sábado, janeiro 13, 2007

Uma leitura da «presença» #9

Os parâmetros desta continuidade [Orpheu-presença] têm sido motivo de controvérsia fecunda desde que Eduardo Lourenço, no início da década de sessenta, propôs para a presença a qualidade de agente da «contra-revolução do modernismo», notando, em autores referenciais da revista, «uma religação ao fluir tradicional da poesia portuguesa.» (33)
Ao reclamar o magistério de Pessoa, Almada, Raul Leal e outros, promovendo-os, divulgando-os, retirando-os do gueto em que se encontravam e dando-lhes outra respeitabilidade, a presença acabava por ser -- numa perspectiva cultural e sociológica --, consequentemente, mais subversiva. O ensaio de Lourenço remete para aspectos literários; só que dissociá-los da repercussão amplificada que os primeiros modernistas passaram a ter junto dum público mais vasto (34) é, quanto a mim, insatisfatoriamente restritivo.
Este é, sem dúvida, um tema movediço, pois ao reclamar-se uma continuidade de modernismos -- como Simões explicitamente fez, Régio de forma implícita e Casais de alguma maneira praticando-o enquanto poeta (35) --, há que ter em conta uma personalidade forte como a do autor de Jacob e o Anjo, demasiado singular para limitar-se a um como que epigonismo dos antecessores, e que gozava dum claro ascendente sobre os jovens (ainda mais jovens do que ele) Gaspar Simões e Casais Monteiro. (36)
(33) Eduardo LOURENÇO, «"Presença" ou a contra-revolução do modernismo português?», Tempo e Poesia, 2.ª ed., Lisboa, Relógio d'Água [1987], p. 162. Para além da rejeição veemente desta tese por Gaspar Simões e da aceitação, com algumas reservas, por Casais Monteiro, as ondas de choque que provocou chegaram até hoje. (É de notar que o ponto de interrogação não figura no título do artigo na primeira edição.) Se para David MOURÃO-FERREIRA, («Revisita à poesia da "Presença"», Os Ócios do Ofício, Lisboa, Guimarães Editores, 1989, p. 224), a presença susteve «o niilista processo de desagregação para que tendiam» os de Orpheu, para Eugénio LISBOA (O Segundo Modernismo em Portugal, 2.ª ed., Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984, p. 42), o objectivo dos seus autores foi o de «resistir e durar»; desaceleração que é, de todo o modo, avaliado de forma diferente pelos dois ensaístas: o que constitui ao mesmo tempo um mérito e uma limitação para o primeiro (ibidem), para Eugénio LISBOA (José Régio ou a Confissão Relutante, p. 25) tratou-se de um processo «de reflexão e consolidação» do caminho iniciado por Pessoa e companheiros. Em artigo anterior aos textos acima referidos -- e propondo uma espécie de solução de compromisso para uma nova questão havia pouco suscitada -- Jorge de SENA («A poesia de "presença" [1967]», Régio, Casais, a «presença» e Outros Afins, p. 77) defendera ter o segundo modernismo, «que os directores da presença representaram [,] impos[to] criticamente o Primeiro, sem ter imposto o experimentalismo dele».
(34) «A Presença foi a primeira publicação periódica modernista que, através de uma acção persistente e relativamente longa (de 1927 a 1940), alcançou audiência nacional.» Adolfo Casais MONTEIRO, «Introdução» [s.d.], O que Foi e o que Não Foi o Movimento da Presença, pp. 18-19.
(35) «Adolfo Casais Monteiro [...] foi, não só [entre os autores da presença] dos mais tocados pela sombra de Pessoa, como também um dos poucos que soube, na sua geração, assimilar e ampliar o vector vanguardista do primeiro modernismo.» Fernando J. B. MARTINHO, Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa -- do «Orpheu» a 1960, 2.ª ed., Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, p. 69.
(36) No caso do futuro autor de Elói é nítido o parafrasear da doutrina regiana. Basta ler. Claro que o que em Régio é exposto com a moderação própria de um pedagogo, em Simões as ideias ganham um juvenil e combativo entusiasmo, servidas muitas vezes por uma brilhante, e ao mesmo tempo polémica, enunciação.
(continua)

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