Desagrada-me a apropriação da música pelas empresas de publicidade. Aborrece-me que a memória me imponha inevitavelmente um aparelho de ar condicionado sempre que oiço as primeiras notas da Primavera de Vivaldi, sem que o padre vermelho tenha disso a mínima culpa. O mesmo se passa com um número interminável de outros compositores; mas, ainda assim, estalo os dedos... e adiante.
Agora o que não tolero é um certo tipo de pastiche, a produção de fancaria que toma conta de uma qualquer composição e a macula. Li algures um protesto veemente do afável Pat Metheny, insurgindo-se contra uma colagem abusiva que um espertalhão chamado Kenny G. fez, com um registo de Louis Armstrong, já não recordo qual. Qualquer coisa como se o Marco Paulo ou a Ágata se pussem a cantar por cima dos Verdes Anos...
Há associações espúrias. A menor delas não foi com certeza o do maravilhoso Bolero ao lixo de um indivíduo denomimado John Derek e a sua grotesca Bo. Esta excrescência lepidolática acabou, contra todas as nossas forças, por enodoar a música em nós -- já que a obra de Maurice Ravel basta-se em si, saindo indemne desta e doutras malfeitorias. Mas nós, contemporâneos desse flato abaixo de hollywood, mesmo que nunca o tenhamos visto -- como sucede comigo, que nem sei o título da coisa, mas era um rapaz novo e provavelmente impressionável pelas mamas postiças de Bo --, mesmo que nunca o tenhamos visionado, foi tal o bru-á-á em torno daquilo, que eu e outros da minha geração estamos condenados à companhia da nódoa até à morte. É como uma fuga radioactiva, que está lá, a envenenar, até ao fim.
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