sexta-feira, abril 25, 2008

Antologia Improvável #302 - Carlos Nejar (5)

RESTRIÇÕES

Uma parte de minha liberdade
bicada pelos pássaros,
e outra, na vidraça,
foi levada pela chuva.
Alguma parte dela
abandonei na rua
e outra o amor a consumiu
fazendo sua.

Outra o Estado a sorveu,
gota por gota,
por ser eu cidadão
tendo em conta leis,
pendões, brasões.
E o mais não sei.
Alguma réstia dela, alguma grei
dei aos pobres
por modéstia cristã,
que eles mastigarão
os ossos da solidão.
E outra esqueci entre as páginas
de um livro
com as borboletas de arquivo.

Que me fica da liberdade?
Como vou defendê-la em mim
se nenhum bocado me respira
ou busca cidadela na colina?

Defenderei então
a possibilidade,
as verbenas
que no seu lugar nascem
ou, quem sabe,
terei a humildade
para recolhê-la
de colmeia em colmeia.

Defenderei
alguma sobra dela,
a memória,
a vestidura,
a sela.
Defenderei os corolários,
o teorema de Pitágoras,
qualquer ideia
que a faça retornar,
embora velha.

Para ela
sempre haverá espera,
arreios e bala.


O Poço do Calabouço / Antologia Poética
(edição de António Osório)

3 comentários:

Ruela disse...

...herança da vigilância, repressão e sufocação de ideias proibidas.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

tchi, RAA!

Ricardo António Alves disse...

Por isso, meu caro Ruela, é que a liberdade precisa sempre de... vigilância, por causa daqueles que a querem subverter.

O Nejar costuma provocar efeitos assim, Júlia.