domingo, fevereiro 28, 2010

caderninho

Sublime e gloriosa é a sedução quando alcança todo o seu esplendor num céu carregado de nuvens. David Mourão-Ferreira
Jogo de Espelhos

cartoon

William Hannah & Joseph Barbera, «Flirty Birdy» (1945)

sábado, fevereiro 27, 2010

Antologia Improvável #422 - João Abel

APONTAMENTO

curvada ao peso
ao peso brutal
dos blocos de pedra
e os olhos no chão
os olhos na terra
anda na obra
levando o cimento
a pedra e a cal
ao mestre pedreiro
e curvada ao peso
ao peso da vida
de lágrimas secas
e sangue sem vida
traz o seu filho
preso nos panos
dobrados nas costas
nas costas curvadas
ao peso brutal
do cimento e da areia
que leva cantando
ao mestre pedreiro

Bom Dia / No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

figuras de estilo - Eduardo Lourenço

Aberto com a fuga da família real para o Brasil, o século liberal termina com a liquidação física, se não moral, de uma monarquia a quem se fazia pagar, sobretudo, uma fragilidade nacional que era obra da nação inteira.


O Labirinto da Saudade

O Vale do Riff - Skarface, «Blue Mood»

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Presos políticos em Cuba - Petição

À Embaixada de Cuba em Portugal
Nós, cidadãos de um país que conquistou a sua liberdade há 36 anos, solidários com a resistência a todas as formas de imperialismo, críticos do bloqueio injusto e injustificável a Cuba por parte dos Estados Unidos da América, vimos através deste abaixo-assinado protestar contra morte do activista Orlando Zapata Tamayo depois de uma pena de prisão absurda e de uma greve de fome pelos seus direitos civis. E, através deste protesto, manifestar a nossa solidariedade empenhada para com todos os presos políticos cubanos e para com todos aqueles que em Cuba lutam por valores que, para quem, como os portugueses, viveu meio século de ditadura, são bens preciosos: a democracia, a liberdade e o direito a autodeterminação dos povos e dos indivíduos. Não há verdadeira independência de um povo sem democracia. Não há revolução que valha a pena sem liberdade.

(incon)sequências, (ex)citações

Camilo Castelo Branco -- Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há-de fazer dó. Amor de Perdição (1862)
Júlio Dinis -- Era nos extremos do Minho e onde esta risonha e feracíssima província começa já a ressentir-se, senão ainda nos vales e planuras, nos visos dos outeiros pelo menos, da vizinhança de sua irmã, a alpestre e severa Trás-os-Montes. A Morgadinha dos Canaviais (1868)
Eça de Queirós -- À direita do vapor, negro, de perfil, erguia-se o Cabo, de linhas precisas e nítidas, e a decoração admirável da noite assentava silenciosamente em redor. O Egipto (1869/1926)

O Vale do Riff - King Crimson, «Eyes Wide Open»

Orlando Zapata

Confesso que sempre achei alguma piada ao Fidel Castro, não consigo evitar. Aquela aura revolucionária, a ascendência galega, o ter dado um valente pontapé no traseiro do Fulgêncio Baptista e dos mafiosos que haviam transformado Havana numa gigantesca casa de putas, a diferença em relação às caricaturais repúblicas das bananas vizinhas de Cuba. Mas convém lembrar que aquilo é uma ditadura feroz, sem garbo nem romantismo que lhe valha. À indignidade duma ditadura proxeneta, Castro contrapôs a indignidade duma sociedade policiada e concentracionária. Ontem morreu Orlando Zapata, na sequência duma prolongada greve da fome (85 dias). Um operário dissidente cujo delito foi o de discordar do regime, manifestando essa discordância, o que, como sabemos, é um crime nefando e contra-revolucionário.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

caderninho

O amor à vida provirá do medo da morte? E o medo da morte provirá de ignorarmos a vida? Emílio Costa
Filosofia Caseira

O Vale do Riff - Paul McCartney & Lulu, «Party»

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Antologia Improvável #421 - Martins Fontes (8)

ESPELHADO EM TEUS OLHOS

Quando no espelho me contemplo, a frio,
Notando o ultraje que produz a idade,
Sou como quem suporta, ao desafio,
A afronta iníqua da fatalidade.

Mas se em teus olhos, cheios de bondade,
Me revejo, ante a análise, sorrio;
Volvo ao fulgor da antiga mocidade,
Em subitâneo e alegre desvario!

Espelhado em teus olhos, estremeço!
Aos teus olhos, feliz, rejuvenesço,
Revibrando de espanto e de alvoroço!

Porque sempre que os beijo e os interpelo,
Por sua refracção, me torno belo,
E pelo teu amor me sinto moço!

Sol das Almas

O Vale do Riff - Albert King, «The Sky Is Crying»

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

caracteres móveis - Simone de Beauvoir

Não é por vão escrúpulo de idealista que o antifascista hesita em se tornar fascista contra os fascistas, ou o pacifista em se tornar guerreiro contra o guerreiro: para que serviria lutar se se abolissem nessa luta todas as razões pelas quais se escolheu lutar? [...] é absurdo, por respeito pelos valores que se deseja fazer triunfar, garantir-lhes a derrota; mas não é menos absurdo renegar uma ideia sob o pretexto de lhe garantir a eficácia. É a isso que se decide frequentemente o político, mas é também isso que dá à política o seu carácter incoerente e decepcionante.


O Existencialismo e a Sabedoria das Nações
(tradução de Mário Matos)

O Vale do Riff- Hank Crawford, «Don't Cry Baby»

domingo, fevereiro 21, 2010

dos livros da minha vida

Servidão, de Assis Esperança (1946)
Abriu os olhos estremunhada. A necessidade, feita hábito, de acordar cedo, perdera-a, ela, logo nos primeiros dias da sua adaptação aos horários e empecilhos daquela casa. Nessa manhã, porém, fazia dezassete anos. Se vivesse ainda com os pais, não haveria na sua expectativa lugar para dúvidas: receberia, prenda única de aniversário, os afagos e as lamurientas falas da mãe, penitente do mal da pobreza: -- «Nem uma blusinha te posso dar, filha!» -- Ali, seria diferente: conheceria como as pessoas ricas tratam quem está a seu cargo.
[na Guimarães & C.ª Editores, Lisboa, s.d. Prémio Ricardo Malheiros de 1946. Servidão é de todos os livros do autor que li -- e li quase todos --, o melhor de Assis Esperança. Acabei por escrever sobre as andanças e desventuras da bela e corajosa Leonor. Também por isso, tornou-se um dos livros da minha vida. Comprei-o em Julho de 1991 ]
Sinais de Fogo, de Jorge de Sena (1979)
Ramon Berenguer de Cabanellas y Puigmal já era célebre, quando, por fusão de duas turmas, passou a ser meu colega no 6.º ano dos liceus. As suas calmas e sonhadoras extravagâncias, o seu ar de senhor de idade, o mistério de adulto de que rodeava a sua figura pequena e atlética, a sua profunda convicção de que, desde o século XII ou XIII, a Espanha devia à sua família o condado de Barcelona, as perguntas absurdas feitas com o ar mais convicto e ingénuo do mundo, com que ele era o terror dos professores inseguros, e o seu famoso sistema filosófico que tudo explicava e o dispensava, «graças ao controle das energias do cérebero», de estudar as lições (salvo em casos de última emergência), tudo isto não fazia dele um ídolo nem um chefe, mas um ente respeitadíssimo, apesar da ironia com que todos o apontavam.
[da edição no Círculo de Leitores, Lisboa, 1989. Outra das grandes narrativas portuguesas do século XX; um romance de formação, e em certa medida autobiográfico, que ficou incompleto e foi publicado postumamente. Compreio-o em Novembro de 1990.]
Tenda dos Milagres, de Jorge Amado (1970)
No amplo território do Pelourinho, homens e mulheres ensinam e estudam. Universidade vasta e vária, se estende e ramifica no Tabuão, nas Portas do Carmo e em Santo António Além-do-Carmo, na Baixa dos Sapateiros, nos mercados, no Maciel, na Lapinha, no Largo da Sé, no Tororó, na Barroquinha, nas Sete Portas e no Rio Vermelho, em todas as partes onde homens e mulheres trabalham os metais e as madeiras, utilizam ervas e raízes, misturam ritmos, passos e sangue; na mistura criaram uma cor e um som, imagem nova, original.
[3.ª edição nas Publicações Europa-América, Mem Martins, 1973. O meu primeiro Jorge Amado, escritor marcante para várias gerações, grande escritor que alguns escolásticos patetas, em Portugal e no Brasil, acham que devem menosprezar -- de tal maneira que correu-se o risco de Amado morrer sem que lhe fosse atribuído o merecidíssimo Prémio Camões, o que não sucedeu graças aos membros portugueses do júri desse ano, honra lhes seja. Pedro Archanjo, protagonista do romance é uma esplêndida criação do autor d'Os Capitães da Areia, e é também um dos meus heróis da ficção ("Venha, meu bom", dizia ele, mestre de capoeira, em ar de irónico desafio a quem o antagonizava.) Comprei-o em Abril de 1982.]

acordes nocturnos

sábado, fevereiro 20, 2010

outros tons - Manuel Paulo & Nancy Vieira, «Ilha dos outros»

eu também amo o Fernando Nobre, como todo o nosso Portugal, mas

obviamente voto em Alegre. Se dúvidas houvesse, depois da desastrada declaração política do Padrão dos Descobrimentos, elas dissipar-se-iam. As boas intenções de Nobre não resistem ao duro confronto com a realidade; não porque muitas delas não sejam desejáveis, mas porque é o próprio sistema constitucional que inviabilizam um presidente como ele se propõe ser.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

O Vale do Riff - Lee Morgan,«I Remember Britt»

caderninho

São necessárias maiores virtudes para suportar a boa fortuna do que a má. La Rochefoucauld
Máximas (Cristina Proença)

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Antologia Improvável #420 - Gonçalves Crespo

O COVEIRO

A Alberto Braga

Ele entrou cabisbaixo e silencioso
Na imunda tasca e foi sentar-se a um canto;
Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.

Ele era o mais antigo e o mais ruidoso
Dos fregueses da casa; ao obsceno canto
Ninguém prestava mais lascivo encanto
Ao som magoado de um violão choroso.

Mas o velho sentara-se distante
Da alegre turba, a vista lacrimante
Mergulhada nas chamas do brasido...

Disse um da roda: «espanta-me o coveiro!»
-- Morreu-lhe há pouco a filha... distraído
Volveu da bisca um contumaz parceiro.


Nocturnos

O Vale do Riff - Jethro Tull, «My Sunday Feeling»

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Figuras de estilo - Olavo Bilac

O vulgo não perdoa nem suporta facilmente superioridades intelectuais ou morais. Quando um homem se realça sobre o comum dos mais, logo nasce contra ele, entre os aplausos, um sentimento hostil, que, se não é de inveja, é ao menos de instintivo despeito e e vaga irritação.


Bocage (conferência, 1917)

O Vale do Riff - Mark Lanegan, «Wedding Dress»

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

domingo, fevereiro 14, 2010

dos livros da minha vida

O que Diz Molero, de Dinis Machado (1977)
«Teve uma infância estranha», disse Austin. «Em última análise, todas as infâncias o são», disse Mister DeLuxe. «Molero diz», disse Austin, «que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que o transportava e, muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, asa tenra batendo à chuva.»
[Da 7.ª edição, na Livraria Bertrand, Venda Nova, 1978. Recriação poética dum passado que me era familiar já então: a memória duma certa Lisboa popular e boémia; as referências do cinema e dos comics americanos, veiculadas pelo meu pai, também ele alfacinha e, nascido em 1931, pertencente à mesma geração de Dinis Machado, que era de 30. Deu-mo a minha mãe, em Junho de 1983.]

A Selva, de Ferreira de Castro (1930)
Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H.J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na «Flor da Amazónia» mais rabioso do que nunca.
[Da 32.ª edição, na Guimarães & C.ª, Lisboa, 1980. Um dos maiores romances da literaturan portuguesa. Li-o por esta data, nos meus 16/17 anos, oferecido pelo meu pai. Desde então, reli-o várias vezes, por prazer e por obrigação, sempre com renovado prazer, tal é o poder encantatório da escrita de Castro e a realidade que ela nos dá, mais intensa que qualquer ficção.]
Seara de Vento, de Manuel da Fonseca (1958)
Rumurosa, às sacudidelas, bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado corre contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escuro do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado.
[Da 2.ª edição, na Portugália Editora, Lisboa, 1962. O Manuel da Fonseca é o meu escritor preferido da chamada geração neo-realista. Este romance é prosa de que emana uma épica que é uma estética, e também uma ética. Surripiei o livro ao meu pai, e fui certo dia no encalço do autor, para mo autografar.]

caderninho

A satisfação protege do resfriamento. Alguma vez se constipou que se soubesse bem vestida? -- Nem ainda no caso de dificilmente estar vestida. Nietzsche
Crepúsculo dos Ídolos (tradução de Artur Morão)

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

obrigado

Há na História momentos formidáveis, que irrompem na quase imutável longa duração sobre a qual ela se desenrola. Em 45 anos de vida, testemunhei a caminhada humana na Lua, o 25 de Abril e o fim do último império colonial do Ocidente, a ascensão do nunca assaz louvado Gorbachev e a derrocada do Muro de Berlim, o fim do apartheid na África do Sul e a emergência de Nelson Mandela, a eleição do retirante Lula à presidência do Brasil e do académico Obama, um mestiço, à dos Estados Unidos. É claro que nada disto se deve a milagres nem apenas à pura individualidade de excepção que representa(ra)m Gorbachev, Mandela, Lula e Obama, mas, em grande parte, às conjunturas específicas em que cada um operou.
Mandela aí está, do altos dos seus 91 anos, como uma grandeza que só terá tido paralelo, no nosso tempo (?) em Gandhi.
Para um pessimista como eu, é consolador poder não desesperar completamente da natureza humana.

Mandela

liberdade de expressão

Todo o Poder tenta condicionar a liberdade de expressão.
A liberdade de expressão, no pós-25 de Abril, foi condicionadíssima: durante o prec, nos governos de Mário Soares, nos governos de Cavaco Silva.
Creio que foi António Guterres o primeiro-ministro que melhor cuidou da liberdade de expressão.
São ou sentem-se condicionados na liberdade de expressão aqueles que têm agendas próprias. E os que têm telhados de vidro.
Em Portugal, hoje, a liberdade de expressão não é condicionável.
A liberdade de expressão é demasiado importante para servir de pretexto a táctica de politicalha.
Todos devemos estar vigilantes em defesa da liberdade de expressão.

imaginem

Se Rangel já era insuportável à frente da bancada do PSD; se Rangel conseguiu ser impossível num punhado de semanas do Parlamento Europeu -- imaginem Rangel presidente do PSD, líder da oposição, imaginem-no primeiro-ministro!

O Vale do Riff - Nancy Sinatra, «These Boots Are Made For Walking»

Antologia Improvável #419 - Alberto de Lacerda (7)

MANDIMBA METÓNIA VILA CABRAL

Infância triste mas encantada
Em casas grandes muito sombrias
Outras crianças não as havia
Os meus amigos? Dois grandes gatos
A luz o vento a água a água

Se alguém tocava velho e roufenho
O gramofone de manivela
Eu perturbava-me e a quem me via
Com lágrimas que não entendia

Havia festas de vez em quando
Eram janelas do paraíso
Lembro os adultos Como eram estranhos
Como eram estranhos e imprevistos

Como eu sentia que não sei onde
Um outro reino de festa e luz
Inteiramente me pertencia
E só de longe naquelas casas
Naquela gente que me era fria
Muito por alto se reflectia

Vila Cabral, 22-2-63


Exílio / No Reino de Caniban III
(edição de Manuel Ferreira)
imagem

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Figuras de estilo - Carlos Malheiro Dias

O regime marcial a que os conquistadores sujeitaram Lisboa, acordando-a todas as madrugadas a tiro de canhão e o rufo de tambor, despertara-a da sua modorra de beata, acabara por transfigurar em praça de guerra a cidade dos lausperenes e viáticos, das procissões e das novenas. Ainda tangiam quase permanentemente os sinos da Sé, igrejas e conventos. Mas ao bimbalhar dos sinos associavam-se, como, como vozes duma sinfonia guerreira, o rufar frenético das caixas, a gritaria exasperada dos clarins, pondo remoques militares nas velhas árias religiosas dos carrilhões.


Paixão de Maria do Céu

O Vale do Riff - Art Farmer, «Sometime Ago»

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

domingo, fevereiro 07, 2010

dos livros da minha vida

A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis (1868).
Ao cair de uma tarde de Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera, subiam dois viandantes a costa de um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem.
[na Livraria Civilização, Porto, 1987. Júlio Dinis, estupidamente menosprezado, é um autor central do romance português do século XIX. Comprei-o em Junho de 1989.]


Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (1983).
A PRIMEIRA OPERAÇÃO
Dou caça aos inimigos e os extermino
E não volto sem que os tenha aniquilado
De tal forma os aniquilo e despedaço que não mais se levantam
..................................................................................................................
Gritam por socorro mas não há quem os salve
Eu os trituro como ao pó da terra.
BÍBLIA, CÂNTICO DE DAVID
1. Um comando não tem fome nem tem sede...
Finalmente veio a ordem desejada, murmurada no passa-palavra, da frente para a retagurada da companhia de comandos:
-- Parar para almoçar, meia hora, a última equipa monta segurança.
[na Livraria Bertrand, Amadora, 1983. Nunca a guerra me tinha surgido tão de perto. Um livro admirável, um livro para a História. Deu-mo a minha mãe, em Junho de 1983.]

Para Sempre, de Vergílio Ferreira (1983)
Para sempre. Aqui estou. É uma tarde de verão, está quente. Tarde de Agosto. Olho-a em volta, na sufocação do calor, na posse final do meu destino. E uma comoção abrupta -- sê calmo. Na aprendizagem serena do silêncio. Nada mais terás de aprender? Nada mais. Tu, e a vida que em ti foi acontecendo. E a que foi acontecendo aos outros. É a História que se diz? Abro a porta do quintal. É um portão desconjuntado, as dobradiças a despegarem-se. Há muito tempo já que aqui não vinhas. Sandra era da cidade, gostava da capital, detestava a vida da aldeia. Lá ficou.
[da 11.ª edição, na Bertrand Editora, Venda Nova, 1998. O culminar dum percurso literário de décadas. Nos dois sentidos: é um dos seus últimos livros; mas, principalmente, é uma narrativa brilhante, de quem já muito havia escrito e que atinge a sua própria perfeição. Comprei-o em Setembro de 2001.]

sábado, fevereiro 06, 2010

caderninho

Um bom autor nota muitas vezes que a expressão que há tanto tempo procurava sem a encontrar e que por fim achou, era afinal a mais simples, a mais natural, e que primeiro devia-lhe ter ocorrido sem esforço. La Bruyère
Os Caracteres (tradução de João de Barros)

O Vale do Riff - Cool Wise Men, «Lion Dance»

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Antologia Improvável #418 - Bernardo de Passos (4)

Vi um mendigo a chorar
à porta de um desgraçado.
Ambos se viram e julgaram
Um ao outro afortunado...


Obra Poética
(edição de Joaquim Magalhães)

O Vale do Riff - Roy Eldridge, «Perdido»

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

figuras de estilo - Abel Botelho

O patriotismo é uma das muitas e habilidosas formas de opressão que, para impunemente nos esmagarem, têm inventado os ricos e poderosos. Durante séculos, vocês sabem, o seu meio de dominação foi outro: foi a a religião. Quanto tempo as classes privilegiadas não exploraram e cavalgaram a seu bel-prazer o povo, ameaçando-o, fanatizado e embrutecido, com o temor dum Deus de açougue, vingativo, cruel... com os tétricos horrores das penas do inferno! E, depois, quando essa formidável criação de hipocrisia e de embuste caiu, quando o espectro religioso se esvaiu na sombra e o poder de Roma se afundou no ridículo, substituíram-no então pela ideia de pátria.


Amanhã
(retrato por Columbano)

O Vale do Riff - Albert Collins, «Lights Are On But Nobody's Home»

terça-feira, fevereiro 02, 2010

quem sabe se a vida é feia / por não haver quem a ame!
Augusto Ricardo

O Vale do Riff - Genesis, «Firth Of Fifth»


segunda-feira, fevereiro 01, 2010

caderninho

ABSURDO, n. Uma afirmação ou convicção manifestamente contrária à nossa opinião. Ambrose Bierce
Dicionário do Diabo (tradução de Rui Lopes)

O Vale do Riff - Peter Bruntnell, «False Start»