É preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubam as árvores fruta-pão
para que passemos fome
e vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incendiada,
o telhado de andala flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro do andu
e ao cheiro da morte.
Nós nos conhecemos e sabemos,
tomamos chá do gabão,
arrancamos a casca do cajueiro.
E vós, apenas desbotadas
máscaras do homem,
apenas esvaziados fantasmas do homem?
Vós que ocupais a nossa terra?
in No Reino de Caliban II(edição de Manuel Ferreira) |
4 comentários:
Devo agradecer o quanto nos oferece de belíssima poesia. Muita dela, é por aqui que a vou conhecendo...
P.S. - Não tarda, um novo Estoril Film Festival :)
Eu é que volta a agradecer a sua atenção, Ana Paula.
É verdade, espero vê-la :|
No Reino de Caliban: Manuel Ferreira e outros estudiosos das literaturas africanas usaram muito a metáfora shakespeariana de Próspero e Caliban ("The Tempest"). Caliban é o colonizado que se apropria da língua do colonizador e com ela o agride. A metáfora é rica, mas tanto quanto sei não goza de grande simpatia entre alguns sectores da novíssima "intelligentsia" africana (falo por Angola).
Já agora, aproveito para dizer que conheci o Manuel Ferreira e a Amarilis, no final dos anos 60, como frequentadores do café Ribamar de Algés. Ficava o dito café, muito procurado por estudantes, junto à marginal. Era o último pavilhão no sentido do Dafundo.
Grande abraço,
É verdade, a metáfora é óptima, mas talvez demasiado forte.
O trabalho do M. Ferreira foi gigantesco e merece o reconhecimento de todos os que usamos o português.
Outro, meu caro.
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