domingo, fevereiro 14, 2010

dos livros da minha vida

O que Diz Molero, de Dinis Machado (1977)
«Teve uma infância estranha», disse Austin. «Em última análise, todas as infâncias o são», disse Mister DeLuxe. «Molero diz», disse Austin, «que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que o transportava e, muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, asa tenra batendo à chuva.»
[Da 7.ª edição, na Livraria Bertrand, Venda Nova, 1978. Recriação poética dum passado que me era familiar já então: a memória duma certa Lisboa popular e boémia; as referências do cinema e dos comics americanos, veiculadas pelo meu pai, também ele alfacinha e, nascido em 1931, pertencente à mesma geração de Dinis Machado, que era de 30. Deu-mo a minha mãe, em Junho de 1983.]

A Selva, de Ferreira de Castro (1930)
Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H.J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na «Flor da Amazónia» mais rabioso do que nunca.
[Da 32.ª edição, na Guimarães & C.ª, Lisboa, 1980. Um dos maiores romances da literaturan portuguesa. Li-o por esta data, nos meus 16/17 anos, oferecido pelo meu pai. Desde então, reli-o várias vezes, por prazer e por obrigação, sempre com renovado prazer, tal é o poder encantatório da escrita de Castro e a realidade que ela nos dá, mais intensa que qualquer ficção.]
Seara de Vento, de Manuel da Fonseca (1958)
Rumurosa, às sacudidelas, bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado corre contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escuro do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado.
[Da 2.ª edição, na Portugália Editora, Lisboa, 1962. O Manuel da Fonseca é o meu escritor preferido da chamada geração neo-realista. Este romance é prosa de que emana uma épica que é uma estética, e também uma ética. Surripiei o livro ao meu pai, e fui certo dia no encalço do autor, para mo autografar.]

1 comentário:

Ricardo António Alves disse...

Obrigado, vou ler.