quarta-feira, fevereiro 27, 2008

estampa CXXVIII

Aurélia de Sousa, Auto-Retrato
Colecção particular, Porto

4 comentários:

lebredoarrozal disse...

que bonito é tão diferente do outro auto-retrato dela
(mas ao mesmo tempo é mto igual)

conheces o poema sobre o outro auto-retrato dela, escrito pelo

José Manuel Teixeira da Silva?

Ricardo António Alves disse...

Formidável, não é? Será o seu primeiro auto-retrato.
Não conheço. Onde pára?

lebredoarrozal disse...

aqui:P

Aurélia de Sousa na varanda sobre o Douro

É como quem se olhasse
num auto-retrato antigo e fluente
Ela sabe, como eu, da abatida constelação da casa
mas enfrenta-me, acabou de nascer
e abre imensamente os olhos
A névoa abraça-nos até ao osso
respira no ferro e no granito sob todas as mãos
Estranham-me a paixão dos retratos impassíveis
não sabem como visto
numa sombra perfeitamente de mim
a cidade que parti e não conheço
e nem sequer posso esquecer
Gestos soltos noutra varanda, ao fim da mesma tarde
entre escadas e o cais e o ar e o mar
Ela sabe, como eu, tudo desta casa
mas não pára de me encarar
tudo, edificação de sombras lentamente sobre sombras
o frágil furacão que vai ficando
Estranham-me a roupa escura e os olhos claros
o camafeu que disfarça os dois seios
sim. eles estão cá, inteiros, e apenas sou
a mulher que passa pelos pátios
Por mim, distraem-me os mínimos trabalhos
certa jardinagem, grades sobre rendas
Algo sopra dos fundos dos quartos
fecha as janelas, murmura versos que não possas viver
Mas ela pinta intensamente e se assim te debruça
atravessa-te toda a água do rio
o espelho inteiro da tua vida

José Manuel Teixeira da Silva

Ricardo António Alves disse...

Obrigado Lebre, gostei muito!