A literatura não dispensa o trabalho sobre a linguagem, a palavra, a sintaxe e até a semântica. Sem isto, mas não apenas, ela não existe; o que existe é um encadeado de palavras banalizadas impressas no papel, cujo resultado final não ultrapassa a categoria do relatório, por muito ficcional que se possa apresentar.
Vem isto a propósito da entrevista de Rui Nunes a Maria Leonor Nunes, no último JL: "Só muito massacradas as palavras podem dizer alguma coisa. Precisam de ser dominadas, não no sentido da boa regra, mas para as obrigar a dizer qualquer coisa. / [...] / Aqueles livros que nos tocaram tiveram esse trabalho de violentação, os que não nos tocaram foram escritos com as palavras corridas. E as palavras quando correm, procuram-se umas às outras de um modo mais perverso."
Esta perversão a que se refere Rui Nunes exibe-se, quanto a mim, em várias circunstâncias que vão além da literatura: basta lembrarmo-nos da sedução publicitária, das ciladas contratuais ou da linguagem regimental e regulamentar, da língua de trapos do capitalismo desenfreado, lídima sucessora da língua de pau da propaganda stalinista. Mas também nas letras, se ousarmos qualificar como literatura a narrativa que se vende para agradar e lisongear o público, ou o poema sentido, com os desígnios mais utilitários.
Pois, não é arte da escrita, mas mercadoria de hiper, ali antes dos enchidos, à direita dos detergentes.
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