quarta-feira, setembro 24, 2008

JornaL


Uma pérola no JL de hoje, em magnífico dossier Machado de Assis. Na entrevista ao seu biógrafo, Daniel Piza, cita-se Harold Bloom, que defendeu ser o autor de Dom Casmurro não só um dos maiores génios da Literatura universal, mas também o maior escritor negro. Sobre esta condição racial diz Piza: «[..] naquele tempo, quanto mais se subia, mais branco se ficava. Pelo menos é essa conclusão a que eu chego comparando a pintura que foi feita para a Academia de Letras e uma fotografia muito anterior. Na primeira ele é todo branco, grego, na segunda, muito mais negro. Inclusivamente, no seu obituário escreve-se na alínea da cor da pele: branco»...

E já que estou no JL, um luminoso artigo de António Carlos Cortez, «contra a corrente», intitulado «Ensinar Literatura»: «Ignorar a ideologia do texto literário e submeter os alunos à simples etiquetagem dos textos por «tipologias» é cercear o entendimento da própria língua, quer na sua dimensão gramatical, quer na sua dimensão artística.»

E este, de José-Augusto França, «Camilo versus Eça», em recensão ao livro de A. Campos Matos, A Guerrilha Literária (Parceria A. M. Pereira), a propósito da clubite dos adeptos de Camilo e de Eça, entre outras que fomos encontrando ao longo do último século, nas artes e nas letras: «"Guerrilha Literária" diz então Campos Matos, e assim somente é, na realidade cultural em cena [... p]ara a qual será sempre preciso preferir o Sporting ou o Benfica... / ...Ou, por outros nomes, Amadeo ou Almada, Aquilino ou Ferreira de Castro, Torga ou Régio, Saramago ou Bessa -- e não há terceiros nomes ou clube do Porto que valham a dicotomia simbólica...»

Este JL, aliás, está recheadíssimo de páginas interessantes: Mafalda Arnauth comentando o seu último disco, Flor de Fado, faixa a faixa; um fragmento sublime de Eduardo Lourenço; uma resenha muito sugestiva de Guilherme d'Oliveira Martins duma visita a Cracóvia; um texto esplêndido de João Medina sobre «O Terceiro Homem» de Carol Reed com guião de Graham Greene; um depoimento notável de António Sampaio da Nóvoa sobre Eurico Gonçalves: «Eurico pinta com a mesma seriedade com que uma criança brinca»...

Dos «discos», duas das melhores páginas do jornal, passo a saber que houve «um Balzac da canção»: Pierre-Jean de Béranger, agora editado pela Alpha com a voz do barítono Arnaud Marzorati, Le Pape Musulman & autres chansons. E fica-me a curiosidade para conhecer Threshold of Night, de Tarik O'Regan, compositor britânico com origem no Magrebe, e ainda Un Dia, da argentina Juana Molina, cantora e compositora "absolutamente brilhante", assegura Manuel Halpern.

A errata deste número: n'«Os livros da próxima quinzena», O Essencial sobre Crítica Literária Portuguesa (até 1940), de Carlos Leone, ficou arrumado na secção «ficção e poesia». Ah! Ah! Ah! -- terá sido mesmo erro?


imagem daqui

4 comentários:

Ana Paula Sena disse...

Fico com pena de não ter lido. Parece recheado de tópicos dos mais interessantes.

Obrigada, RAA! Sempre fiquei mais informada e "alerta". :)

Ricardo António Alves disse...

Nem sempre é assim, mas o último número vale mais que o seu preço de capa (que não é pouco...)
Um abraço.

Lina Arroja (GJ) disse...

Excelente dossier sobre Machado de Assis. "O autor que os brasileiros não sabem ensinar e os portugueses não leêm" penso que era assim que o Público igualmente dizia.

Ricardo António Alves disse...

É verdade. Faz pensar...