quinta-feira, janeiro 05, 2006

Caracteres móveis #56 - Stig Dagerman

Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança um qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.
A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer
(versão de Paula Castro e José Daniel Ribeiro)

4 comentários:

Maria Noronha disse...

!!!adormeci e acordei a pensar em algo semelhante...mas este senhor exprime-se muito melhor!Adorei o post

João Villalobos disse...

Hmmm...pessoalmente tenho uma visão diferente dessa (im)possibilidade, mas este é um dos livros dele que tenho na prateleira e que li com muita atenção. Bem escolhido!
E agora ou ouvir outra vez o «Blackbird» ;)

Maria Noronha disse...

a impossibilidade (e era nisto que eu andava a pensar) não deveria tornar a vida absurda....fui pesquisar mais sobre e fiquei surpreendida, baralhada...e curiosa

Ricardo António Alves disse...

É o nada que nos espera que torna a vida absurda. O Vergílio Ferreira diz num dos seus diários qualquer coisa como isto: uma hora de eternidade é igual a mil anos de eternidade; isto é: uma hora de nada é igual a mil anos de nada. Há para mim algo que pode dar um sentido à vida, e tal é a minha descendência, a única coisa perene que me vai sobreviver, pois não sou Miguel Ângelo, Beethoven, Camões ou sequer Napoleão. E mesmo esses... Por isso, também ouço muitas vezes o «Blackbird» & outras músicas; tornam a vida possível de ser vivida.