Vitorino Nemésio -- Entrava em pormenores. Margarida ouvia-o agora vagamente distraída, de cabeça voltada às nuvens, como quem tem uma coisa que incomoda no pescoço, um mau jeito. O cabelo, um pouco solto, ficava com toda a luz da lâmpada defronte, de maneira que a testa reflectia o vaivém da sombra ao vento. -- Mau Tempo no Canal (1944)
Assis Esperança -- Se não corresse o risco de receber da madrinha a reprimenda de lhe recordar, a propósito de tudo, as responsabilidades da sua idade, mulher já feita, circunspecta, tão precoce saíra -- pediria uma boneca. Das maiores. -- Sonho premente desde a infância, não conseguira mais que arremedá-lo de cambulhada e, entre outros, com monas de trapos: uma saia velha, um atilho apertado com força, a formar a cabeça, outro, a meio, a traçar a cintura. -- Servidão (1946)
Manuel da Fonseca -- Seca e breve como uma chicotada, a praga rompe dos lábios azedos da velha: / -- Raios partam esse vento! / Por instantes, as duas mulheres entreolharam-se. A velha, de punho no ar, a boca ainda aberta pelo grito. Júlia encolhida e receosa, como se acabasse de ouvir uma blasfémia. -- Seara de Vento (1958)
4 comentários:
Nemésio ! Achei ontem "Canto de Véspera" autografado: «Tende piedade dos Críticos, / Dai-lhes o Best-Seller».
É ótimo vir cá ler as postagens. Quando é que o blog faz anos? Desde já os parabéns.
Olha!, é hoje!
Obrigado, caro Jorge Guerra -- e também pela lembrança!
Um abraço
Se o Abencerragem faz hoje anos, também lhe dou os meus parabéns :)
Obrigada pela excelente companhia!
Eu é que lhe agradeço, Ana Paula :)
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