Alberto e Firmino acercaram-se. Lourenço jazia sobre uma esteira, no pequeno terreiro, e do crânio fendido saía a massa encefálica. Mão piedosa havia-lhe limpo o rosto. Tinha os olhos abertos, como que parados num último assombro; e os curiosos mais propensos à afeição reconstituíam ainda, no último jeito dos seus lábios, a ternura, feita de ignorância e de renúncia, com que recebia os seringueiros em dia de sorte no lago. Aos pés, a mulher contorcia-se em altos gritos e sobre o peito a filha ocultava a boca soluçante.
Alberto quedou-se a observá-la. Era dez réis de gente, corpito por desabrochar, braços franzinos aos quais se ofereceria uma boneca -- e só um cérebro desvairado pensaria em que ela tinha também um sexo.
[...]
«Senhor juiz, senhores jurados...» A lembrança desses mudos exercícios retóricos, quando de noite caminhava sozinho nas ruas silenciosas que o levavam a casa, trouxera-lhe de novo a sua angústia de pária. Antegozava, então, o êxito de advogado jovem que se impõe rapidamente, que se imporia, sobretudo, na acusação dos grandes crimes, com adjectivos de violência e combate que melhor se ajustassem ao seu temperamento.
Agora, porém, haviam-se desfeito os sonhos de triunfo, tudo falhara e ele sofria como se as suas próprias ideias fossem realmente como o queriam os adversários -- um crime a espiar! Evocava o assassino, evocava o meio em que vivia e a imaginada eloquência morria-lhe no cérebro, deixando uma herança incómoda.
Cap. VIII, 32ª ed., pp. 165-166.
Um seringueiro, Agostinho, mata Lourenço, um tendeiro que se recusara a autorizar que aquele desposasse a sua filha de dez anos. Agostinho é uma personagem particularmente asquerosa, a mesma que pratica um acto de zoofilismo sexual com uma égua, descrito no capítulo anterior, o que não torna fácil a conclusão do narrador. À frente haverá maior clareza quanto ao que representa a justiça penal numa organização social desajustada.
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