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domingo, agosto 22, 2021

A. J. Saraiva (4), «De Alfonso X, o Sábio a D. Dinis»

 


«De Alfonso X, o Sábio, a D. Dinis», o capítulo inicial, pp. 15-22 ocupa 6,5% do total. O primeiro subcapítulo versa sobre "Os cancioneiros e a lírica jogralesca" (16-22). A poesia trovadoresca, uma adaptação em boa parte do lirismo provençal casado com o cancioneiro primitivo galaico-português, de que resultaram as célebres "cantigas" (de amigo, de amor, de escárnio e de mal-dizer), realçando os três níveis, consoante a densidade: do ambiente rural ao cortês, passando pelo doméstico; ou da "tradição oral" ingénua e campesina à "invenção literária" propriamente dita, à "dialéctica dos sentimentos" em meio palaciano.

Os autores referidos: Afonso X o Sábio, D. Dinis, Airas Nunes de Santiago. Os títulos: Cantigas de Santa Maria, Cancioneiro da AjudaConexões: Dante, Petrarca, Bernardim Ribeiro (Menina e Moça).  

"A épica jogralesca" (16-23). Trata das façanhas de Afonso Henriques, gesta vertida para prosa na 3.ª Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra e a Crónica General de Espanha de 1344, cujo original, perdido, foi escrito em português: «O ciclo épico em torno de Afonso Henriques apresenta-nos um herói bravio e instintivo, verdadeira encarnação da nobreza guerreira do século XII, em luta com os Leoneses, o clero e com os Árabes.»

Conexões: Cantar de Mío Cid e Lendas e Narrativas (Alexandre Herculano).

"O romance de cavalaria" (23-25). As traduções do Ciclo da Bretanha, Demanda do Santo Graal, O Livro de José de Arimateia, (séc. XIII) ou a História de Barlão e Josafate, baseado na vida de Buda, cuja tradução portuguesa se fez em Alcobaça, abrem caminho para um romance como o Amadis de Gaula, cujo original em português se perdeu, cuja autoria foi atribuída por Zurara ao trovador Vasco de Lobeira [entretanto, a atribuição já passou para um outro, chamado João Pires de Lobeira].

Conexões: Cervantes, Dom Quixote.

terça-feira, agosto 17, 2021

um passeio com A. J. Saraiva (3)

Afonso VI de Leão
Repartido por treze capítulos, é precedido dum "Intróito", pp. 12-15, com referencia ao provavelmente mais antigo fragmento escrito do galaico-português, inserto numa crónica redigida em latim: a lamentação chorosa de Afonso VI, rei de Leão e Castela, avô de D. Afonso Henriques, após a derrota na batalha de Uclés (1108) diante dos almorávidas, em que morre o seu único filho varão. É uma queixa lancinante, que impressiona pela clareza com que a lemos passados mais de novecentos anos; «[...] ay meu fillo, alegria do meu coraçon e lume de meus ollos [...]».

Citação: «[...] como o mostra a lamentação citada de Afonso VI, quando se formou o reino de Portugal já o Noroeste da Península constituía um espaço linguístico, o domínio do galego-português como língua materna.» 


domingo, agosto 15, 2021

um passeio com A. J. Saraiva (2)

 A propósito do título, este pequeno livro de 172 páginas vem substitui um outro da célebre «Colecção Saber», da Europa-América (muito suportada para os títulos estrangeiros na célebre «Que sais-je?», da PUF), a breve História da Literatura Portuguesa, que gostaria de ter à mão para ver as balizas. Iniciação é um título que dá liberdade ao autor, permitindo-lhe um grau maior de liberdade e subjectividade que o substantivo História denega. Mantenho, no entanto, que é sempre arriscadíssimo entrar pelo nosso tempo adentro, sem fugir às antipatias, ajustes de contas, sem falhar. Por isso, se o autor tivesse parado ao fim de dois terços do XIII e último capítulo, sustendo-se por pelos autores a que se refere nascidos em torno de 1900, Ferreira de Castro, Vitorino Nemésio, José Rodrigues Miguéis e José Régio -- os quatro maiores da sua geração no romance (Castro), poesia (Nemésio), conto e novela (Miguéis) e ensaio (Régio) --, a obra estaria "imaculada".* A alteração realizada (que diz o autor não ser meramente uma mudança de título) o que se compreende, atendendo à evolução do seu pensamento) permite, pois, a liberdade de dizer que numa súmula da literatura portuguesa, o iniciado deverá "forçosamente" ler os autores referidos, mesmo salvaguardando, como o faz para o século XX o mais extenso dos capítulos, que é impossível referir todos os autores de valor. Mas há sempre uma escolha, e neste particular, é curioso ver que foi eliminado. Destas ausências, haverá umas que percebo e outras que não. E há ainda as que me divertem, concordando ou não. 

* Nemésio, não sendo o maior romancista da sua geração, é autor do melhor romance da literatura portuguesa já lido por mim, e não sou o único a ter esta opinião, e era um ensaísta genial. Régio, não sendo o maior poeta da sua geração, é grande em todas as áreas em que trabalhou. 

sábado, agosto 14, 2021

Um passeio com A. J. Saraiva (1)

António José Saraiva (1917-1993) foi um dos grandes ensaístas e historiadores da literatura e cultura portuguesas do século XX. Inquisição e Cristãos-Novos (1969) foi o primeiro que li, que é do meu Pai, inesquecível -- até pela acesa polémica que originou com I. S. Revah (1917-1973), que Saraiva incorporou numa reedição, com bastante fair play. A Tertúlia Ocidental (1991) é uma filigrana, própria de quem muito escreveu e pensou, como sucede com as obras dos grande autores no fim da vida. Num outro registo, Maio e a Crise da Civilização Burguesa (1970) é um inesquecível testemunho sobre o Maio de 68, vivido com uma alegria libertária, já afastado do PCP, de que foi um dos mais proeminentes intelectuais. Co-autor de uma monumental História da Literatura Portuguesa (1ª ed., 1961), com Óscar Lopes, escreveu também súmulas sobre a mesma, a última das quais é uma Iniciação na Literatura Portuguesa (1985), que só agora li, vinte anos depois de a comprar.

Como se não tivera nada mais para fazer, fui interpelado por este resumo brilhante, que vai até aos "novíssimos" seus contemporâneos. Estava tentado a dizer que ele se espalha no século XX, em que deveria ter ficado pelo Ferreira de Castro, o José Régio, etc. Mas não. Ele não se espalha efectivamente -- a não ser no neo-realismo, de que foi uma das cabeças de cartaz; mas ele faz uma escolha, e assume-a, mesmo ressalvando o que de bom fica de fora.

É um livrinho esplêndido, e vou passar o resto das férias a passear com ele por aqui, a fazer aquelas continhas de que gosto.



terça-feira, dezembro 01, 2020

um raciocínio borbulhante

 Ler o Eduardo Lourenço, ouvi-lo, era acompanhar aquela máquina pensante bem oleada, um raciocínio borbulhante, como escrevi aqui, que procurava analisar por todos os lados o objecto da sua atenção.. É ainda a escola racionalista do velho António Sérgio, que se bifurca em dois sentidos que iriam postriormente refutá-lo, como os discípulos fazem com os mestres: o marxista, António José Saraiva o mais brilhante desse lado; e um outro, também à esquerda, mais idealista, Eduardo Lourenço, também devedor do espírito crítico e antidogmático de José Régio, só para falar dos portugueses.

sábado, outubro 17, 2020

"O Cânone" de quem? -- do que falta numa lista (1)

Acabo de ver a lista de cinquenta nomes assinalados como o cânone literário português, na opinião de três académicos: António M. Feijó, João R. Figueiredo e Miguel Tamen. Lista bastante defendida no anúncio da editora como nas declarações ao Obervador.* Antecipando-se à discussão que aí virá, espera-se.

As escolhas são sempre louváveis, desde que honestas e justificadas, porque representam (ou podem representar…) a coragem de escolher como a de excluir. O título, porém, é de menos, pois mesmo sem me pronunciar sobre o que ainda não li, já o posso fazer sobre as ausências. E há ausências de peso, que absolutamente não poderiam verificar-se numa obra que se arroga a pretensão de estabelecer o dito cânone, se o título é para levar a sério. Aliás, o mesmo Observador, com  desenvoltura jornalística, anunciara que o cânone viria aí, perguntando(-se): "Quem são os grandes escritores que formam o cânone da literatura portuguesa?"

Ora, enquanto leitor não totalmente destituído ou desinformado, considero que é um jogo de apostas avançar com nomes que tenham publicado há menos de cinquenta anos; mas o que me parece temerário é trazer para o cânone autores que tenham entrado por este século adentro. Diria até que todos quantos iniciaram a publicação da totalidade ou da parte mais importante das respectivas obras depois do 25 de Abril de 1974 deveriam estar ausentes duma obra que se arroga a pretensão com que se intitula.

Claro que podemos sempre arriscar nomes, percepções (eu tenho algumas, que apenas têm o valor dessa intuição, mais ou menos alicerçada nas minhas próprias qualidades de leitor, satisfatórias ou medíocres, para o caso é irrelevante). E, no fundo, é mesmo disso que se trata, com excepção para o século XIX, o único período que me parece (quase) incontroverso. Talvez, por isso, mais apropriado -- embora menos comercial e cintilante -- fora reconhecer isso mesmo com um título mais singelo, umas Propostas para a Fixação de um Cânone [Literário Português], ou coisa que o valha. Tenho pena porque demasiada presunção ou falta de humildade envenenam-me a leitura; e tanto faz que venham agora dizer que se trata de uma mera lista como outras possíveis, o que se vê à vista desarmada. 

Começo por subscrever no texto da página da editores, certamente da autoria de um dos coordenadores: «Os grandes escritores não são escolhidos por consenso ou por votação popular, mas por terem sempre leitores, mesmo que poucos, ao longo do tempo.» Certamente que o livro desenvolverá o conceito. Eu acrescentaria  que Os grandes escritores de uma língua e de uma comunidade são aqueles que inauguram um modo de expressão cuja voz continua a fazer-se ouvir nas vozes de outros que lhe sucederam, tendo inscritos um conjunto de tópicos reveladores da pertença a uma nação e/ou a um território.

O mesmo texto informa que não se trata de “um guia neutro para a literatura portuguesa”. Se a neutralidade absoluta é impossível, não deve deixar de ser perseguida num trabalho desta natureza, sob pena de o irremediavelmente o comprometer não digo na sua credibilidade, mas na utilidade que pode ter para quem não esteja muito interessado nas opiniões dos autores e respectivos colaboradores. 

Parece que o livro tem artigos sobre movimentos e revistas literárias (cuja dimensão desconheço), o que, à partida, tornará híbrida a natureza da obra, oscilando entre o ensaísmo e a historiografia cultural. Quanto a isso, talvez ainda não se fizesse melhor do que a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, pese embora as suas (poucas) omissões quanto a escritores relevantes: se a memória não me atraiçoa, lembro-me dos nomes do romancista, ensaísta e poeta Francisco Costa (1900-1988) e do poeta presencista Fausto José (1903-1975), mas haverá outros.

Uma nota marginal, incrédula e possivelmente preconceituosa sobre a inclusão numa obra deste teor de artigos sobre literatura feita por mulheres e por homossexuais: não são temasd, mas não vejo grande utilidade numa obra que pretende definir o cânone. É o espírito do tempo que levará, em obras futuras, a escrever-se sobre escritores vegetarianos, por exemplo. Que interesse tem isso para o Cânone, a não ser marginalmente? Não vejo.


* a notícia do Observador inclui o vídeo do lançamento do livro, que ainda não vi.

domingo, outubro 16, 2005

Castro em Vila Franca (5)

Tendo, em parte dos seus livros, o povo como tema, não o povo pitoresco, mas indivíduos pertencentes a determinados grupos sociais desfavorecidos, do emigrante ao seringueiro, da bordadeira ao contrabandista, passando pelo marçano, o pastor ou o operário têxtil, Ferreira de Castro foi o primeiro grande escritor içado do proletariado a operar uma transformação na perspectiva ideológica duma cultura, conseguindo, dessa forma, inscrever o seu nome individual no património literário nacional comum -- o que, convenhamos, não é pequeno feito.
António José Saraiva sustentou que ele «é o primeiro escritor português que não usa gravata.» (Iniciação na Literatura Portuguesa, Mem Martins, p. 158). Isto, que é um altíssimo elogio num país de literatos amanuenses, não significa a ausência de um apuro formal mais do que apropriado à intenção que ele tinha de comunicar-se intensamente. Tal como Régio, ele sentia-se acima de tudo escritor, e via as suas ideias veiculadas pelos livros como formas de servir a arte, e não o contrário... Lembremos as passagens avassaladoras sobre a floresta amazónica em A Selva, as cumeeiras do Barroso em Terra Fria, a tempestade, em A Lã e a Neve, os intensos diálogos interiores em A Curva da Estrada ou em A Missão, a investida dos índios ao acampamento de Nimuendaju em O Instinto Supremo, o primor dos textos memorialísticos, entre outros. Como escreveu Manuel Rodrigues Lapa, na sua clássica Estilística da Língua Portuguesa (4ª ed., Coimbra, p. 124), Castro é «um dos nossos mais elegantes prosadores».
Façamos também aqui um parênteses a propósito de um qualificativo que se tem colado a Ferreira de Castro, que de tão repetido se tornou num lugar-comum. A designação costumeira de «precursor do neo-realismo». No contexto nacional ela é imprecisa e irrelevante. Porque ou há várias maneiras de entender o neo-realismo, em que está sempre subjacente um conflito, um desajustamento social, a luta de classes, uma «tensão de devir», como diria Mario Sacramento, ou o neo-realismo tem de ser visto como a expressão artística de um desígnio político, que é o estar pelo menos de acordo com as posições do PCP sobre os diversos domínios em que a vida se exerce. Num contexto lato, direi, então, que Castro foi talvez o primeiro escritor neo-realista português , e não apenas um precursor; se o entendimento for restritivo, Castro que sendo um comunista libertário, um anarquista kropotkiniano, nunca quis pertencer ao PCP, não é neo-realista, nem precursor do neo-realismo, nem o seu romance A Lã e a Neve, que muitos costumam referir como uma das obras referenciais desta corrente, a começar pelo próprio Álvaro Cunhal, pode, desta forma emparceirar com Fanga, de Alves Redol, ou os Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.
Claro que isto se prende com a matriz ideológica do escritor, essencial para o percebermos, e aos seus livros.
Como disse inicialmente, Castro foi um libertário, um anarquista. O que distingue os anarquistas de outros sectores revolucionários da esquerda é a sua resistência a tudo o que possa restringir a condição livre do ser humano, a única que lhe é natural. E esse tudo manifesta-se nas formas corecivas de organização social, cuja expressão última é o Estado, mas também nas organizações «adjacentes»: igrejas, forças armadas, partidos políticos, tudo enfim, que de alguma forma possa coarctar a expressão da individualidade. Daí que, regra geral, os anarquista se associem por grupos de interesses sócio-profissionais, tendo sido precisamente na área sindical que registaram maior êxito organizativo.
Mas culturalmente também, o anarquismo foi muito forte entre nós, durante a I República. Está ainda por conhecer por dentro o grupo de intelectuais que se exprimia em jornais como o Suplemento Literário Ilustrado do diário A Batalha, a revista Renovação e também o histórico semanário O Diabo, escrito e dirigido pelos anarquistas do grupo de Ferreira de Castro: Julião Quintinha, Jaime Brasil, Assis Esperança, Roberto Nobre, Mário Domingues, Nogueira de Brito, Pinto Quartim e vários outros.
(continua)


(rectificado em 18-X-2005)

domingo, setembro 25, 2005

António José Saraiva

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Correspondências #14 - António José Saraiva a Óscar Lopes

[Viana do Castelo (?), 1948/1949 (?)]
Meu Caro
Mudei de ideias quanto à tese. Não interessa grandemente à geração de 70 tratar «exclusivamente» do Herculano. E é um erro considerá-lo como o mentor nacional único dos homens de 70. A releitura da parte do Portugal Contemporâneo relativa às tendências ideológicas que acompanham a Regeneração, e depois correspondem à ideologia revolucionária que prepara os acontecimentos de 68 a 70 fez-me ver que há uma intersecção de influências, correntes, temas, ideologias, atrás do Teófilo, Martins, Quental, etc. Ora é essa intersecção que interessa estudar como introdução ao estudo daqueles homens. Por outras palavras o meu estudo deve constelar-se não em torno de um homem mas de certas datas. Metodologicamente isto é muito mais perfeito e mais novo. É de resto aquilo que já ensaiaste nos Realistas e Parnasianos e no Bulhão Pato. Provisoriamente fixei o período 1851-1868, que tem o defeito de excluir obras importantes como a Felicidade pela Agricultura do Castilho.
Como trabalho prévio estou a recolher do Inocêncio a bibliografia do período citado. Depois encontrar-me-ei perante a avalanche do jornalismo da época. O Júlio Dinis reflecte um sector da mentalidade nacional da época: há um grupo de conformistas, burgueses típicos, como o Pinheiro Chagas, o J. César Machado, o Tomaz Ribeiro, o Paganino, que se anicham na Ordem que consideram estabelecida e perfeita quanto o podem ser as coisas deste mundo. Deles é o Júlio Dinis.
Tenciono ir para baixo no dia 9. Convidarei o Atanagilde para jantar comigo, e é possível por isso que não chegue a ir à tua casa. Tu podias aparecer por volta das 8, ou depois do teu jantar. Até às 10 há muito tempo para conversar.
Escreve.
PS -- Porque não jantas connosco? Convido-te.
Correspondência
(edição de Leonor Curado Neves)