sexta-feira, fevereiro 01, 2008


O rei ousou afrontar a politicalha monárquica, desviando-se do seu papel de moderador constitucional, ao impor João Franco como chefe do governo, em ditadura. Porque razão teve ele de o fazer, remete-se para o caos institucional em que o chamado rotativismo lançara o país. D. Carlos deixou aqui de obedecer à fórmula constitucional «o rei reina mas não governa», para assumir, por interposta pessoa, os escolhos da governação. Tal atrevimento não poderia ficar sem reacção: José Maria de Alpoim e o Visconde da Ribeira Brava (por ironia, antepassado directo da actual Duquesa de Bragança), membros destacados do Partido Progressista (do bacoco José Luciano de Castro, patrono do agora célebre Hospital de Anadia), que após o 5 de Outubro se passariam para o novo regime, estão implicados nesse acto bárbaro, perpetrado por um bando de fanáticos carbonários. Sabe-se hoje, depois do estudo sobre o regicídio levado a cabo por Miguel Sanches de Baena que as Winchester que atentaram contra as vidas do rei e dos príncipes foram compradas por Ribeira Brava, que a 1 de Fevereiro estava preso por participação no golpe de 28 de Janeiro. Alpoim, que conseguira escapar-se para Espanha, estava em Salamanca, com Unamuno, quando teve notícia do assassínio. «Mataram o cão!», disse o Alpoim ao grande mestre salamantino, que mais tarde o recordou, escrevendo a seguir: «Fiquei gelado»...
A fraqueza institucional do rei esteve em não ter o respaldo e a legitimidade do sufrágio universal. Mas esse era um problema do regime, não do homem. Este, um grande diplomata, um pintor de mérito, um oceanógrafo pioneiro, «abatido como um cão a uma esquina de Lisboa» -- como escreverá Raul Brandão nas suas Memórias --, foi assassinado pelas suas qualidades: a de não poder sancionar o regabofe da politicalha.
Dois anos depois, com mais ou menos retoques, mudavam as moscas.

6 comentários:

O Réprobo disse...

Não omitir as actas Republicanas do atentado confessadas por Aquilino, como a conjura descrita por Raul Brandão, com notícia do apreço em que as cúpulas do mesmo partido tinham o Costa, acrescentadas à morte dos regicidas pelos da própria cor, segundo a entrevista de Rodrigues Laranjeira.
Além de que "Ditadura", aqui, era mera governação por decreto, à espera de ratificação pelo parlamento eleito a seguir, expediente previsto na Constituição e de que, entre outros, Fontes e José Luciano se serviram. A raiva foi toda por ser concedida a um renegado da partidocracia, que pescava no campo do PRP.
Abraço

Ricardo António Alves disse...

Pois,que os republicanos conspirassem, não era de admirar; o mesmo não se dirá dos tais «partidocratas» monárquicos, atascados na conspiração até ao pescoço.
Ab.

O Réprobo disse...

Os Democratas são muitas vezes assim. Mas entre conspirar e matar não há uma diferençazinha?
Ab.

Ricardo António Alves disse...

Se os democratas são muitas vezes assim, que dizer dos outros... A diferença entre os assassinos e os seus municiadores não me parece grande. Aliás, para mim não é nenhuma. Ab.

estrelicia esse disse...

Tratava-se, acho eu, de encontrar um bode expiatório para uma situação calamitosa. O rei era a vítima ideal. Quanto aos culpados, alguns têm rosto e são facilmente identificáveis. Os outros ficam na sombra e são a maioria.

Ricardo António Alves disse...

É verdade Estrelícia. Para além de responsabilidades próprias, inerentes às dum chefe de Estado -- o país é uma panela de pressão à beira de estoirar --, o rei acaba por ser imolado às mãos da politicalha monárquica venal e dos jihadistas carbonários, pasto fácil para a propaganda e grandiloquência da politicalha republicana. O nojo que isto causa, cem anos depois, ainda é grande.