A homenagem compreendia um ciclo. Vi dois filmes: «Rendez-vous»* e «Les Amants du Pont-Neuf»*.

O Vale do Riff - Sam & Dave, «Hold On! I'm A Comin'»

segunda-feira, novembro 16, 2009

caderninho

Uma floresta, uma catarata, um furacão são coisas grandes, formidáveis -- mas maior que tudo isso é uma alma. Bourbon e Meneses
Novos Solilóquios Espirituais

O Vale do Riff - Frank Zappa, «Hot Plate Heaven At The Green Hotel»

domingo, novembro 15, 2009

O meu Estoril Film Festival '09 -- de A a T (1)

Alumbramiento - curta-metragem de Victor Erice*, Espanha, 2002 («Cineastas raros»). O nascimento duma criança vem alterar a rotina dos trabalhos e dos dias no campo, nos idos de 1940. Um deslumbramento. Num texto de 1996, inserto no catálogo do EEF (p. 128), Erice fala-nos de «Cinema e Poesia», quando esta surge no grande ecrã, sem que a esperemos: «Nesses momentos de epifania, o cinema liberta-se do seu excesso de competências e servidões, escapa gloriosamente ao romance (à narração), ao teatro (à representação), ao jornalismo (à actualidade) para dar um passo mais além e retornar às origens do tempo. Ou o que é a mesma coisa: o olho que vê, vida que vive, revelação.» Vejam isto mesmo; está todo aqui:



Amants du Pont-Neuf (Les), de Leos Carax, França, 1991 («Homenagem Juliette Binoche»). Juliette Binoche*, luminosa, contracena com o fantástico Denis Lavant. Inesquecíveis as cenas iniciais da recolha dos clochards das ruas para o carro das autoridades sanitárias, como se fossem cães vadios. Um filme feérico no retratar da miséria mais extrema: a solidão da rua.


Audiard, Jacques -- veio encerrar o EEF com um filme de arromba, «Un Profhète»*. Um debate curioso com a assistência, perguntas formuladas principalmente por compatriotas seus, levou-o a reflectir em voz alta sobre a sua condição de cineasta e o papel da violência nos filmes que realizou.

acordes diurnos

acordes nocturnos

sábado, novembro 14, 2009

Sete presos sarauís

Não basta celebrar o derrube do Muro. Há que continuar a lutar contra a tirania e os poderes ilegítimos. Sobre os sete sarauís presos políticos em Marrocos, ler aqui.

sexta-feira, novembro 13, 2009

quinta-feira, novembro 12, 2009

O Vale do Riff - Mudhoney, «Sweet Young Thing» / «Chain That Door»

los odiantes se roen a sí mismos / y se mueren de metástasis de odios
Mario Benedetti

quarta-feira, novembro 11, 2009

O Vale do Riff - King Django, «Hey Bartender»

A mim o sol nascer todos os dias / punha-me o infinito na palma da mão.
João Camilo

segunda-feira, novembro 09, 2009

Recordando Manuel Joaquim de Sousa, a propósito dos 20 anos da queda do Muro de Berlim

Há vinte anos, a queda do Muro de Berlim -- o muro da vergonha, lembram-se? -- representou o fim do maior embuste do século XX: sociedades reprimidas e policiadas, em nome da liberdade e da justiça; imperialismo de rapina, em nome do internacionalismo e da amizade dos povos; belicismo, em nome da Paz (com maiúscula e tudo); castas privilegiadas (dum lado os apparatchiks; do outro, a generalidade da população), em nome da igualdade. Era assim que queriam combater o capitalismo.
Como dizia o velho anarquista Manuel Joaquim de Sousa, polemicando com Bento Gonçalves, o PCP queria substituir uma ditadura (o salazarismo nascente) por outra, ainda mais cruel e mais estúpida.

sábado, novembro 07, 2009

Antologia Improvável #408 - Bernardo de Passos (3)

A LAMA E O REI

Disse a lama do chão, que os vis esgotos somem,
para um rei que a pisava, esplendente de fama:
-- Quando te pisarei, um dia, feita homem?
Quando serei eu rei? Quando serás tu lama?


Refúgio / Obra Poética
(edição de Joaquim Magalhães)

quinta-feira, novembro 05, 2009

caracteres móveis - Octave Mirbeau

Esqueço como que por milagre todos os meus rancores, todos os meus ódios, toda as minhas revoltas, e só experimento para com as pessoas que me falam humanamente sentimentos de abnegação e amor, embora saiba, por experiência própria que só as pessoas infelizes colocam o sofrimentos dos humildes em pé de igualdade com o seu e que há sempre insolência e distância na bondade dos felizes...



Diário de uma Criada de Quarto
(tradução de Adelino dos Santos Rodrigues)
imagem daqui

O Vale do Riff - Redd Kross, «Lady In The Front Row»

quarta-feira, novembro 04, 2009

obrigado, pessoal :)

Em 2007, uns quantos rapazes e raparigas invadiram uma propriedade privada que produzia milho transgénico, destruindo simbolicamente uma pequena área de cultivo. De repente, a nossa letargia bovina, a nossa passividade de cobaias foi despertada por essa acção terrorista e perigosíssima. O Estado quer levá-los a julgamento. Eu acho que devemos agradecer-lhes.
Ler aqui; petição aqui.

caderninho

Aquele que é amigo, é-o em todo o tempo; torna-se um irmão no tempo da desgraça. Colecção Salomónica
«Provérbios», Bíblia Sagrada (Missionários Capuchinhos)

O Vale do Riff - Jimi Hendrix, «Hey Baby (New Rising Sun)»

porque sim

Jacqueline du Pré
(lembrei-me dela, a propósito dum post da Aust.)

terça-feira, novembro 03, 2009

Antologia Improvável #407 - Manuel António Pina

4 DE JULHO DE 1965

segundo fontes geralmente bem
os altos interesses nacionais
foi recebido carinhosamen-
pretende para fins matrimoniais

entre os países membros da otan
as suas provas de doutoramento
sua excelência o presidente da
a conferência do desarmamento

excelentíssimo senhor director
ardilosos amigos do alheio
nosso prezado colaborador
atrasos na entrega do correio

não perca esta excelente ocasião
da santa mare igreja faleceu
resposta em carta à administração
de casa de seus pais desapareceu


Ainda não É o Fim nem o Princípio Calma É Apenas um Pouco Tarde

O Vale do Riff - Herbie Hancock, «Cantaloupe Island»

O Vale do Riff - Jack Teagarden, «Lover»

segunda-feira, novembro 02, 2009

Figuras de estilo - Vergílio Ferreira

Escrevo fundamentalmente porque a escrita me realiza, como a outros uma ocupação, mas sobretudo porque a escrita me dá acesso ao mundo do encantamento, do milagre, da verdade mais perfeita da vida.


Conta-Corrente I

domingo, novembro 01, 2009

Il faut se taire

Vi ontem «Les Chansons d'Amour», de Christophe Honoré. O filme interessou-me pouco, ao contrário da banda sonora, de Alex Beaupin, justamente premiada com um César. Do caraças. Fica aqui uma das canções.