domingo, janeiro 28, 2007

Uma leitura da «presença» #13

Nesse mesmo ano [1936], o futuro Biógrafo de Eça e Pessoa faria a distinção escritor-artista / escritor-outro:
«[...] a finalidade do escritor-artista, isto é, daquele que não se serve da pena para divulgar ideias, não pode ser outra senão servir-se da pena senão na intenção gratuita de a si mesmo se revelar.
Sei que o momento é pouco oportuno para afirmações desta natureza. Começa-se agora em Portugal a adoptar um ponto de vista precisamente contrário a este. [...] cá dentro principia-se a ter a modernidade de reclamar que o artista e a cultura cuidem sobretudo dos interesses colectivos.» (44)
Posições contrárias a esta já haviam servido de mal alinhavado pretexto a Torga, que fomentara a dissidência de 1930, com Branquinho e Edmundo de Bettencourt (45); e culminariam com a séria desinteligência entre Simões e Casais, a propósito de uns pouco oportunos e quase insolentes «Diálogos Inúteis».
(44) João Gaspar SIMÕES, «Do progresso, da missão e da essência da arte», Novos Temas, p. 51.
(45) Como, aliás, é assumida a principal responsabilidade da cisão na «Vanguarda» (ver Miguel TORGA, A Criação do Mundo, p. 232). Sobre a crise, ver Adolfo casais MONTEIRO, «A poesia da Presença» [1972], O que Foi e o que Não Foi o Movimento da Presença, pp. 137-138; João Gaspar SIMÕES, José Régio e a História do Movimento da «presença», pp. 178-189 e passim; e Eugénio LISBOA, O Segundo Modernismo em Portugal, pp. 56-57. Crise que tem sido interpretada como um problema de despeito ou sensibilidade exacerbada na sua origem (conforme a benevolência de quem analisa), aparecen do Régio como alegado motivo da atitude tomada pelo poeta de Orfeu Rebelde. Se essa interpretação parece ser, até agora, a mais correcta, está por explicar a posição de Branquinho (director) e Bettencourt (fundador que dera o nome à publicação); não é crível imaginá-los como títeres do iracundo Adolfo Rocha. Já em 1936, pretendendo o concurso do futuro autor de O Barão para um novo periódico -- depois de com ele ter dirigido o número único de Sinal (1930) --, Torga informará: «A revista será dirigida pelo [Albano] Nogueira e por mim. O seu nome é Manifesto, e não será um sacrário da arte pura.» Carta de Miguel TORGA a Branquinho da Fonseca, s.d., Boca do Inferno, n.º 4, Cascais, Câmara Municipal, 1999, p. 142.
(continua)

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