À Senhora Condessa de N.*** Sobre o casamento duma dama alemã, que se casou com um italiano
Sim, Senhora, o que V. S. ouviu a respeito deste matrimónio é mais que certo. O noivo não fala tudesco, e a noiva não sabe uma só palavra de italiano. O negócio parece curioso, porém, perguntando-me V. S. o que penso dele, digo-lhe que o caso para mim tem pouco de extraordinário.
O amor é o pai de todos os homens, e todos os filhos assim o devem entender. É verdade que o amor ilícito, necessitando nas suas acções de máscara e de disfarce, necessita ao mesmo tempo de saber a língua do país, ou para melhor dizer a da pessoa a quem deseja comunicar-se; porém, quando o amor é conduzido por Himeneu, sem cuja companhia é mal recebido das gentes honradas, basta-lhe deixar-se ver para se fazer entender, e todo o mundo fala por ele. Em qualquer língua que se explique logo se sabe o que procura, e a mulher mais honesta, logo que ele se declara sem crime, o entende.
A razão que há para isto é clara. A linguagem do amor é uma tradição sincera e muito fácil de que a natureza é depositária, e esta não deixa jamais de revelar às mulheres a inteligência dessa linguagem logo que elas necessitam de entendê-la. Além disso o matrimónio tem expressões em que são desnecessários os intérpretes.
Não se admire pois V. S. de que duas pessoas estrangeiras e de uma língua tão diferente se resolvessem a casar, e creia como um artigo de fé natural que nesta qualidade de mistérios todo o mundo fala a mesma língua. Cuidei eu que V. S. sabia que a gente moça, casada, tem seus modos particulares de se entender, independentes de toda a qualidade de línguas que há na terra.
Entre todas as divindades o amor é a única que não mudou de serviço: o seu culto é agora o mesmo que foi no princípio do mundo: ainda se lhe dedicam os mesmos votos, ainda se lhe fazem os mesmos sacrifícios, ainda se lhe oferecem as mesmas vítimas, e quando dois amantes querem assistir juntos a estes mistérios ocultos, cheios do deus que os possui, compreendem em um momento todas as cerimónias e tudo o mais que se pratica em honra sua.
No presente caso não falta quem argumente dizendo: os nossos casados não falam a mesma língua, logo não se entendem. Respondo a isto: que, se se não entendem de dia, se entendem de noite. Dessa forma se entenderão na ametade da sua vida e isso não é pouco para gente casada. Quantos maridos conheço eu e quantas mulheres conhece V. S. que não desejariam mais? É infinito o número de casais que, falando a mesma língua, se não entendem em toda a vida. Tenho para mim que este matrimónio será ditoso para ambos, porém muito mais para o marido, porque, podendo gozar das carícias da noiva, está livre de ouvir despropósitos à mulher.
Corram críticas sobre o noivado, fervam sátiras sobre o casamento, este será sempre o meu parecer. Se V. S. o não aprova, aprove a firmeza, a sinceridade e a veneração com que protesto ser de V. S.
Muito venerador
Viena de Áustria, 30 de Janeiro de 1736.
Cartas
(edição de Aquilino Ribeiro)
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