Uma parte de minha liberdade
bicada pelos pássaros,
e outra, na vidraça,
foi levada pela chuva.
Alguma parte dela
abandonei na rua
e outra o amor a consumiu
fazendo sua.
Outra o Estado a sorveu,
gota por gota,
por ser eu cidadão
tendo em conta leis,
pendões, brasões.
E o mais não sei.
Alguma réstia dela, alguma grei
dei aos pobres
por modéstia cristã,
que eles mastigarão
os ossos da solidão.
E outra esqueci entre as páginas
de um livro
com as borboletas de arquivo.
Que me fica da liberdade?
Como vou defendê-la em mim
se nenhum bocado me respira
ou busca cidadela na colina?
Defenderei então
a possibilidade,
as verbenas
que no seu lugar nascem
ou, quem sabe,
terei a humildade
para recolhê-la
de colmeia em colmeia.
Defenderei
alguma sobra dela,
a memória,
a vestidura,
a sela.
Defenderei os corolários,
o teorema de Pitágoras,
qualquer ideia
que a faça retornar,
embora velha.
Para ela
sempre haverá espera,
arreios e bala.
O Poço do Calabouço / Antologia Poética
(edição de António Osório)
3 comentários:
...herança da vigilância, repressão e sufocação de ideias proibidas.
tchi, RAA!
Por isso, meu caro Ruela, é que a liberdade precisa sempre de... vigilância, por causa daqueles que a querem subverter.
O Nejar costuma provocar efeitos assim, Júlia.
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