segunda-feira, março 24, 2008

Antologia Improvável #295 - Jorge de Sena (5)

O DESEJADO TÚMULO

Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se ali;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
ou deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros ali tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem lá estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na laje pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderam lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que é memória humana de azinhagas,
ali descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que se chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repeti-las).

25/12/1970

Visão Perpétua

2 comentários:

Ruela disse...

poderoso!!!

Ricardo António Alves disse...

...e complicado.