Alberto não lhe dava atenção. Prendia-o a carta materna, com a notícia de que os republicanos haviam, enfim, resolvido amnistiar os insurrectos de Monsanto.
[...]
«Os republicanos... Os monárquicos...» Tudo aquilo lhe soava imprevistamente a oco, longínquo e sem sentido. Arrefecera-lhe a paixão, as suas antigas ideias pareciam-lhe de tempos remotos, dum outro eu que se perdera e esfumara na lonjura. Examinava agora, a sangue-frio, a sua causa vencida e nenhum ódio guardava para os adversários que combatera anos antes. [...] Cada vez sentia menos o domínio das teorias que o haviam forçado a emigrar e parecia-lhe mesmo que sobre elas se iam condensando, de modo ainda mal definido, uma razão diferente e um sentimento de justiça nova, mais profunda e mais vasta. «Em muitas das suas expressões, a vida rastejava ainda, em tanto mundo e ali mesmo, à altura dos pés humanos; e não era decerto com os velhos processos, já experimentados durante dezenas de séculos, que ela poderia ascender aos níveis que o cérebro entrevia. Não era, decerto, no que estava feito, era no que estava por fazer, que o homem viria a encontrar, talvez, o melhor de si próprio.»
Cap. XII, 32ª ed., pp. 225-226.
O redentorismo libertário tem aqui uma eloquente expressão, com a rejeição da divisão política, superficial ou dogmática, em favor de uma ideia mais vasta de ascensão comunitária projectando-se num futuro: «era no que estava por fazer, que o homem viria a encontrar, talvez, o melhor de si próprio.» Sem messianismo, como às vezes se diz, mas antes com uma convicção profunda na capacidade de auto-superação do género humano: a libertação do homem tem de ser feita pelo próprio homem. Este humanismo não se queda em especulação de gabinete, mas abre-se à acção; é, por isso, voluntarista, reactivo, proactivo, revolucionário, libertário, anarquista.
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