sexta-feira, dezembro 06, 2024

o pior de Soares sempre foram os soaristas

Nunca simpatizei com a personagem, por razões muito diversas do ódio que lhe votava a grande massa dos chamados retornados ou da aversão que tinha por ele o PCP, partido a que pertenceu na juventude.

Uma das muitas coisas de que Portugal se deve orgulhar (um orgulho bem tardio, é verdade) é a Descolonização -- com todas as suas imperfeições --; a passagem do poder ao MPLA, ao PAIGC e à FRELIMO. Deveria ter sido outro o modo? Sim, mas a responsabilidade de como a descolonização foi feita deve-se apenas ao Salazar e entourage. Importante era descolonizar, em nome da decência; Soares foi um dos que esteve na Descolonização, por isso, viva Soares!

Soares liderou a contestação na rua aos que se preparavam para instaurar no país uma ditadura mais cruel e mais estúpida (parafraseio as palavras do sapateiro Manuel Joaquim de Sousa, antigo secretário-geral da CGT). Claro que Soares se aliou ao Diabo (Kissinger, CIA) e beneficiou do apoio da pequena burguesia assustada e da grande, defenestrada. É a vida.

E depois, foi o líder da nossa adesão à CEE. Não é sua a responsabilidade de a UE ser hoje uma entidade agónica e sem autonomia, dirigida por pequenos e habilidosos funcionários, da Úrsula ao Costa (neste último caso, é um vaticínio; gostava de me enganar, mas não creio). Ideia extraordinária a União Europeia, que talvez ainda possa ser salva. Não perguntem como, porque não sei, a não ser que a UE nunca o poderá ser enquanto as suas instituições não forem reformadas, com a obrigatória criação de uma segunda câmara que dê peso igual aos países, e com poderes reforçados, possivelmente numa perspectiva confederal.

Voltando a Soares, que não foi nenhum génio, mas um homem singular com qualidades e defeitos de sobra. Não admiro a pessoa, embora reconheça o seu lugar na História recente de Portugal -- uma obviedade, de resto. Mas o que sempre me causou particular repulsa foram os soaristas, coevos e póstumos, basbaques e engraxadores. Um horror. 

2 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Vamos ver, eu sempre fui, até por ser demasiado jovem, um ferrenho Soarista. O homem bateu-se por um projecto (olhe que não, olhe que não), que na sua génese surgia como regenerador, a CEE. Pergunto-me como Soares olharia a UE, a sua deriva totalitária e a guerra estúpida em curso. Estou em crer que seria dos primeiros a erguer a a sua voz contra, nunca saberemos. Seja como for, conheci Mário Soares pessoalmente num belo dia de primavera de 2016, vinha eu da cidade universitária e à porta da sua casa, confrontando com a presença do Homem, não resisti a interpelá-lo e pedir-lhe que me apertasse a mão. Assim o fez. Até hoje não me esqueço dos seus olhos, medindo a pessoa que tinha à sua frente e questionando porque me deveria apertar a mão e eu, basbaque, retrucando, porque era uma honra, porque ele era a pessoa mais importante do Portugal democrático. Foi um encontro furtuito, marcante. Bom, antes que me esqueça, Ricardo, para quando uma apreciação de Hugo Pratt e dos Escorpiões do Deserto? Tenho até uma citação em linha: Tenente Koinski: matataste o primo, Kord! Kord: o primo que se foda, ele não nos teria poupado. ;)

R. disse...

Eu estive com ele duas ou três vezes. Pessoalmente não tenho nada a dizer em desabono. Era um politicão, em vários sentidos.
Os Escorpiões do Deserto... Há anos que não leio. Há para aí uma edição completa, suponho que caríssima.
Abraço.