«...um território no qual os outros lutam.» Esta a definição desalentada do historiador libanês (cristão maronita) Georges Corm, em entrevista ao Público de hoje. Eis a tragédia daquele estado árabe, um país que alcançara um frágil equilíbrio entre as suas confissões (maronitas, xiitas, sunitas, drusos), após uma devastadora guerra civil.
Israel tem um problema original: o da sua criação forçada pela má consciência ocidental, que, em 1917, na Declaração Balfour, deu à nação judaica a grande expectativa de criação de um estado na Palestina -- aspiração que não mais poderia ser protelada após o inominável Holocausto. Só que o apaziguamento do remorso europeu foi feito à custa da população árabe, que era a maioria. E aí estão, dolorosamente, passadas décadas, os milhares de deslocados palestinos à força, espalhados pelos países limítrofes.
Não o posso esquecer, até porque sempre tive simpatia pela nação judaica e pela sua respeitável organização democrática interna. Isto não obstante considerar da maior justiça -- e da maior urgência, acrescentaria -- a criação do estado da Palestina.
A destruição em curso no Líbano é confragedora. O delicado equilíbrio político conseguido após, repito, uma longa guerra civil, estava a permitir àquele país uma paulatina normalização, um ambiente de desenvolvimento, um clima de cosmopolitismo que sempre foi o seu -- e que os milhares de estrangeiros de muitas nacionalidades que agora fogem dele demonstram cabalmente.
O que leva um país como Israel a perpetrar uma destruição desta amplitude? Não colhe o argumento do rapto dos soldados: a desproporção da reacção é tal que o argumento ganharia contornos do mais intolerável racismo, que é o de a vida de cada soldado valer cerca de cem civis libaneses mortos entretanto, sem que estas existências merecessem um esforço para que a crise fosse solucionada pela diplomacia. Essa não pode ser a razão, nem acredito que seja a medida de Olmert, de Peretz e muito menos de Perez.
Israel, sempre acossado pelos vizinhos, sente agora o perigo real das ameaças iranianas, verifica as dificuldades americanas na demência iraquiana e no impasse afegão, constata a impotência europeia, entre o embaraço e a duplicidade. Trata-se, portanto, de uma guerra de sobrevivência -- uma guerra suja, mas de sobrevivência.
A par da tentativa de neutralização do Hezbollah, improfícua a prazo, no quadro de correlação de forças actual, há ali um demonstração de poderio, um possível posicionamento estratégico dentro do país do cedro e avisos vários feitos a sírios e iranianos, à custa dos fracos libaneses. Resta é saber se um Líbano estraçalhado e não um Líbano estabilizado -- esse Líbano que extasiou Eça de Queirós na sua viagem oriental de 1869 -- servirá os interesses de Israel.
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