Os cadernos de Economia dos jornais provocaram-me sempre um interminável bocejo, só de lhes ler as gordas da primeira página. O seu destino era o caixote do lixo (ou, mais tarde, da reciclagem), normalmente com as páginas por abrir. A crise mudou tudo. Se a maioria daqueles artigos de opinião persiste intragável -- ou porque escrevem com os pés, os economistas-publicistas; ou porque, além de escreverem com os pés (há excepções; houve excepções: Leonardo Ferraz de Carvalho, por exemplo), não passam, boa parte deles, de debitadores da vulgata que está a deixar a Europa neste lindo estado. (Preparem-se: a Frente Nacional da Marine Le Pen vai ganhar o poder em França -- é uma questão de tempo, pouco -- e depois é que eu gostaria de me rir, se não tivesse todas as razões para chorar...) A coluna de Daniel Bessa, no Expresso, é exemplo dessa conformação baça à ortodoxia do pensamento económico-político dominante.
Não assim com o belga Paul De Grauwe, professor da Universidade Católica de Lovaina e na London School of Economics, na esplêndida coluna "Torre de Marfim", que o mesmo Expresso publica mensalmente, creio. Entre outras coisas, percebe-se que ele não tem mentalidade de funcionário cumpridor sem rasgo, como Vítor Gaspar, e muito menos da sua boca se soltariam cacarejos imbecis à Camilo Lourenço. Não, De Grauwe é inteligente, é culto e sabe pensar. Vale a pena ler o que Paul Krugman diz a este respeito, num post brilhantemente titulado, nada a ver com os bois que escrevem o economês rarefeito na imprensa.
Na "Torre de Marfim" deste sábado, com clareza meridiana, explica porque é que a imposição da política austeritária a países do sul só servirá para os empobrecer, não resolvendo, pelo contrário, agravando, as respectivas economias: quando os vários países desenvolvem políticas recessivas para controlo do défice, o bloqueio torna-se um facto e um fardo pesado. Se eu e o meu vizinho estamos a poupar mais, nem eu lhe compro nem ele me compra a mim, logo ambos estagnamos ou ambos vamos ao fundo.
De Grauwe é demolidor para com a Comissão Europeia, que acusa de estar ao serviço dos países credores do Norte, em vez de equilibrar a sua acção relativamente a todos os países da Zona Euro. E transcrevo o final da sua crónica: «É tempo de a Comissão agarrar o seu papel de defensora dos países devedores com o mesmo vigor com que defende os interesses dos credores. [...] As nações devedoras do sul enfrentam hoje um legado de níveis insustentáveis de dívida que continuará a arrastá-las para baixo durante muitos anos, se não décadas. A incapacidade das nações credoras e da Comissão Europeia que as representa de pensarem em termos dos interesses de todo o sistema cairá sobre eles como uma vingança quando os credores tiverem de aceitar a restruturação da dívida dos países do sul da zona euro.»
Sem comentários:
Enviar um comentário