sexta-feira, abril 26, 2024

150 portugueses: 41-45

41. Leopoldo de Almeida (1898-1975). Escultor modernista, dos maiores da arte portuguesa, é sua a extraordinária estatuária do Padrão dos Descobrimentos. Pai da artista plástica Helena Almeida.

42. D. Manuel I (1469-1521). Apesar de neto de D. Duarte e irmão da rainha D. Leonor, teve a ventura de o trono lhe cair no colo, sem saber ler nem escrever. É o rei da nossa idade de ouro (Gama, Cabral, Albuquerque, Gil Vicente, Camões...), coligiu e renovou a  legislação nas Ordenações Manuelinas, criador e confirmador de concelhos. Deu nome a um peculiar gótico tardio, o «manuelino». O Mosteiro do Jerónimos é, no fundo, o seu jazigo...

43. Nuno Gonçalves (1420/30 - c. 1490). Pintor de que pouco se sabe, não havendo sequer a certeza se terá sido mesmo o autor dos Painéis, o maior tesouro da pintura portuguesa de todos os tempos. 

44. D. Pedro I (1320-1367). Um tresloucado que reinou por uma década, protagonista real de uma das grandes histórias de amor da humanidade, para a qual deu contributos decisivos, v.g. os túmulos, dele e de Inês de Castro, em Alcobaça, conhecida e pasmada em todos os azimutes.

45. Raul Lino (1879-1974). Arquitecto de mão-cheia, não é o criador da chamada casa portuguesa, sendo contudo seu teorizador e prático, e à qual o seu nome ficou ligado.

2 versos de Manuel Bandeira

«Gosto de samba e de fado, / Portugal, meu avozinho» Berimbau e Outros Poemas  (antologia por Elias José)

quinta-feira, abril 25, 2024

José Afonso e Ferreira de Castro sobre o 25 de Abril

Sempre!


 

4 versos de José Afonso

«Trovas e cantigas muito belas / Afina a garganta meu cantor / Quando a luz se apaga nas janelas / Perde a estrela d'alva o seu fulgor» José Afonso (coord. José Viale Moutinho, 1972)

quarta-feira, abril 24, 2024

José Afonso, «Os Vampiros»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

 «A biblioteca / é uma concha de silêncio.» Nascente da Sede (2000)

terça-feira, abril 23, 2024

Francisco Fanhais, «Porque»

caracteres móveis - Ferreira de Castro (1898-1974)

«Com os rebanhos, idos do sertão do Nordeste, demandavam a selva exuberante todos os aventureiros que buscam pepitas de oiro ao longo dos caminhos do mundo.» A Selva (1930) 

«Era um sonho denso, uma ambição profunda que cavava nas almas, desde a infância à velhice.» Emigrantes (1928) 

«O "Avelona Star" cruzava-se com outro navio do mesmo armador e os seus silvos trouxeram Juvenal à vida do momento.» Eternidade (1933)

2 versos de Luísa Dacosta

«Como quem procura conchas à beira do mar, / escolho as palavras para te dizer.» A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

caracteres móveis - Eça de Queirós (1845-1900)

«Naquele tempo o rio ia muito vazio; pedaços de areia reluziam em seco; e a água baixa arrastava-se com um marulho brando, toda enrugada do roçar dos seixos.» O Crime do Padre Amaro (1875/1880) 

«Num camarote, vestida de cor lilás, com o cabelo enchumaçado em capacete, estava a viscondessa dos Rosários, branca e gorda, cuja virtude escandalizava Lisboa, a ponto de se gritar dela com impaciência e cólera: que estúpida, que estúpida, Santo Deus!» A Tragédia da Rua das Flores (1877-78/1980)

«Procurava a rima já interessado, quando um sujeito baixote e bochechudo, de bonezinho escocês, apareceu à grade da estação, com uma chapeleira de papelão azul, a galhofar com duas raparigas que o seguiam, oferecendo-lhe ovos moles ou mexilhões, para ele levar para Lisboa.» A Capital! (1875-76/1925)

segunda-feira, abril 22, 2024

ucraniana CCXXXVII - nem com farinha Maizena


Disse o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, em tom paternalista, que  não nos devemos deixar intimidar pelo Kremlin, saudando a primeira fase dos milhões aparentemente desbloqueados, com que a Ucrânia irá comprar mais armamento aos americanos para se suicidar nas nossas barbas e com a ajuda moral do Ocidente. Regime extraordinário o de Zelensky: com ele, os ucranianos endividam-se para se matarem. É trágico. 

Depois de Cravinho, só me faltava Rangel. Eu tenho muito mais medo do Pentágono e da CIA, porque estão mais perto dos mansos úteis aqui do rectângulo, para não falar nas adjacências. O que Rangel representa, como de resto Cravinho, é apenas a nossa rendição aos ditames de terceiros, preparando-nos para os gastos, e, como um azar nunca vem só, sabe-se lá o que mais. 

Nada a que não estejamos habituados, de resto: vai fazer agora 50 anos que terminava o morticínio colonial, mancebos arrebanhados à má-fila em todas as Berças deste país, para que suas bandalhas incelências, no governo da nação, pudessem, "Portugal, do Minho a Timor", bolsar mentirolas indecorosas.

[Já agora, a crónica de Viriato Soromenho Marques, como sempre, no Diário de Notícias«A herança traída de Immanuel Kant», serviço público.]

2 versos de Antero Abreu

«E é sobre tudo o silêncio das coisas / O triste silêncio das coisas silenciosamente tristes» Poesia Intermitente (1987)

Duke Ellington, «Just A-Sittin' and A-Rockin'»

sábado, abril 20, 2024

2 versos de Alberto de Lacerda

 «tudo me pertence como a flor / pertence ao perfume adormecido» 77 Poemas (1955)

sexta-feira, abril 19, 2024

quinta-feira, abril 18, 2024

150 portugueses: 36-40

36. Domingos Sequeira (1768-1837). Pintor de transições: de estilos (do neoclassicismo para o romantismo) e de regimes (do absolutismo para o liberalismo, com as Invasões Francesas pelo meio). A pintura doméstica, os retratos familiares -- esplêndido.

37. D. Fernando II (1816-1885). O grande rei consorte, extraordinário na atenção ao património histórico e à arte do seu tempo. Com ele, Portugal ficou menos pobre.

38. Gaspar Corte-Real (c. 1450-1501). O destemor do desconhecido -- ou a coragem de vencer o temor... -- e a condição trágica de uma família desaparecida quase toda nos mares do Atlântico Norte.

39. Henrique Pousão (1859-1884). Único na nossa pintura, país com demasiados génios artísticos precoces na morte: Cesário (seu contemporâneo), António Nobre, Amadeu, António Fragoso, Mário Botas

40. D. João II (1455-1495). Uma das figuras-chave dos Descobrimentos e, principalmente, da expansão; centralizador do poder régio; herdeiro e vingador do avô, D. Pedro, o regente que fora o Infante das Sete Partidas.

3 versos de Fernando Assis Pacheco

«acho tudo belo a Primavera no fim as árvores da praça / adormeceria aqui sentado / repleto com a minha meia idade atordoante»  Siquer Este Refúgio (1976)

quarta-feira, abril 17, 2024

Bob Marley & The Wailers, «Could You Be Loved»

4 versos de Rui Knopfli

«Tudo entre nós foi dito, / olhamos o apodrecer do parque, / o vento, o crepitar leve das folhas / e, sem ressentimentos, dizemos adeus.»  O País dos Outros (1959)

terça-feira, abril 16, 2024

Bob Seger, «Leanin' on My Dream»

2 versos de Sebastião da Gama

«Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado / antes do Sol, não duvidava agora).»  Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

segunda-feira, abril 15, 2024

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4 versos de José Régio

«Sonhei que ela me espera, adormecida / Desde o começo da vida, / Nua, deitada sobre as tranças de oiro, / Guardada para mim como um tesoiro.» As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, abril 14, 2024

o lugar dos mitos


Napoleão Bonaparte é uma das poucas personagens de carne e osso que encontra lugar junto dos mitos, de Aquiles ou de Ulisses, ou se quiserem, que poderiam ser heróis da DEC ou da Marvel. Ele, Alexandre o Grande, Júlio César, Carlos Magno, Rodrigo Díaz de Bivar -- El Cid, Afonso de Albuquerque, Francis Drake...  
Incomensurável, megalómano e meteórico, a sua medida é de outra natureza, espécie de herói da DC ou da Marvel no nosso imaginário. É por isso despropositado, creio eu, pedir um quimérico rigor histórico a um filme de Hollywood. É o Napoleão de Ridley Scott e David Scarpa, e será por aí que teremos de o avaliar. 
Vi-o a medo em Novembro, com o «Gladiador» na memória, de que não gostara. Não sendo um filme inesquecível, tem dois desempenhos esplêndidos (Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby) e grandes e boas cenas de batalha, das que ficam e põem o filme à beira do filmaço.

3 versos de Alexandre O'Neill

«Se eu não estivesse a dormir / perguntaria aos poetas / A que horas desejam que vos acorde?»  Tempo de Fantasmas (1951) 

sábado, abril 13, 2024

caracteres móveis

«Certa noite, eu erguera-me cauteloso, saíra sem ser ouvido, ia ter com a puta Adelaide que morava no Termo, o outro extremo da aldeia, eu morava no Cabo, que era o oposto.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983) / «Depois, na madrugada clara, recobrada a lucidez e acalmada a febre, a confiança renascera ao saudar a velha amiga, toda gloriosa e soberana na poeira de oiro das suas ruinas.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) / «Num e noutro ponto deparavam-se-lhe já algumas casas de tectos de colmo, de cujas inúmeras fendas saía um fumo espesso, que a atmosfera húmida mal deixava elevar nos ares.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «As areias que sopram do futuro».

«California»

4 versos de Cesário Verde

«Quando, se havia lama no caminho, / Eu te levava ao colo sobre a greda, / E o teu corpo nevado como arminho / Pesava menos que um papel de seda...» O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

sexta-feira, abril 12, 2024

John Coltrane Quartet, «Spiral»

1 verso de Mário de Sá-Carneiro

 «--Onde existo, que não existo em mim?» Dispersão (1914)

curtas

«Cá fora, na rua, estava o senhor Joaquim, o dono do macaco e uma data de gente a que os jornais costumavam chamar "populares".» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)«Ele tirava o chapéu e ela abria a sombrinha sem que se passasse qualquer outra ligação entre eles.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) «Quando voltei ao pátio, o velho espremia as mãos e falou-me como se tivesse as maxilas retesadas.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949)

quinta-feira, abril 11, 2024

150 portugueses: 31-35

31. Salgueiro Maia (1944-1992). O operacional da tomada do poder na Revolução. Idealista e incorruptível, pagou cara a façanha de ser um homem sério num país que não presta. Está nesta lista por todos os militares de Abril.

32. Vasco Gonçalves (1921-2005). O seu nome liga-se a um epifenómeno revolucionário numa país de meias-tintas, bisonho e manhoso: o PREC, também conhecido por gonçalvismo. Um meteoro na História de Portugal, suficientemente incisivo  para lá permanecer.

33. D. Afonso III (1210-1279). Cabeça da oposição ao irmão, destituído pelo papa, Deixou-nos o rectângulo conquistado e um filho chamado Dinis.

34. Bocage (1765-1805). No liceu, foi-me apresentado como um dos poetas do pódio (com Camões e Pessoa). Pré-romântico instável, amoroso fulgurante e fescenino, excessivo e único.

35. D. Carlos I (1863-1908). Um rei "morto como um ladrão a uma esquina de Lisboa" (Raul Brandão). Diplomata, artista, oceanógrafo -- assassinado por uma conspiração em que políticos monárquicos manobraram uns simplórios republicanos exaltados. 

2 versos de Alberto de Lacerda

«O mundo foi alheio e a vida foi comprida / nos seus desenganos de coisa perdida.» 77 Poemas (1955)

quarta-feira, abril 10, 2024

Billie Holiday, «My Man»

7 versos de Fernando Namora

«E na mesma noite    noite boa    noite branca / fumei Estoril    Valetes    Kayakes e bebi Compal / depois da Salus e da Schweppes / fumei quilómetros e quilómetros de prazer / quilómetros e mais quilómetros -- há um Ford no meu futuro -- / mais facturas mais fomes mais prazer / e agora já não sei qual dos cigarros com filtro me soube melhor.» Marketing (1969)

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terça-feira, abril 09, 2024

3 versos de Antero Abreu

«E era o tempo da fraternidade / Porque cada homem se media pelos outros homens / E não pelas coisas que os envolviam.» Poesia Intermitente (1987)

Eugénio Lisboa (1930-2024)

Estive com ele há poucas semanas. Devo-lhe a generosidade de me prefaciar um livro; devo-lhe mais: o exemplo da liberdade de pensar.

Eugénio Lisboa é um ensaísta arguto, culto e informado, e sendo uma autoridade em José Régio e na presença, foi muito mais que isso: alguém que se deixava encantar pelo talento verdadeiro, e pouco atreito a fazer fretes.

Foi também um temível polemista. Temível, porque tinha uma cultura vasta que lhe servia um espírito crítico acerado; e não tinha medo, não andava aqui para agradar, como sucede com tanto patife e tanto invertebrado.

A sua obra de ensaísta claramente ficará -- para os happy few, expressão que gostava de usar. Tenho especial estima por O Objecto Celebrado (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1999), talvez por ser o primeiro que me ofereceu, já eu o admirava há muito. Mas não podemos esquecer o poeta, com grandes momentos, em especial no início, o memorialista e o diarista.

Tenho, há anos, preparada uma antologia de poemas dedicados a Ferreira de Castro, por poetas de várias gerações, começando em João de Barros (1881-1960). No ano passado, num Encontro Castrianos/Regianos, em Vila do Conde, Eugénio Lisboa não pôde estar presente, mas enviou duas óptimas composições, uma sobre José Régio, a outra sobre Ferreira de Castro.

No nosso último encontro, ao fim da manhã de 16 de Março, em S. Pedro do Estoril, dei-lhe nota de que pretendia incluir esse poema na minha antologia, enviando-a depois por mail. A sua resposta, na nossa derradeira conversa, reproduzo-a aqui:

"Caríssimo Ricardo, recebi, li e agradeço a antologia. Tem poemas belos e, toda ela, merece ser retida, até porque reflecte bem a marca de afecto que a obra do escritor suscitou. Para muitos leitores FC ficou como escritor e eterno Amigo. Não é para todos!

Forte abraço do / E.".


Um grande e grato abraço, Eugénio Lisboa!

150 portugueses - 26-30

26. D. João I (1357-1433). De bastardo real, Mestre de Avis, a progenitor da Ínclita Geração e rei que inicia a expansão.

27. D. Luís I (1838-1889). Tradutor (bom) de Shakespeare e mau violoncelista num reinado de normalidade burguesa, guardada estava a catástrofe para o filho.

28. Mafalda de Sabóia (c. 1125 - 1158). Primeira rainha, gerou todos os reis seguintes. É avó de todos nós.

29. Infante D. Pedro (1392-1449). Príncipe ilustrado, o das Sete Partidas, senhor feudal e regente centralizador. Acaba tragicamente, o neto de certa maneira vinga-o.

30. Raposo Tavares (c.1598-c.1659). O mais célebre dos bandeirantes, alentejano que rasgou a fronteira do Brasil para ocidente

segunda-feira, abril 08, 2024

Duke Ellington, «Harlem Air Shaft»

é uma pena

Tenho consideração intelectual por algumas das pessoas ligadas a este projecto, mas, enquanto pai de quatro filhos, avô de um neto, filho de um nonagenário que consigo vive, numa dádiva de amor filial absolutamente natural, tenho pena que uma questão tão importante como a do valor da família esteja submetida a uma perspectiva confessional e ideológica de Direita, misturando alhos com bugalhos. Como se a questão da despenalização do aborto ou a lei da eutanásia estivesse, sequer, a montante... E não fosse a desestruturação provocada pela desregulada sociedade ultracapitalista em que vivemos, que transformou pessoas e cidadãos em consumidores passivos, ignaros, e confusos -- pasto fértil para o trabalho desregulado --, animaizinhos a quem se dá uma panóplia mediática de embrutecimento.

Acho aliás insuportável, como tenho aqui dito tantas vezes, que os patrões dos me(r)dia, que intoxicam a manada com a satisfação dos instintos mais baixos -- reality shows, crime, futebóis, bisbilhotices & outras parvoíces --, sejam os mesmos que preservam as suas famílias (e as suas crianças) do lixo que dejectam na sociedade.  

Podem vir chorar lágrimas de crocodilo, mas quando muitos dos autores que aqui vejo são defensores da mais obscena rapina capitalista, alguns coincidindo com a imposição fanática e intolerante da sua fé -- fé essa que pessoalmente desprezo, quando procura ser imposta aos outros -- faz-me ter pena de não haver, dos lados esquerdo e não-confessional, uma abordagem, sempre crítica, mas que veja a família como a base e o princípio de tudo. Felizes todos os que podem olhar para trás e ter tido a alegria de uma família! 

Ter convidado Passos Coelho, o campeão do troikismo, para fazer a apresentação, fere tudo aquilo de morte. É impossível não olhar para a coisa como uma frente de neocons e beatos. Sem ter lido, posso estar errado, e penitnecio-me; mas pela amostra...

2 versos de Luísa Dacosta

 «Com a noite dos teus olhos / escusava lua e estrelas.» A Maresia e o Sargaço dos Dias (2010)

domingo, abril 07, 2024

Bob Marley, «Pimper's Paradise»

o "logótipo"

Remetamos as coisas às suas dimensões. O logótipo que o actual governo anulou -- e  quanto a mim bem -- não passa disso mesmo: branding. Ou seja: pôr o executivo ao nível so Pingo Doce ou do Novo Banco. Há quem goste. Se não gostar disso é ser-se reaccionário, sê-lo-ei com muito gosto; se é ser patriota, idem. Pobre país em que a esfera armilar, o escudo, os castelos, as quinas (e já agora as cinco chagas de Cristo, que Leitão Amaro, certamente por pudor, não mencionou), é visto, como sucede com Pacheco Pereira, particularmente abstruso, como um piscar de olhos ao Chega.


Por mim, podem chamar-me reaccionário, que é para o lado que durmo melhor. Sempre quero ver é quem, no meio de tanto patrioteirismo ou tanta inclusão (a justificação do anterior governo foi a de que o novo símbolo era mais inclusivo); sempre quero ver quem e como defende o país de ser um joguete ao serviço de interesses de terceiros, como está a acontecer na guerra da Ucrânia, Portugal como um mero peão do imperialismo americano e do seu complexo militar-industrial. Aí é que se quer ver quem é quem. 

2 versos de Mário de Sá-Carneiro

 «O que devemos é saltar na bruma, / Correr no azul à busca da beleza.» Dispersão (1914)

caracteres móveis

«A vida não o corrompera nem o vulgarizara a ponto de o fazer quedar indiferente à beleza rara do espectáculo que, embora diàriamente se repetisse, atingia sempre -- até que as chuvas viessem impregnar o céu da sua fealdade -- grandeza e poesia a que nem a alma bronca do soldadito se mantinha alheia.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«E via a cena, via-a com toda a nitidez: ele, ao leme, ela sentada em frente, temerosa, receando que a vela se desprendesse e a arrojasse ao mar; logo, excitada, os seus belos olhos sorrindo pela distracção que, de imprevisto, se lhe oferecia.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Olhou para o casarão engolido no escuro da quinta, apenas visível pela esteira de luz que vinha do quarto do avô quebrar-se na janela da saleta.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

um dos magos da minha infância, o grande Ziraldo (1932-2024)





 

sábado, abril 06, 2024

Joana Amaral Dias, é assim mesmo!

«Queres que o teu filho vá para a guerra da Ucrânia? Queres que a tua filha morra a defender Kiev? E tu? Estás disposto a dar a tua vida sob a batuta de Zelensky? Eu não quero que os meus filhos vão rebentar as entranhas em guerra alguma, mas muito menos nas guerras dos outros. Se alguém entrar por aqui dentro, serei a primeira a levantar-me. Mas cuspir os putos para os açougues dos EUA e para os matadouros de terceiros, não obrigada.» Joana Amaral Dias, «Vai tu» -- aqui

Eva Bernáthová, Karel Ancerl, Concerto para piano #3, de Béla Bartók

3 versos de A. M. Pires Cabral

«Há dias tão descidos ao fundo da furna, / que nem sequer com a minha própria / indulgência posso contar.» Caderneta de Lembranças (2021) 

sexta-feira, abril 05, 2024

Bob Seger, «Teachin' Blues»

2 versos de Cesário Verde

«Grande dama fatal. sempre sozinha, / E com firmeza e música no andar!» O Livro de Cesário Verde (póst. 1887)

curtas

«A notícia correu célere, deu três pancadas nas portas (era assim que corriam as notícias), as putas vieram ver o turista, os chulos quedaram-se, inquietos, a trinta metros, o Franciú pintou os lábios, as gaivotas suspenderam momentaneamente o voo, cristalizadas no ar, e o Pintor aproveitou para fixar na tela o que nunca mais voltaria a acontecer: o homem de preto tirou a harpa do ombro e dedilhou nela sons prateados que deslizaram ao longo da pedra do cais e se espalharam no dorso das ondas, tornando-as mais oleosas.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) «Não foi à escola; ao invés, ainda não teria os doze anos, ganhava o pão que comia como paquete da casa Miranda, a mais fidalga da aldeia, com casa apalaçada e vastos domínios em vinha, horta, olival, mata e lameiro.» A. M. Pires Cabral, «O saco», O Diabo Veio ao Enterro (1984) «Nenhum dos parentes ou amigos que emigrassem, se esquecia de lhes descrever os locais onde cada um trabalhava: granjas com estábulos para centenas de vacas, e mencionar as comodidades e gozos que desfrutavam: casas tão confortáveis que não havia uma sem cortinas nas janelas, e restaurantes e dancings onde uma pessoa se divertia até se esquecer de quem era.» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1938)

quinta-feira, abril 04, 2024

John Coltrane, «Countdown»

150 portugueses: 21-25

21. Camilo Castelo Branco (1825-1890). Ao cabo de quase novecentos anos, a língua é o maior património dos portugueses; ainda mais do que a sua História, real e mitificada, pois o país pode acabar (nada é eterno), mas a literatura, forjada a partir dessa mesma língua, ficará, mesmo depois de a língua morrer também. Por isso são tão (ou mais, quanto a mim) importantes os grandes escritores (em sentido lato) do que os guerreiros e navegadores que construíram Portugal e a ideia dele. E assim sendo, Camilo, porventura o maior do século XIX (junte-se-lhe Garrett, Herculano, João de Deus, Júlio Dinis, Antero, Oliveira Martins, Eça, Cesário, Fialho e Nobre), é uma presença evidente, por muito exígua que esta lista ainda mais fosse.

22. D. Dinis (1261-1325). Poeta, guerreiro, governante, sexto rei de Portugal, e um dos mais amados.

23. D. Fernando (1345-1383). Nono rei de Portugal, um grande monarca com uma política externa desastrosa. A sua consorte, Leonor Teles (de Meneses), é a mulher mais odiada da nossa história.

24. Garcia de Orta (c. 1501 - 1568). Produto dos Descobrimentos e da expansão imperial, cristão-novo, médico, botânico e farmacêutico. Um dos homens do seu tempo, à escala global.

25. Infante D. Henrique (1394-1460). O mítico Navegador, mas homem bastante prático 

3 versos de Fernando Namora

«Está tudo perfeito e deito-me no conforto de um Lusospuma / a ver as procissões a passar   mesmo sem anjos   mesmo sem anjos / que agora são selvagens e voam numa Harley.» Marketing (1969)

quarta-feira, abril 03, 2024

caracteres móveis

«A ninguém confiava o seu segredo, senão às cartas que enviava a Teresa, longas cartas em que folgava o espírito da tarefa da ciência.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Mais adiante passava por eles uma fileira de carros a vergarem sob o peso do mato e atroando os ares com o chiar incómodo das rodas sob o eixo, incómodo para os ouvidos cidadãos de Henrique, cujos nervos se irritavam com ele, mas aparentemente agradabilíssimo para os condutores aldeãos, que ou dormiam ou cantavam com aquele acompanhamento.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«Na vigília dessa noite agitada e febril, a Sé surdira-lhe por vezes em pesadelos macabros, como esfinge enigmática, cerrada no seu mistério, hieróglifo colossal que ele olhava aturdido, sem nada compreender, como se tudo se lhe tivesse varrido da mente.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

2 versos de Antero Abreu

«Era o tempo da rua despovoada / escorria das paredes o musgo do abandono» Poesia Intermitente (1987)

Billie Holiday, «Blue Moon»

terça-feira, abril 02, 2024

serviço público + nova adenda, a propósito do silenciamento de Pezarat Correia

Ontem, de passagem pela RTP3, enquanto na CNN-Portugal se tratava de futebóis, um lado-a-lado a propósito da situação internacional, suponho que espoletado sobre a questão da reintrodução do Serviço Militar Obrigatório. Frente a frente, dois indivíduos cujas opiniões não se distinguem e particularmente impreparados para uma abordagem da situação geopolítica, que é uma outra coisa bastante diferente das relações internacionais e que lhe corre paralela. A Geopolítica elabora sobre o que existe e pré-existe (a Geografia e a História), concomitantemente às tentativas de acerto através do Direito Internacional. Só vi o fim, mas bastou-me para ouvir Henrique Burnay a dizer asneiras e Almeida Sande a diletar. Hoje, na Rádio Observador, a maior anedota que circula no espaço público, vinda da Academia (estou à rasca para me lembrar do nome do sujeito, tive de recorrer a uma mnemónica para dar com ele, de sua graça Bruno Cardoso Reis), e outro sujeito que dá pelo nome de Francisco Pereira Coutinho, e se põe a falar de questões militares (às vezes porque perguntado pelos patetas dos pivôs) sem pescar o mínimo do assunto. Tirando os militares -- muitos deles com formação suplementar na área da História, do Direito, das Relações Internacionais --, muito poucos são os civis que têm competência para tal. Daí não viria mal ao mundo; mas quando 90% do comentariado é constituído por criaturas destas, a informação que temos é errónea, deturpada e incompetente.

Pertenço ao grupo de pessoas que gosta de elogiar e escrever sobre o que lhe agrada; mas o escândalo da incompetência é tal, a que se junta a propaganda e desinformação que sempre existe, que é impossível ficar calado. 

Muito me tenho lembrado de Pezarat Correia, que durante anos comentou questões de geopolítica na televisão e desde que rebentou a guerra na Ucrânia nunca mais o vi. Então não somos uma sociedade liberal, de expressão livre dos diferentes pontos de vista?... Aqui um seu texto.

2 versos de Fernando Assis Pacheco

«Era de noite e eu pensava / não: era de noite uma outra noite mais antiga do que a narrativa deixa subentender» Siquer Este Refúgio (1976)

segunda-feira, abril 01, 2024

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fonte

 

serviço público (+ adenda)

Carlos Matos Gomes , «O Serviço Militar ao serviço de quem?»

Nota: sem dominar minimamente o tema, acredito que haverá vantagens num Serviço Militar (e Serviço Cívico para os objectores de consciência -- bombeiros, protecção civil, guardas florestais, etc.) obrigatórios, para homens e mulheres, na perspectiva de umas "Forças Armadas" de cidadania. Tal pressuporia cidadãos informados e civicamente instruídos, além de políticos cidadãos, em vez destes profissionais da política, preparados para se venderem, e nos venderem, a quem pode comprar.

Também sou pela paz e pelo desarmamento, mas nunca unilateral.

2 versos de Alberto de Lacerda

«Dia fechado e míope como a cidade que tem / a posse do meu corpo, não da alma.»  77 Poemas (1955) 

serviço público

 Carlos Branco, «As palavras e os factos após dois anos de guerra».

domingo, março 31, 2024

3 versos de Alexandre O'Neill

«Deixa ainda / o que a álgebra mais secreta / decidiu a teu favor.» Tempo de Fantasmas (1951)

«Deep End (Paul’s in Pieces)»

150 portugueses: 16-20

16. Sá de Miranda (1481-1558). Poeta renovador, homem de fibra, "de antes quebrar que torcer".

17. Tomé de Sousa (1503-1579). O primeiro governador-geral do Brasil.

18. Vasco da Gama (1469 - 1524). Um dos nomes míticos de Portugal. A realidade tornará tudo mais complexo.

19. D. Afonso II (1185-1223). Terceiro rei de Portugal.

20- Bartolomeu Dias (c. 1450-1500). O navegador que talvez melhor represente a grande história trágico-marítima.

sábado, março 30, 2024

serviço público

5 versos de Fernando Jorge Fabião

«a mesa do poeta / é frágil como os seixos sem idade / é um campo largo / devastado pelas cinzas / de um vulcão extinto.»  Nascente da Sede (2000)

sexta-feira, março 29, 2024

Duke Ellington, «Jack the Bear»

curtas

«A maré transbordava pelas praias, desenhando uma extensa linha branca, que, desde a Capela do Senhor da Pedra, corria, perdendo-se nos areais de Espinho.» Conde de Sabugosa, «A aliança inglesa», De Braço Dado (1894) «E ao outro dia, ainda impressionado, sentou-se à sua carteira com a janela toda aberta, e olhando o prédio fronteiro, onde viviam aqueles cabelos grandes -- começou a aparar vagarosamente a sua pena de rama.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874), Contos (póst., 1902) «Ela quase murcha ia-se consolando pelo olhar vago e longínquo do estudante vestido de negro --, a capa e batina dava-lhe um tom de luto que muito preocupava a tenra Branquinha.» Ruben A., «Branca», Cores (1960)

quinta-feira, março 28, 2024

150 portugueses: 11-15

 

11. Leonor de Avis (1458-1525). Se calhar, a nossa maior rainha consorte.

12. M. Teixeira-Gomes (1860-1941). Um dos maiores escritores. Único chefe de estado que renunciou ao cargo e mandou as elites do país à fava.

13. Nuno Álvares Pereira (1360-1441). Guerreiro e monge, latifundiário e santo.

14. Passos Manuel (1891-1852). Governante liberal, uma das glórias das esquerdas.

16. Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905). Um génio que nos definiu, com o Zé Povinho

Bob Marley & The Wailers, «Zion Train»

caracteres móveis

«As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia.» José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira (1996)

«Sobressaltada e deixando a visita com a chávena entre o pires e o lábio peludo, D. Mariana galgou corredor e salas, angustiada por ruim pressentimento.» Álvaro Guerra, Café República (1982)

«Trazia os olhos baixos, a boca travada de ira.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

quarta-feira, março 27, 2024

quadrinhos

fonte

 

150 portugueses: 6-10

6. Filipe I (1527-1598) - Filho de portuguesa, herdou, pagou e conquistou. Foi rei de Portugal, país de que gostava, e também do que ele tinha para acrescentar ao seu vasto império, onde o Sol nunca se punha. A História conhece-o como Filipe II.

7. Gago Coutinho (1869-1959) - Um almirante que ficou para a história como aviador.

8. Henrique I (1512-1580) - De inquisidor-mor a rei.

9. Inês de Castro (c. 1320/25-1355) - Uma galega tornada no maior mito português.

10. Jaime Cortesão (1884-1960) - Historiador-poeta, o maior do século; médico e homem de armas, pela liberdade.

terça-feira, março 26, 2024

Bob Seger, «Lucifer»

entrar com o pé direito

É de pequenos gestos de civilidade que se constrói todos os dias a comunidade. O convite do PSD a António Filipe para presidir à abertura da sessão legislativa é disso um bom exemplo. O mesmo se diga do convite de António Costa a Marcelo para presidir ao último Conselho de Ministros.

150 portugueses (agora é que é - para blogue futuro) 1-5

1. D. Afonso Henriques (1109/11-1185) - Primeiro rei de Portugal e criador dos portugueses.

2. Bartolomeu de Gusmão (1685-1724) - Cientista, sacerdote, personagem de romance.

3. Calouste Gulbenkian (1869-1955) - Mecenas, coleccionador de arte, engenheiro petrolífero.

4. Damião de Góis (1502-1574) - Cronista e diplomata.

5. Eça de Queirós (1845-1900) - Escritor e diplomata.

(recordando os pressupostos)

segunda-feira, março 25, 2024

John Coltrane, «Cousin Mary»

curtas

«Mas à noite estava sentado fumando à janela do seu quarto: era em Julho e a atmosfera estava eléctrica e amorosa: a rabeca de um vizinho gemia uma xácara mourisca, que então sensibilizava, e era de um melodrama; o quarto estava numa penumbra doce e cheia de mistério -- e Macário, que estava em chinelas, começou a lembrar-se daqueles cabelos negros e fortes e daqueles braços que tinham a cor dos mármores pálidos: espreguiçou-se, rolou morbidamente a cabeça pelas costas da cadeira de vime, como os gatos sensíveis que se esfregam, e decidiu bocejando que a sua vida era monótona.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874), Contos (póst. 1902) / «[...] O mundo ficara imperfeito e o homem com uma ânsia de perfeição impossível.» Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1954) / «Quem tomava conta era o senhor Joaquim que recebia cinco tostões por cada burro e tinha direito ao estrume.» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1954)

domingo, março 24, 2024

quadrinhos

fonte

 

ucraniana CCXXXVI - o que Nuland sabe, já Putin se esqueceu

Confesso que tive as maiores reservas quando ouvi o comentário do major-general Agostinho Costa, feito em cima do acontecimento, atribuindo à Ucrânia a acção terrorista em Moscovo; este sábado, porém, ouvindo o major-general Carlos Branco, que embora não taxativo, não se eximindo a levantar questões complicadas, começo a ver a coisa com outros olhos. Menos pela circunstância de um dos tadjiques perpetradores do atentado ser um mercenário a combater junto dos ucranianaos, e nem tanto pela informação altamente reveladora de os operacionais terem sido previa e parcialmente pagos para executarem aquela missão (trocando por vil metal as virgens prometidas no Paraíso), mas o facto de Carlos Branco ter recordado -- e eu bem me lembro disso -- que antes de ser despedida, Victoria Nuland, essa conhecida doença venérea americana contraída pela Ucrânia, ter deixado no ar a ameaça de alguma surpresas estarem a ser preparadas para Putin.

Clic! O caso, para mim, mudou de figura, e percebo agora porque razão Putin nem se deu ao trabalho de mencionar as ratazanas do Estado Islâmico. É que o que Nuland aprendeu, já Putin se esqueceu.

sábado, março 23, 2024

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «A Ocidente, uma desolada paisagem».

Billie Holiday, c/ Quarteto de Buddy DeFranco, «All of Me»

caracteres móveis

«Durante um ano, Doninha só deu sinais de vida altas horas da noite, todo nu às grades da cadeia, com aqueles gritos uivados para a vila.» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943)

«E por aqui, por ali, ladeando o ilhéu Chão ou a caminho do Porto Santo, pequenas canoas abriam para o céu a sua asa branca.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Fincou a pá num calhote de dividir as águas e ficou-se à espreita, enrolando um cigarro.» Alves Redol, Gaibéus (1939)

quinta-feira, março 21, 2024

curtas

«A tarde estava quase no fim, uma tarde espessa e abafada.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949) «Lágrimas, gritos, lenços brancos, e ódio, ódio contra si próprios por haverem ficado, sabiam lá até quando, apegados àquela terra misérrima e àquela vida que criara odiosas raízes:» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1938) / «Nasceu quase com o século, filho, como já vimos, de pai incógnito e de uma dessas heróicas mães solteiras, resignada à sua sorte e senhora do brio bastante para criar o filho de cara levantada.» A. M. Pires Cabral, »O saco», O Diabo Veio ao Enterro (1984)

serviço público: abismos que envergonham

Eu não sei se António Costa é sonso, ignorante, leviano, oportunista ou um pouco de tudo isto ao mesmo tempo, após ler as suas declarações transcritas pelo simpático Observador. O vazio, o disparate, a ruminação são impressionantes. Não há nada de novo, todo o palavreado é baço, próprio dum triste catavento. (Uma espécie de Marcelo com arremedos de solenidade).

Que falta de tudo... Nem com o Lula à mão, e já agora com um ramalhete de países africanos e um presidente lusófono Prémio Nobel da Paz, Ramos Horta, que foi também um grande diplomata... A sua indigência estratégica e diplomática é confrangedora (e o que aí vem, também não se anuncia melhor...). 

Sustenta Costa, a certo passo que nem toda a extrema direita é pró-Putin (sim, a pragmática Meloni; o Ventura não conta, por que o Ventura é tudo e o seu contrário, nunca pode ser levado a sério). 

Mas nem toda a esquerda (ou melhor, "esquerda"? -- mas que raio de esquerda  representa o Costa, para além do palavreado inclusivo?); mas nem toda a esquerda alinha com a CIA e o Pentágono.

Viriato Soromenho Marques é um intelectual de esquerda, sabe pensar; e, como não é um polítiqueiro a fazer pela vida, é também uma das vozes (poucas) que se distingue da impreparação e da pobreza conceptual do palavrório, emanadas com mau hálito, aqui no rectângulo e alhures.

Quando lemos Costa, o que vemos? Um tagarela. Ao contrário, leia-se a coluna de Viriato S. M. nos dois números passados do JL, 23-II e 6-III, «A nova catástrofe europeia», e veja-se o que é problematizar para além dos slogans vazios. Mais simples: veja-se o que é ter noção do que se está a passar. 

É fácil estar na Nato e ter uma posição crítica? Claro que não é; por isso, o que deveria haver era grande ponderação e profundidade de análise. Para picaretas, já temos as dianas, os germanos, os isidros, , os poejos, as sónias,  e até o serafim saudade do jornalismo.


quarta-feira, março 20, 2024

caracteres móveis

«A tarde descaía muito límpida; o alto céu tinha uma pálida cor azul; o ar estava imóvel.» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875)

«Memória pronta, e cultivada com indigesto e aturado estudo, não podia sair-se com menos de um erudito em história antiga, e repositório de notícias miúdas sobre factos e pessoas de Portugal.» Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo (1865)

«Tinha o Evangelho no coração -- o que vale muito mais ainda do que tê-lo na cabeça.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

Duke Ellington, «Ko Ko»

terça-feira, março 19, 2024

ucraniana CCXXXV -autocracias, plutocracias...

Sim, é verdade, a Rússia está numa deriva autocrática, acelerada pela guerra. Já o escrevi, várias vezes, e mantenho: nunca, na sua longa história, os russos foram tão livres e tão prósperos como com Putin; mas a verdade é que, desde que sobreveio o estado de guerra, essa liberdade contraiu-se. Até por razões psicológicas do próprio Putin, já detectáveis nas entrevistas do Oliver Stone, em que se tem a noção que ele se vê a si próprio como o garante da estabilidade, progresso e segurança do país. 

Assistimos agora a discussões de lana caprina sobre a situação democrática russa, como se isso interessasse a alguém que não aos próprios russos. Também tão pouco me interessa que os Estados Unidos, que obviamente tem coisas fantásticas -- da liberdade de imprensa à liberdade religiosa -- seja uma plutocracia repelente, com milhões de farrapos humanos, das prisões às ruas, que o darwinismo social deixa para trás. Liberdade de imprensa e de expressão que não impediu que os muitos massacres perpetrados pelos americanos por esse mundo além se efectivassem. Talvez os iraquianos, quando foram massacrados por motivos espúrios, levantassem os olhos para o Céu, com este lindo pensamento: são bombas e a minha família vai morrer sem perceber bem porquê; felizmente são lançadas por um país demoliberal, em que a liberdade de expressão e associação é à prova de bala (perdoem a infelicidade da imagem os familiares das crianças massacradas, num país em que o mais forte prevalece sempre, neste caso, a NRA) 

A verdade é que me estou relativamente nas tintas, quando vejo os títeres europeus da plutocracia (a começar pelos portugueses), mais idiotas úteis e outros analfabetos, a  preparar-nos, no mínimo, para alimentar a Nato, braço político do Pentágono. Para já é só dinheiro; há-de chegar a altura (se a Rússia não se despachar a resolver aquilo como deve) em que dirão ser preciso mandar tropas. A desvergonha destes canalhas é axiomática. 

A propósito: digo já que sou favorável a serviço militar e serviço cívico (para os objectores de consciência) obrigatórios, para ambos os sexos, mas não para que os soldados portugueses vão servir de carne-para-canhão dos americanos na Ucrânia, como acontece com os pobres ucranianos. Fica para outro post.

segunda-feira, março 18, 2024

domingo, março 17, 2024

ucraniana CCXXXIV: vontade de rir: a taxa de abstenção nas eleições russas

Nem são os oitenta e tal porcento que Putin teve, mas a elevadíssima taxa de participação, acima dos 70% que fortalecem Putin ainda mais do que já estava.* 

Há largos meses, um dos muitos patetas que vêm a televisão comentar, falava da fraqueza de Putin, por ocasião do da insurreição do folclórico Prygozhin. Já então dava vontade de rir, então agora... Bem pode a CIA pegar em fascistas e nazis e branqueá-los para vender a democracy. Já para não falar do garoto Macron, esbofeteado na rua como um puto, um nada, como disse o outro, um palhaço esportulado pela banca que os prescientes franceses reconduziram no Eliseu.

Como há-de Putin olhar para este pequeno cretino? 

* Ouvir a Casa Branca dizer que as eleições não foram livres nem justas (como se alguém se preocupasse), quando os americanos têm taxas de abstenção de 70 % e se preparam para decidir entre Trump e Biden -- ou seja, entre um bilionário que despreza os seus eleitores, e uma marioneta senil do complexo militar-industrial --, é de ir às lágrimas.

Em tempo: Calhou-me ouvir um excerto do inefável Portas, zero em credibilidade: repete este lázaro ressuscitado a lengalenga: se Putin ganhar na Ucrânia (se?...), a seguir são os outros países da Europa, referindo-se, obviamente, aos Bálticos, e sabe-se lá que mais. Para não me repetir sobre a sua pertença à Nato (bem sei que o Trump provavelmente ganhará), eu responderia apenas: deixem-nos vir. Ou será que a Nato tem agora medo dos russos, em realão aos quais eram alvo de piadinhas dos pobres comentadores das RI e afins?...


Bob Seger System, «Mongrel»

sábado, março 16, 2024

sexta-feira, março 15, 2024

antologia improvável #529 - Manuel Bandeira

 

O AMOR, A POESIA, AS VIAGENS


Atirei um céu aberto

Na janela do meu bem:

Caí na Lapa -- um deserto...

-- Pará, capital Belém!...

Berimbau e Outros Poemas

(antologia por Elias José)

quarta-feira, março 13, 2024

John Coltrane, «Giant Steps»

e que tal um jornal público, independente e para todos?

Pegue-se no pessoal da Lusa e da RTP, reforcem-no e façam um jornal sem outra agenda que não a  do puro jornalismo. Com mais esta machadada no Diário de Notícias (grande trabalho de José Júdice e da sua equipa ao longo de quatro meses), e se o seu fim se vislumbra a breve trecho (como dizia ontem alguém, não se fazem jornais sem jornalistas), resta-nos a miséria de três jornais diários nacionais (em papel), por vezes infrequentáveis: o Público  e a sua agenda woke; o Correio da Manha, agenda porco-mealheiro; o Jornal de Notícias, que, para além de ser um pouco incaracterístico, traz diariamente um descartável de tráfico de carne humana, tal como o diário anterior.

Eu bem sei que imprensa pública, só por si, não é sinal de qualidade. Só é BBC quem sabe e pode sê-lo.  Se há uma agência de notícias pública, televisão e rádio públicas, porque não também um jornal nacional público?

terça-feira, março 12, 2024

ucraniana CCXXXIII - o papa já de há muito viu o filme todo

Ao contrário dos pastores alemães da União Europeia, Francisco não é um zombie nem vassalo de ninguém. Aflige-o a mortandade inútil e perigosíssima. Inútil, porque a Rússia já não largará os territórios que eram seus e que entretanto recuperou, provocada que foi pelos Estados Unidos, até a corda se partir (aquilo que o pontífice em 2022 designou percucientemente como "a Nato a ladrar à porta da Rússia"). 

Não só sabe que a Rússia jamais abandonará o que recuperou, ladre o que ladre von der Leyen, como nos arriscamos todos a ser arrastados pela aventura americana (acolitada pelos ingleses), sem falar nesse parvo do Macron, estéril criatura que não se preocupa com os filhos dos outros, julgando-se Luís XIV ou Napoleão.

Por falar nisso: depois de Costa e ainda com Marcelo, o que virá a seguir destes pensadores da geopolítica? Pior será impossível, mas nunca se sabe. 

curtas

«Ele, rapaz fino de Lisboa, apenas queria brincar com a beleza tenra e limpa de D. Branca.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) / «Quando os marítimos começaram a andar nos barcos com as lanternas penduradas nos cintos, para não chocarem nas cobertas uns com os outros, dado o adiantado da hora, ou para chamarem a noite (tenho a satisfação de deixar isso ao seu critério), chegou ao cais um homem vestido de preto, com chapéu musical, sapatos poéticos, lama nos colarinhos, uma harpa ao ombro e um colete que seria laranja, se trouxesse colete.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) / «Surpreendeu-o a figura de sua mulher, de pé, na franja de espuma, que a onda deixava, na areia, um pouco curvada no empenho de procurar, afastando-se, quando o mar avançava na subida, correndo atrás da resaca, que cada vez deixava menos espaço para a sua empresa.» Conde de Sabugosa, «A aliança inglesa», De Braço Dado (1894)

Charlie Parker, «Smoke Gets In Your Eyes»/«52nd Street Theme»

segunda-feira, março 11, 2024

Ventura cospe no prato em que comeu

Ouvi ontem o Ventura bolsar sobre o 25 de Abril. Sei pouco da criatura, tenho muito mais com que ocupar o tempo. Suponho que tem origens humildes. Talvez os avós andassem descalços, passassem fome, como sucedia aos pobres no pré-Abril, e no Natal tivessem laranjas de presente; talvez os pais tivessem querido estudar, o que não era permitido aos pobres entregues a si próprios. este demagogo, que se licenciou com elevada classificação e doutorado em Direito deve-o ao 25 de Abril, que democratizou o ensino e transformou o país mais atrasado da Europa, em 1974. Não foi perfeito, claro. Por isso, há 18% de ressentidos e/ou saudosistas que se revêm neste ex-pobre que cospe no prato que lhe deu de comer. Abaixo de zero à esquerda.  

eleições

AD - vitória (?) mais sofrida do que estava à espera, a premiar a boa campanha de Montenegro, uma surpresa também para mim. 

PS - boa alocução de derrota (?) de Pedro Nuno Santos. Apesar de tudo, o PS, pelos dois desastrados anos de Costa, merecia uma derrota retumbante, independentemente de PGR e PR.

Ch - Surpreso com os 18%. Pode agradecê-los a Costa. 18 % de deploráveis, mais os paisanos que votaram ADN a pensar que era AD. Em Viseu, o partido antivacinas (!) saltou em dois anos de de 80 para seis mil votos... Como és belo, meu Portugal.

IL - Aguentou bem a pressão do voto útil, manteve o número de deputados.

BE - Aguentou também, mas enquanto a IL tem margem para crescer, o Bloco vai continuar ser comido pelo Livre, PAN e , no futuro, o PS de Pedro Nuno Santos.

PCP/CDU - Ao irreversível envelhecimento do seu eleitorado, em desaparição, teve de arrostar com a campanha sobre a Ucrânia, que o marcou estúpida mas decisivamente. O que não é de admirar, num país com 18% no Chega, mais os paisanos de de Viseu -- esteve quase a eleger. Que país... A esta hora, parece que António Felipe foi eleito. Dou o meu voto por bem empregue.

Livre - Crescimento anunciado e confirmado, pesca no eleitorado do BE, mas não só.

PAN - Sem surpresa.

A ideia com que fico é que isto não vai durar muito. Mas, quem sabe?, talvez Montenegro surpreenda e consiga entalar o Ch.



domingo, março 10, 2024

sábado, março 09, 2024

Duke Ellington, «In A Mellotone»

curtas

«Era ele a única pessoa em quem verdadeiramente sentia uma angústia sem censuras.» Fernando Namora, «História de um parto«, Retalhos da Vida de um Médico (1949) / «Há sempre um pingo que cai ou um surro que se forma ou qualquer outra coloração que disfarça a brancura evidente do branco.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) / «-- [...] O homem ficara com todas as aspirações de um deus e não era completamente deus.» Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1954) 

sexta-feira, março 08, 2024

quinta-feira, março 07, 2024

antologia improvável #528 - Antero Abreu


SARABANDA DE AMOR


Sarabanda de amor

Em tudo quanto é trigo e quanto é flor

Morte e vida repartida

Em cada migalha em cada suor


16/4/984

ucraniana CCXXXII - inicia-se o serviço público, agora que nos querem em guerra (Carlos Branco, Carlos Matos Gomes e Viriato Soromenho Marques, para quem quiser perceber realmente o que é a guerra na Ucrânia)

Noutro post, falarei do silenciamento e censura que a maioria esmagadora dos me(r)dia  impõem a quem pensa pela sua própria cabeça, logo tachados de tudo e mais alguma coisa, mas também elogios, como "comunistas" ou "putinistas", o que para os analfabetos do costume é a mesma coisa, ou parecido.

Para já, a propaganda está em força -- hoje, no carro, na Rádio Observador, uma estação indubitavelmente bem esgalhada, mas mísera no que respeita ao debate sobre a guerra na Ucrânia, a pivô abria a síntese da meia hora mais ou menos assim: " mais de 400 mil soldados russos já morreram na Ucrânia." Depois lá dizem que são dados do governo ucraniano, o mesmo que  assumiu a morte de 30 mil dos seus. Está-se mesmo a ver.

Quem gosta de ser enganado, seja-o, à vontadinha; quem por preguiça mental, come a sopa toda que lhe põem à frente, sem pestanejar, pior para ele; mas para quem tem o hábito de pensar e de se interrogar, com dois dedos de testa, vou passar a fazer as ligações aos esplêndido artigos de análise opinião de Carlos Branco, Carlos Matos Gomes e Viriato Soromenho Marques. Com a excepção do primeiro, na CNN-Portugal, os outros nunca os vi no pequeno ecrã convidados para falar sobre o problema mais sério e preocupante da actualidade. Mas, como disse, isso ficará para outro post.

E as lideranças políticas, em especial Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, servirão para que interesses? Os da nação, do povo, do país? Ou seja, vão ser também eles meros fantoches, ou evidenciarão um mínimo de brio. A resposta que se adivinha é tudo menos satisfatória. Mais uma vez: têm aí o Brasil do Lula ao lado; aprendam e apoiem-se nele, apesar de ser missão quase impossível. 

Serviço público

Carlos Branco, "As palavras e os factos após dois anos de guerra"

Carlos Matos Gomes, "Dopping -- O programa de armamento de Bruxelas

Viriato Soromenho Marques, "'Tempestade ainda' na Europa"

3 filmes de António-Pedro Vasconcelos

quarta-feira, março 06, 2024

ucraniana CCXXXI - quando Zelensky e Macron eram pombas da paz

Zelensky venceu as suas presidenciais não apenas à custa da popularidade televisiva, mas também prometendo ao eleitorado negociar a paz com a Rússia e resolver a situação do Donbass (a guerra começou em 2022?...). Imagino, depois, a desilusão.

Até posso acreditar na sua sinceridade inicial, tanto mais que ele não é etnicamente ucraniano nem russo, mas judeu, cujo povo, até ao ao primeiro quartel do século passado, era periodicamente chacinado em pogroms por aquelas paragens, entre Rússia e Polónia. Havia os Acordos de Minsk..., uma autonomia do Donbass não estava ainda fora da equação.

Quando Zelensky ganhou em vez de Poroshenko, homem dos americanos, encontra uma Ucrânia já minada pela CIA. Depois foi o que sabemos, o pardal tornou-se falcão.

Quanto ao Macron, ainda há dia escrevi como este mercur(i)ocromo da paz benefeciou das idas e vindas a Putin, para tentar contê-lo. Limpou as eleições, escapando ao destino igual ao do pateta Hollande, que lhe estava marcado. Agora, é esta ave de arribação que se vê, permitindo-se até chamar cobarde (indirectamente, claro) ao titubeante Scholz.

Já agora: mão amiga fez-me chegar o sempre extraordinário Carlos Matos Gomes, antigo oficial comando na Guerra Colonial e homem muito culto. Quem quiser perceber ou aprender alguma coisa que o leia -- a ele, a Viriato Soromenho Marques, Carlos Branco, e alguns mais. 

Com esta preparação para a guerra (fria ou quente) que nos estão a aranjar, o tempo para ser anjinho, espécie peculiar de pássaro, já acabou. Por alguma razão ninguém fala disto na campanha eleitoral. Estão pois com mãos livre para fazer o que quiserem, os partidos...

caracteres móveis

«Adiante de mim caminhava, levemente curvado, um homem que, desde as botas rebrilhantes até às abas recurvas do chapéu donde fugiam anéis de um cabelo crespo, ressumava elegância e a familiaridade das coisas finas.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)

«Já o Cirilo tendeiro, que vagueava de terra em terra, erguera dos amassadoiros do linho o seu mostruário de bonitezas.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)

«Um dia, sem perceberem como, tão dados eram à boa paz e ao improviso, faltava-lhes a mama e saltavam, de rompão, para a violência, como lobos acossados.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)

terça-feira, março 05, 2024

ucraniana CCXXX - a Europa está "cada vez mais em perigo", diz este sábio -- mas estão à espera do quê?

Borrell, pois claro, quem mais? A "Europa" sanciona a Rússia, fica-lhe com o dinheiro, envia tropa disfarçada de mercenários para a combater na Ucrânia, guia-lhe os ataques dos ucranianos através de satélite, estoiram-lhe com os gasodutos e -- cereja -- vê um yuppie que se tornou presidente de França a ameaçar (ahahah...) enviar tropas para o terreno, agora "oficialmente". 

Mas do que estão à espera estes animais? É evidente que a Rússia não terá, a não ser em caso de mobilização geral, tropa e meios para entrar em guerra com o Ocidente -- mesmo se, admitamo-lo por fantasia, os Estados Unidos se retirassem da Nato. Mas têm armas nucleares, fora o resto.

Há dias li isto do NYT, via DN. A comprovação do que sempre se soube, excepto os detalhes. Ah, as zonas de influências, as soberanias limitadas, os patetas dos comentadores...

mas do que está esta gente à espera para dar-lhe o Camões?.

A propósito da magnífica entrevista que dá hoje ao Público, no dia em que é directora honorária do jornal (bela e justíssima escolha) volto à carga com o óbvio alvitre de atribuir o Prémio Camões a Maria Teresa Horta. Que diabo!, é preciso ser-se um país muito estúpido e provinciano para ainda não ter dado a esta extraordinária poeta do amor, da sexualidade feminina e do corpo; a uma das autoras das Novas Cartas Portugueses, um dos grandes livros do século XX, o seu maior prémio literário, que já distinguiu outros que não lhe chegam aos calcanhares. 



curtas

«A este tempo Carlos, para quem passara desapercebida a cena anterior, saiu da barraca, aconchegando o forte jaquetão azul, esfregando as mãos num contentamento despreocupado, a trautear os compassos alegres de uma canção de caça.» Conde de Sabugosa, «A aliança inglesa», De Braço Dado (1894) / «Macário afirmou-se, e, sem mais intenção, dizia que aquela mulher, aos vinte anos, devia ter sido uma pessoa cativante e cheia de domínio: porque os seus cabelos violentos e ásperos, o sobrolho espesso, o lábio forte, o perfil aquilino e firme, revelavam um temperamento activo e imaginações apaixonadas.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874), Contos (póst., 1902) / «O Franciú levantava-se muito cedo para carpir os vagabundos, os desorientados, os gatos e também cães, os mais afectuosos, e desprevenidos rouxinóis que o Toledo deixava pelo caminho, amorosamente desventrados.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984)