sábado, dezembro 28, 2024

o que está a acontecer

«Vi não sei onde, num jardim abandonado -- Inverno e folhas secas -- entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições. Puíra-as e a expressão não era grotesca mas dolorosa. Sentia-se um esforço enorme para se arrancarem à pedra. Na realidade isto é como Pompeia um vasto sepulcro; aqui se enterraram todos os nossos sonhos...» Raul Brandão, Húmus (1917)

«Com meias frases, outras que ficam pendentes -- Há dias que pouco falta para que faça uma asneira -- eu à espera de detalhes que não vêm, ele assombrado pelas recordações, entre nós um silêncio incómodo. / Malgrado os anos continua ágil, desempenado, mas o rosto tornou-se-lhe papudo, roxo do vinho.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2003)

«Era um homem que aparentava trinta anos, magro, mais alto que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando de pé, vestido com um certo desleixo não inteiramente desleixado. Na face pálida e sem interesse de feições um ar de sofrimento não acrescentava interesse, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava -- parecia indicar vários, privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares (póst., 1982) 

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Há os que indagam o modo como o poeta (Camões) vê o seu tempo e nele se situa. Há, enfim, os que lêem o poeta e os que lêem quem o lê.»
Carlos Ascenso André, "O Poeta no Miradouro do Mundo". Ensaios (2008)