De olhos no copo, e não em mim, articulaste
umas palavras de que só me lembro
que faziam sentido mas não me lembro
qual era o sentido que faziam. Deviam ser
palavras nulas -- de quem escuta ou de quem diz?
As palavras nulas fazem sentido, poderia
ver-te no meio das pancadas no carro
da gente aos urros a festejar uma vitória,
com a cabeça de fora dizendo não façam
isso, sem ninguém perceber que essa tua cabeça
dali a pouco estaria encostada à minha.
E não era só a cabeça. Sempre junto ao mar,
adoravas ver as luzes dos barcos
e se não houvesse barcos o melhor era eu
tirar rapidamente as mãos. Esta é uma canção
ligeira, está agora muito em voga
mas tu não a ouves, claro, só lês Agustina,
só ouves Schubert, só lês Jorge Luis Borges.
Depois foi assim o tempo: o teu sorriso
passou de convidativo a irónico, de tranquilo
a feroz, quanto mais linhas te afundavam
o rosto, mais havia versos antigos
para repetir, pontes muito instáveis
(ora por causa da madeira, ora por causa
das cordas) entre coisas de amor
e coisas de pura atracção. Ninguém prega
no deserto, portanto a solidão não existe.
As palavras nulas fazem barulho,
mas não fazem mais nada, são uma espécie
de dialecto, não incomodam ninguém.
É estranho que haja quem difunda
as palavras nulas (parece um financiamento
para satisfazer um capricho, mas que lucro
se espera obter das palavras nulas?)
e ainda mais estranho que alguma gente,
que parecia decente e culta, as ache
profundas, merecedoras de serem seguidas.
Segredos do Reino Animal
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4 comentários:
Este não é nada mau.
Olha, Patrãozinho, deu-me para me meter no
http://corta-fitas.blogspot.com/
Abraço
Bom sinal! Eu logo vi que não te aguentavas muito tempo...
Ab.
Adorei o poema! :)
...e o livro é todo ele muito bom. :)
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