quarta-feira, maio 18, 2016

microleituras

Quem quiser conhecer a forma e o fundo da chamada literatura de cordel tem à mão este livrinho do velho Camilo, objecto de muitas edições ao longo dos tempos desde a edição princeps, sem nome do autor, publicada em 1848 (data que a presente edição nem se dá ao trabalho de informar).
A literatura de cordel, com as suas historietas mirabolantes, os seus relatos de crimes horrendos, fazia as vezes dos jornais tablóides e das estações de televisão, cuja luta entre si, à procura de sangue para a turba das audiências, é pelo menos tão miseranda quanto os crimes nefandos escarrapachados nestes folhetos, vendidos por esse país adentro, nas feiras, nos mercados, nos lugares de ajuntamento, a um público analfabeto que ouvia a leitura em grupo.
A história verídica que nos conta Camilo -- o matricídio de Matilde do Rosário da Luz pela sua filha Maria José -- é um (in)vulgar crime venal que a miséria humana conhece desde que se conhece. O que é giro neste folheto é a técnica espertalhona de Camilo de captar e impressionar o ouvinte do anúncio do conteúdo, no exórdio dirigido AOS PAIS DE FAMÍLIA!, de forma a ficarem logo agarrados ao triste caso, sinal claro de «que o fim do mundo está chegado» -- e abrirem os cordões à bolsa, é claro, que era o que interessava ao futuro autor do Amor de Perdição

o inicio: «Em Lisboa, na travessa das Freiras n.º 17 havia um homem chamado Agostinho José casado com Matilde de Rosário da Luz.»

(também aqui)

2 comentários:

Rui Luís Lima disse...

Li este pequeno livro numa edição da & ETC, já lá vão longos anos, o livro foi perdido, mas a história ficou para sempre na minha memória, a do livro e a que levou Camilo a escrever, editar e vender o pequeno livro.
Camilo é um dos génio da Literatura Portuguesa que merece ser descoberto pelas gerações mais novas. "O Retrato de Ricardina" permanece o meu favorito.

Ricardo António Alves disse...

De certeza uma edição melhor do que a minha.
Gostei bastante desse, mas é difícil escolher um favorito...