quinta-feira, janeiro 19, 2006

Antologia Improvável #95 - Fernanda de Castro

A CORRENTE

Lá vão as folhas secas na corrente...
Lá vão as folhas soltas das ramadas...
Hastes envelhecidas e quebradas
galgando as asperezas da vertente.

A cheia arrasa os frutos e a semente,
a terra inculta, as várzeas fecundadas,
e vai perder-se ao longe, nas quebradas,
numa fúria cruel e inconsciente.

Em nós ainda é mais funda, ainda é mais vasta,
esta ansiedade enorme e sem perdão,
que nos fere, nos tolhe e nos devasta...

As árvores desprendem-se e lá vão...
Mas nós ficamos porque nada arrasta
as raízes fiéis dum coração.

Jardim

2 comentários:

Anónimo disse...

Fernanda de Castro, por vezes,excedia a si própria e escrevia poemas muito belos. É o caso deste soneto. Ficou quase no esquecimento por ser mulher de quem era e por algumas atitutes de pacto com o salazarismo que tornou públicas e que, por isso, lhe saíram caras. Há, ao longo da história de todos os países, casos assim que não sei se lhes deva chamar de exemplares. É bom recordá-la para que a sua obra não caia definitivamente no esquecimento. Um abraço

Ricardo António Alves disse...

É verdade, há que separar o artista das relações de circunstância. A Fernanda de Castro escreveu na República,no Estado Novo e depois do 25 de Abril. O que for bom sobreviverá.
Um abraço também.