quinta-feira, julho 31, 2014

Com Geezer Butler foi Jack Bruce...

Geezer Butler (guitarra-baixo dos Black Sabbath) também tinha os Beatles por heróis. Certa vez foi ver os Cream. Andava tudo doido com o Eric Clapton ("Clapton is God", não é?), mas foi Jack Bruce quem lhe tocou a corda: "Everybody was going on about what an icredible guitarist Eric Clapton was, but I ended up being mesmerised by Jack Bruce. I'd never even thought about playing bass until I saw Jack [...]" (Classic Rock #200, "Heroes & Villains", Agosto 2014)
Um dos vilões que Butler nomeia é Bush, por causa do Iraque -- o que só lhe fica bem.
Em baixo, talvez fechando os olhos consigam ouvi-lo como deve ser.


entre o couro e a carne

«Entre outros homens que naquela companhia se achavam eram nela mais acostumados [...]; um velho não muito rico, que tinha servido a um dos Grandes da Corte, com cujo galardão se reparara naquele lugar, homem de boa criação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante.»

Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia (1619)

quarta-feira, julho 30, 2014

Ozzy Osbourne e os Beatles

 Ozzy Osbourne (voz dos Black Sabbath) ia na rua pelos idos de '64 (ano em que eu nasci) quando ouviu pela primeira vez She Loves You, dos Beatles, no transístor que levava; e desde esses instante sentiu-se como que catapultado para uma dimensão da qual nunca mais saiu. Certa vez, o filho perguntou-lhe como era a onda, quando os Beatles estavam a a contecer, e Ozzy saiu-se com esta pepita: "The only thing I could say is that you go to bed today, then get up tomorrow morning and it's a completely better world."

(Num inquérito multitemático da Classic Rock #200, comemorativo desse número redondo, e do qual, nas próximas semanas, irei picar algumas resposta interessantes.)



godos moles

«Uma longa paz com as outras nações tinha convertido a antiga energia dos Godos em alimento das dissenções intestinas, e a guerra civil, gastando essa energia, havia posto em lugar dela o hábito das traições covardes, das vinganças mesquinhas, dos enredos infames e das abjecções ambiciosas. O povo, esmagado debaixo dos peso dos tributos, dilacerado pelas lutas dos bandos civis, prostituídos às paixões dos poderosos, esquecera completamente as virtudes guerreiras de seus avós.»

Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

terça-feira, julho 29, 2014

"País 'civilixado'" é bestial.

Aqui.

cinco dias de pândega

«Calaram-se. Ficar sem féria seria perder a Feira. E a Feira era a verdadeira festa de despedida dos moços dos telhais. Cinco dias de pândega entre um Verão de canseiras que findava e um Inverno de miséria que surgia.»

Soeiro Pereira Gomes, Esteiros (1941)

segunda-feira, julho 28, 2014

28 de Julho de 1914 -- a Grande Guerra começou há cem anos, e assombra-nos.

A pretexto de um assassínio político perpetrado um mês antes, há 100 anos a Áustria-Hungria declarava guerra à Sérvia. Não passou de mero pretexto, porém. A causa da Grande Guerra radica em vários factores, a saber: a disputa imperialista centrada no Velho Continente, através do sistema de alianças, mas com ramificações e palcos extra-europeus, em concorrências territoriais e de supremacia armamentista; e a inconsciência geral, quer do rápido desenvolvimento transnacional do conflito (num ápice a guerra tomou o freio nos dentes), quer dos custos humanos e económicos que iria acarretar -- o que justifica o acolhimento delirante e patético do anúncio do conflito por parte das opiniões públicas.
Conflito, aliás, que não terminaria em 1918, mas em 1945, pois Hitler (e até Stálin) são a um tempo consequência da vertigem ou da deliquescência imperiais e da ganância dos potentados económicos e financeiros.
Hoje, continuamos com um sistema de alianças, em recomposição, o imperialismo é norte-americano, russo, mas agora também chinês, e a cupidez mercantil e argentária está globalizada. Mas ninguém, em seu perfeito juízo, poderá vir para a rua simploriamente saltar e cantar, se... Um  se que nunca será de excluir, por mais absurdo, irracional e indigno, pois nada na animalidade dos homens o garante. Quem tiver dúvidas que olhe para o lado (ou para o espelho, se tiver coragem), e diga se gosta do que vê.



domingo, julho 27, 2014

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar
Mário de Sá-carneiro

silêncio

«Na frente, um homem que prendia as rédeas debaixo do braço caminhava curvado dentro do capote, enrolando um cigarro. Atrás, Mateus baloiçava o tronco desajeitado. Em volta, seguia gente olhando para o fundo do carro, onde Adriano adivinhou o corpo do Doninha, coberto pela manta esburacada.»

Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943)

sábado, julho 26, 2014

L, de Romance


Quando é que percebemos que um romance é um grande romance? Quando ao fim das primeiras vinte ou trinta páginas verificamos duas coisas: o autor dando muito (ou tudo...) de si, dádiva que recebemos por vezes até com algum pudor; e quando o estilo é um profundo e honesto trabalho sobre a escrita, muitas vezes na corda bamba, pois a literatura com L tem de estar sempre  nesse patamar elevado em que o autor a si próprio se desafia. 
Vem isto a propósito do romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988), saga (ou anti-saga) duma família açoriana. Irmãos com infâncias fechadas e trabalhosas, tiranizadas pelas idiossincrasias paternas; a saída da ilha (uma fuga, no fundo), seminário e convento, guerra em África, emigração para a América, desenraizamento. Alguns triunfos com amargos de boca, na escrita ou na vida. A narrativa flui a várias vozes, a personagem principal, Nuno, seminarista expulso, depois professor e escritor; mas também alguns irmãos, cada um dando a sua perspectiva ao leitor; Nuno e Marta, depois, (ex-)marido e (ex-)mulher; e o duplo de Nuno, Rui Zinho, pseudónimo com que assina a obra literária.
É um dos grandes romances portugueses do século XX, de extrema poeticidade, elaborando sobre a passagem do tempo, onde, apesar das lágrimas, se vai à procura de alguma felicidade imaginada, construída para além dos traumas.

anoitecia

«O castelo do baliado principiava a assombrar-se  e a denegrir-se. O chiar dos carros e as vozes dos lavradores tinham cessado. Os cães da aldeia começavam a latir de espaço e as casas e arribanas, que rodeavam aqui e ali a fortaleza, emantilhavam-se no espesso fumo resinoso que lhes saía pelas fendas dos tectos palhiços e que a calma da atmosfera deixava estacionar sobre eles.»

Arnaldo Gama, O Balio de Leça (póstumo, 1872)

sexta-feira, julho 25, 2014

O caso Espírito Santo, explicado às crianças e ao povo:

A ocasião faz o ladrão.

lastro aldeão

«O quarto, largo e branco, dava para um terraço, onde fios de roupa brilhavam ao sol; ; e um gralhar de galinhas que se ergueu não sei de onde lembrou-me sùbitamente os grandes silêncios da aldeia.»

Vergílio Ferreira, Aparição (1959)

quinta-feira, julho 24, 2014

ao sabor da pena

«Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.»

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

quarta-feira, julho 23, 2014

Fender vs. Gibson: Francis Rossi e Tony Iommi



nova mas feia

«Ao pé da fogueira, uma velha sentada. Não me senti à vontade. Estava embaraçado, sem saber o que devia fazer, quando chegou uma senhora a procurar por mim. Era a professora, que, sabendo da minha chegada, vinha esperar-me. Nova mas feia. Contudo simpática e com um olhar de inteligência que a tornava atraente. Sem a menor hesitação resolveu logo o meu problema, como se aquilo fosse habitual.»

Branquinho da Fonseca, O Barão (1942)

terça-feira, julho 22, 2014

criador & criatura

 Chester Gould e Dick Tracy

domingo, julho 20, 2014

estampa CLXXX - Canaletto

Auto-Retrato
col. particular, Cambridge

um amanhã absolutamente amanhã

«Hoje! Já! Mas eu sinto que não queria que fosse hoje! Queria que fosse amanhã, um amanhã indefinido, uma amanhã absolutamente amanhã -- daqueles que nunca chegam... e tanto assim -- que ontem, véspera de hoje, quando hoje era ainda um amanhã -- não me confrangia tanto a ideia do meu internamento -- da minha cura. Pelo contrário: bazofiava de animoso e, com pimponice de valente, afirmava a decisão enérgica de desenclavinhar da carne, do sangue, dos nervos, do espírito, as garras veludosas de quatro anos de morfinismo.»

Reinaldo Ferreira (Repórter X), Memórias de um Ex-Morfinómano (1933)

sexta-feira, julho 18, 2014

com o lenço verde do regulamento

«Os homens pararam. Alguns, mais cansados, sentaram-se imediatamente, outros ainda procuraram árvores para aproveitarem a sombra e o encosto dos troncos. Abriram os camuflados, aspirando o cheiro ácido de suor que saía do peito, para se refrescarem. Esqueceram os mil pormenores da instrução de comando, as forças não chegavam para tudo, mas a arma, essa ficou ali à mão de semear... Tiraram lentamente as mochilas de cima dos ombros e morderam os lábios com a dor dos músculos dormentes cortados pelas correias de lona. Esfregaram a cara e os cabelos molhados da  transpiração com o lenço verde do regulamento, ou mesmo com o quico camuflado, um bonezinho em feitio de canoa, de aba curta e quebra-nuca para proteger a cabeça dos ardores do sol.»

Carlos vale Ferraz, Nó Cego (1983)

quinta-feira, julho 17, 2014

Johnny Winter (1944-2014)

[(muito) branco por fora, escuro por dentro)

quarta-feira, julho 16, 2014

miopia israelita

O conflito entre Israel e a Palestina é demasiado antigo e complexo para tomadas de posição ligeiras e piedosas. A verdade é que este antagonismo radica na história secular, com um revivescer no último século, com a então toda-poderosa Europa arrogando-se a prerrogativa de inventar países e desenhar fronteiras.Não há inocentes políticos de parte a parte; e se só lamentamos as vítimas palestinas é porque Israel tem a capacidade militar do seu lado. Só por isso.
É evidente que isto não desculpa o estado israelita de sistematicamente boicotar a viabilidade do outro estado e de seguir com uma criminosa política de colonatos, jogando a política do facto consumado no longo prazo. O que políticos míopes como Netanyahu -- e todos quantos insistem do lado de Israel nessa política cega -- não vêem, é que o tempo joga contra o estado judaico. A força que este detém, como o viram Rabin e o próprio Sharon -- e como creio que será a posição de Livni --, deveria ser usada de forma mais inteligente e dialogante. Ao apostar no tudo ou nada, Israel só pode perder.

o arrastão

«Maria da Soledade considerara tão insòlitamente forçada mais esta das suas demandas do trabalho em pátrias alheias, que, prontamente, classificara de dinheiro bem gasto o de preferir, desta vez, o "sud-express" para Paris, a carruagem-camas uma espécie de salvaguarda para as viagens de cambulhada e, muito mais, para as do arrastão, comboio de uma só classe, a segunda, sempre a abarrotar de emigrantes.»

Assis Esperança, Fronteiras (1973)

terça-feira, julho 15, 2014

nos extremos do Minho

«Era nos extremos do Minho e onde esta risonha e feracíssima província começa já a ressentir-se, senão ainda nos vales e planuras, nos visos dos outeiros pelo menos, da vizinhança de sua irmã, a alpestre e severa Trás-os-Montes.»

Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

segunda-feira, julho 14, 2014

a lad insane


O título, Aladdin Sane, "a lad insane", toda a música, do riff ao refrão, é estupenda. O início, cada interveniente como que se estuda, até o baixo e guitarra acompanhando-se e dando suporte ao "Whoooo, will love Aladdin sane?" O solo do piano de Mike Garson, jazzístico e vanguardista (com o sax de Ken Fordham intrometendo-se), dá o plus que desde sempre a mantém nos nossos ouvidos.

mandado por Deus

«Era o veleiro mandado por Deus Nosso Senhor. Que levaria aquele povo à outra ilha distante e abençoada onde todos encontrariam abrigo e protecção. Lá não havia fome. Lá a catchupa chegava para os mais necessitados e perseguidos pela estiagem. Gente, São Vicente tinha Porto Grande, tinha navios de todas as partes do mundo trazendo trabalho e comida. Soncente tinha tropa que enchia a barriga a todos nós.»

Manuel Ferreira, Hora di Bai [1962]

sábado, julho 12, 2014

Charlie Haden (1937-2014)

A Song For Che dedicada aos movimentos de libertação das colónia portuguesa em África, num Cascais Jazz, antes do 25-A, com detenção pela PIDE e posterior expulsão. O 80/81 no Parque Palmela, Cascais ainda.


sexta-feira, julho 11, 2014

que a seca espavoriu

«Despontam vivendas pobres; algumas desertas pela retirada dos vaqueiros que a seca espavoriu; em ruínas, outras; agravando todas, no aspecto paupérrimo, o traço melancólico das paisagens...»

Euclides da Cunha, Os Sertões [1902]

quinta-feira, julho 10, 2014

havia, e vai havendo

Conjunto de narrativas breves, todas começadas pelo pretérito imperfeito do verbo haver. A capa desafia logo o leitor, seguindo-se a apresentação da autora («Havia uma escritora de contos curtos onde não cabiam narrativas compridas.») Por aqui se nota o ludismo, o brincar com as palavras e os conceitos, a inventiva que atravessa todo o livro, o jogo com o absurdo -- aliás, o primeiro conto começa assim: «Havia um absurdo que não ouvia nada bem» Por vezes, quando tudo parece resolvido e com final feliz ou edificante, dá-se uma reviravolta na página seguinte, com remate ora irónico, ora malicioso, por vezes sardónico... como sucede com aquela cidade desconhecida: «Havia uma cidade que ninguém conhecia porque permanecia anónima. Um dia um paparazzo apanhou-a nua, num barco de férias, ao lado do presidente da câmara da cidade rival. Ficou logo famosa.» (p. 34)  
Joana Bértholo, Havia -- Histórias de Coisas que Havia e de Outras que Vai Havendo, Lisboa, Caminho, 2012

um "eu" antigo

«Uma voz longínqua, débil, como se saísse do centro de uma montanha e chegasse até Soriano, filtrada pela terra, discordava, vagamente, do que a irmã e o filho lhe diziam. Mas ele transigia, em obediência a uma preguiça espiritual que, outrora, não tinha. E a sua discordância parecia vir mais de um "eu" antigo, que jazia dentro dele, apagado como um resíduo de carvão, do que do seu "eu" presente, daquele que nesse momento vivia.»

Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950)

quarta-feira, julho 09, 2014

um sentido por fazer

Resistência a quê? À banalização, à grandiloquência, ao onanismo autocomiserativo, à prostituição da palavra e do sentido. A poesia basta-se na sua precisão e comunica-se apenas disso. Para Nancy, a poesia, degradada de sobresignificação, «pode perfeitamente encontrar-se onde não existe propriamente poesia.» O melhor de tudo: «"Poesia" não tem exactamente um sentido, mas antes o sentido do acesso a um sentido a cada momento ausente, e transferido para longe. O sentido de "poesia" é um sentido sempre por fazer.»
Jean-Luc Nancy, Resistência da Poesia, tradução de Bruno Duarte, s.l.,Vendaval, 2005.

terça-feira, julho 08, 2014

quixotismo

«Não durmo nessa noite. É um diálogo entre mim e a consciência. Decido oferecer-me para partir, e ao dia seguinte, em carta ao Ministro da Guerra, Norton de Matos, declaro-lhe sacrificar a essa grande obrigação os sagrados deveres de família, pois entendo que esta guerra terá para o bem da Humanidade consequências tamanhas, quais ninguém  mesmo pode prever desde já.»

Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra (1919)

Harrison & McCartney

Balada característica da primeira metade da década de 1960. McCartney é o autor, percebe-se; e o riff, segundo este revelou, é de Harrison -- também.

uma sombra triste

«Nesse ano funesto, o viúvo encurralou-se no degredo das terras e durante meses o viram cavalgar às tardes, solitário, por atalhos de monte e urze, espaldeiras de serras e cangostas pedregosas, como uma sombra triste, acabando de desbotar ao sol um tabardo de cetim preto.»

Carlos Malheiro Dias, Paixão de Maria do Céu (1902)

segunda-feira, julho 07, 2014

Viva a emancipação dos povos!

Björk, política, grita pelos povos oprimidos. Está muito bem, por mim (lindas legendas gregas). Também gosto de ouvi-la a partir dum ponto de vista mais individual, libertário.

domingo, julho 06, 2014

água corrente

«O café que eu tomara perto da meia-noite fazia efeito fora de tempo. Que raiva, ter gasto a última vela! No isolamento absoluto da noite, as matérias do curso costumavam entrar-me pelo espírito dentro, com uma fluidez e limpidez de água corrente. Mas assim, sem luz, tinha apenas o recurso de ir repetindo, de memória, o que estudara antes de adormecer em cima do livro.»

Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949)

glória ardente

«Rita era uma formosura, que ainda aos cinquenta anos se podia prezar de o ser. E não tinha outro dote, se não é dote uma série de avoengos, uns bispos, outros generais, e entre estes o que morrera frigido em caldeirão de não sei de que terra da mourisma; glória na verdade um pouco ardente; mas de tal monta que os descendentes do general frito se assinaram Caldeirões

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862) 

sábado, julho 05, 2014

Sou para mim como um segredo antigo
Teixeira de Pascoais

sexta-feira, julho 04, 2014

amigo leitor:

«O meu conto é amador de sangue azul; adora a aristocracia. E o leitor há-de peregrinar comigo pela alta sociedade; hei-de levá-lo a um ou dois bailes e despertar-lhe o interesse com mistérios, amores e ciúmes dos que se armazenam por esses romances de armar ao efeito.»

Álvaro de Carvalhal, Os Canibais (1868)

quinta-feira, julho 03, 2014

criador & criaturas

Hergé e Quim e Filipe (Quick et Flupke)

Sophia de Mello Breyner Andresen no Panteão

O Panteão Nacional, que já se engrandecera como nunca antes com a deposição nele dos restos mortais de Aquilino Ribeiro,  ganhou uma aura, digamos, etérea. A literatura de Sophia de Mello Breyner Andresen, prosa e poesia, é elevada, porque absorve e reflecte o real sem cair em panfletarismo ou solipsismo; é magnífica prosa porque vai ao cerne e tem uma dimensão metafísica sem cedências.

quarta-feira, julho 02, 2014

um embaixador pelintra

Após a Revolução de 1688, em Inglaterra, D. Pedro II incumbiu o Conde de Pontével de acompanhar o regresso a Portugal da viúva de Carlos II, Catarina de Bragança, sua irmã, tendo para o efeito obsequiado D. Nuno da Cunha de Ataíde com generosas "ajudas de custo".
Chegado a França, este foi confrontado com a impossibilidade do regresso imediato de D. Catarina, pelo que ficou por Paris, aguardando por instruções.
José da Cunha Brochado conta ser a avareza de Pontével de tal forma exacerbada, que o comportamento do aristocrata -- recorde-se, embaixador do rei de Portugal -- envergonhava, por, em tudo, do alojamento ao modo como se fazia deslocar, ser indigno dessa condição. Não esqueçamos, também, que estamos em plena corte de Luís XIV, o Rei-Sol, na qual se codificou a etiqueta -- que era muito mais do que um regulamento de boas maneiras --; e que as atitudes impróprias de um representante do Pacífico, comprometiam o estatuto do país e do seu soberano.
Brochado termina este apontamento "calando mil outras indignidades", informando que o conde aproveita boleia no navio para Lisboa do recém-nomeado embaixador de França em Portugal, que tudo tentou para eximir-se ao frete, sem sucesso, lançando aquele mão dos "mais infames meios" para ser bem sucedido, acabando por sujeitar-se "a vir mal acomodado, e de uma maneira indecente ao seu carácter." (isto é, categoria).

Início: «Resolvendo a Rainha D. Catarina voltar para Portugal depois da última revolução de Inglaterra mandou El-Rei o Conde de Pontével para a conduzir em qualidade de Embaixador a quem deu grossas ajudas de custo.»

Um parágrafo: «Sendo Paris uma Corte em que todo o mundo anda em carroça, ele andava a pé sem nenhuma autoridade, imaginando que em levar diante de si os seus Gentis-homens mal vestidos, tinha a equipagem que lhe bastava; e sendo advertido que devia alugar uma carroça, respondeu muito deveras que queria fazer exercício, como se este se fizesse andando atropelado pelas ruas, e fossem para isso piores os passeios, e os jardins públicos.»

Memórias de José da Cunha Brochado, edição de Mendes dos Remédios [1909], fac-símile, Cascais, Câmara Municipal, 1996, pp. 1-4. 

memória de inverno

«A minha tia Suzana era um pequeno oásis no meio da desolação daquele deserto sem sol. Sim, era um deserto sem sol e sem areia porque tudo estava sempre cheio de nuvens, a chuva deixava ficar a humidade no tempo e a minha memória, na sua autoflagelação, só me fazia recordar coisas passadas no Inverno.»

António Alçada Baptista, Tia Suzana, Meu Amor (1989) 

terça-feira, julho 01, 2014

E as miúdas, pá!?...

Grande jogo, o Alemanha-Argélia! Até estava com vontade que os nossos irmãos berberes mandassem os alemães mais cedo para casa. Mas, depois, olhei para as bancadas, e só vi homens. E pensei: nã!, civilizem-se, e depois conversamos.

Martin Schulz

E apesar de tudo, hoje senti-me altamente sistémico, quando Martin Schulz foi eleito presidente do Parlamento Europeu, pela combinação entre PPE e PSE. Bastou-me ouvir na rádio que alguns deputados euro-cépticos, onde se inclui a escória da extrema-direita, esse rebotalho da política, levantaram-se e viraram as costas ao simpático socialista alemão (é livreiro...), para me assomarem os arroubos de liberal, libertário e libertino (parafraseando um blogger brasileiro), e pensar: nã, eu não vou contribuir para dar corda a estes selvagens.

Sarkozy

A detenção de Sarkozy é a consequência óbvia das más companhias de que se rodeiam as forças políticas sistémicas como forma de alcançar o poder. Da alta finança sem rosto nem princípios ao submundo do tráfico e do crime, sem princípios nem rosto. E o lixo é geral. Em França, na Inglaterra, e por cá também.

Carlos do Carmo

A sociedade do espectáculo premiou-o com um Grammy. Independentemente da importância que a distinção tenha -- e tem muita na sociedade do espectáculo --, o que interessa é que o fadista é grande e, tal como Amália, quanto mais velho melhor canta.

because

George Martin, o produtor (e 5.º Beatle) no cravo eléctrico, e um estupendo arranjo vocal. E sintetizadores (Harrison). No maravilhoso e inolvidável e sobre todos icónico Abbey Road (1969).

deformidades

«Na sala pegada, de tecto abaulado, um candeeiro de petróleo alumia outras figuras. São as visitas de enterro: velhas, dois homens, um padre, todos de negro, hirtos e solenes, em roda, nas cadeiras da sala e no canapé de palhinha. De quando em quando uma boca mastiga no escuro. A luz bate-lhes de chapa, ilumina-os como retratos: certos pedaços de fisionomia ressaltam, avançam, outros recuam na sombra. As figuras cerimoniosas são disformes, lembram caricaturas, e os traços exagerados exprimem egoísmo, avareza e secura.»

Raul Brandão, A Farsa (1903)