sexta-feira, fevereiro 29, 2008
6insignificâncias6
O meu velho amigo Paulo Cunha Porto quer que revele 6insignificâncias6 a meu respeito. Como não me posso eximir à solicitação deste meu amigo velho, aqui vão elas, que remédio!
1) Tenho uma predilecção, há quase 40 anos, por cães da raça boxer (um deles tomou conta da minha irmã bebé, outro tomou conta da minha filha mais velha bebé, outro ainda tomou conta da minha filha mais nova bebé).
2) Assino os meus livros no frontispício e nas páginas 25 e 101.
3) A BD sabe-me melhor com um chocolate e o chocolate sabe-me melhor com uma BD (os dentes ressentem-se).
4) Tenho a mania dos descapotáveis (sou encalorado).
5) Dou alcunhas, cognomes, títulos aos meus cães. O actual, Charlie, é conhecido cá em casa por Carlinhos Theron (uma homenagem).
6) Costumo fumar uma cigarrilha à noite no terraço, chova ou faça sol (de preferência na companhia do Carlinhos).
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
fala do homem falhado
pedes-me palavras
(só tenho as sílabas do desespero para te dar)
pedes-me amor
(nada mais vislumbro senão carne faminta a saciar)
pedes-me a imortalidade
e eu ergo o muro da descrença de alguma vez te ter
(só tenho as sílabas do desespero para te dar)
pedes-me amor
(nada mais vislumbro senão carne faminta a saciar)
pedes-me a imortalidade
e eu ergo o muro da descrença de alguma vez te ter
dos jornais
Portugal é hoje um país autofágico, dobra-se sobre o peso das infraestruturas de que ninguém precisa. Quantas casas estão hoje vazias, e sem qualquer possibilidade de virem a ser habitadas? Quantas centenas de quilómetros de autoestradas inúteis já existem? Quantas centenas mais se irão construir? Os estádios abandonados do Euro 2004, são um símbolo desta economia que tem governo, mas não tem estratégia nem estadistas. Viriato Soromenho Marques, no JL de ontem.
quarta-feira, fevereiro 27, 2008
caderninho
terça-feira, fevereiro 26, 2008
Figuras de estilo - Maria Archer
Maria aceitava-o por marido! Ia casar-se, ter casa, ter mulher! Já não se calaria, cabisbaixo, diante dos outros, dos amigalhaços, que, abancados na taberna, blasonavam de conquistas e amores. Agora, já tinha uma rapariga, como todos os homens! E em breve haveria filhos, e casa sua, e o direito de berrar em casa, e os outros privilégios dos casados.
«Entre duas viagens», Ida e Volta duma Caixa de Cigarros
segunda-feira, fevereiro 25, 2008
BD
Raul Castro Ruiz, que acaba de ser eleito pela Assembleia Nacional de Cuba com 100% dos votos (609 dos 609 deputados), aparece-me aqui com um ar jacobsiano, pelo traço de Edel Rodríguez, publicado na Time. Tem ar do tipo que transmite directamente instruções ao coronel Olrik.
domingo, fevereiro 24, 2008
Antologia Improvável #289 - Sebastião da Gama (2)
O IMPOSTOR
Lá porque eu tinha os loiros na cabeça
(os loiros que Ele deixara
cair ao chão de onde sou),
deram-me abraços na praça,
chamaram-me Poeta
e até fizeram discursos...
Ele, do Alto, sorriu
e riu
daquela tragicomédia,
dos meus ares de arlequim,
Mas consegui fugir ao seu olhar...
Por fim
acreditava, tanto como os outros,
que as palmas era pra mim.
Serra-Mãe
Lá porque eu tinha os loiros na cabeça
(os loiros que Ele deixara
cair ao chão de onde sou),
deram-me abraços na praça,
chamaram-me Poeta
e até fizeram discursos...
Ele, do Alto, sorriu
e riu
daquela tragicomédia,
dos meus ares de arlequim,
Mas consegui fugir ao seu olhar...
Por fim
acreditava, tanto como os outros,
que as palmas era pra mim.
Serra-Mãe
The Stranglers
sábado, fevereiro 23, 2008
caderninho
Aqueles que estão acostumados a julgar pelo sentimento nada compreendem das coisas de raciocínio, porque querem logo penetrar de relance e não estão habituados a procurar os princípios. E os outros, ao contrário, que estão acostumados a raciocinar por princípios, nada compreendem das coisas de sentimento, procurando nelas princípios e não podendo alcançá-las de relance. Blaise Pascal
Pensamentos (tradução de Américo de Carvalho)
sexta-feira, fevereiro 22, 2008
O Vale do Riff - Genesis, «Los Endos»
quinta-feira, fevereiro 21, 2008
O Vale do Riff - Genesis, «Dancing With The Moonlit Knight»
Selling England By The Pound (1973), o meu primeiro álbum dos Genesis, o contacto inicial feito através desta primeira faixa, «Dancing With The Moonlit Knight», épica. Sei trauteá-la até a dormir. Há quem considere o melhor álbum deles -- e talvez o seja. É pena o realizador andar a apanhar bonés, e não ter percebido de onde vinham os riffs alucinantes de Steve Hackett, sempre sentado. (1.ª postagem: 12/II/2007)
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
Figuras de estilo - Eça de Queirós
Olhemos agora a literatura. A literatura -- poesia e romance -- sem ideia, sem originalidade, convencional, hipócrita, falsíssima, não exprime nada; nem a tendência colectiva da sociedade, nem o temperamento individual do escritor. Tudo em torno dela se transformou, só ela ficou imóvel. De modo que, pasmada e alheada, nem ela compreende o seu tempo, nem ninguém a compreende a ela. É como um trovador gótico, que acordasse de um sono secular numa fábrica de cerveja.
Fala do ideal, do êxtase, da febre, de Laura, de rosas, de liras, de Primaveras, de virgens pálidas -- e em torno dela o mundo industrial, fabril, positivo, prático, experimental, pergunta, meio espantado, meio indignado:
-- Que quer esta tonta? Que faz aqui? Emprega-se na vadiagem, levem-na à polícia!
Uma Campanha Alegre
O Vale do Riff - Genesis, «The Return Of The Giant Hogweed»
Também de Nursery Crime (1971), «The Return Of The Giant Hogweed». Rock progressivo, chamaram-lhe, música elaborada, em crescendo tendencial, com margem para o improviso, por vezes só instrumental, outras com letras que fugiam do real banal. Eles foram dos seus melhores cultores.
Gravado em 1973, no Bataclan de paris. Repare-se que Steve Hackett levanta-se. (1.ª postagem: 9/IX/2006)
terça-feira, fevereiro 19, 2008
Antologia Improvável #288 - José Craveirinha (4)
EM QUANTAS PARTES?
E se uma mulher despida é sempre um desejo
E neste poema em quantos trapos
se esconde o rei da fome de cada um
Em quantas partes se divide um grito
em quantos corações se parte uma terra
em quantos olhos se come o sol
e em quantos pães se mata um sonho?
E se uma mulher despida é sempre um desejo
mais aperfeiçoado do que todos os milagres
o que significa neste Mundo o miolo
de um pão obsceno às metades
na mesa de seis bocas?
E quando é certo que um negro
dorme os velhos sonos tão completamente
só imitando outra pessoa a dormir quando já não pode
carregar um saco
ou levar o menino à escola
em quantas partes se divide um riquexó na ilha
em quantas partes se divide uma chávena de chá
em quantos sofás de mandioca se deita a filha mais nova
e em quantas partes se morde um bife de nervo
até ao delírio do osso no espaço tenro
do mundo na lua espetada num tronco
de imbondeiro no jantar engendrado no mato?
E neste poema em quantos trapos
se esconde o rei da fome de cada um
e levanta a cabeça o preciso
verso da fome de cada lei?
Karingana ua Karingana / Obra Poética I
O Vale do Riff - Genesis, «Musical Box»
Uma jóia, uma obra-prima «Musical Box», de Nursery Crime (1971). Gravado em 1972 na tv belga. Gabriel canta e representa de forma magnífica; Banks, na guitarra acústica e nos teclados, soberano; Collins, percebe-se porque é um dos maiores bateristas da sua geração, e porque acabará por ocupar o lugar deixado vago por Gabriel; Hackett, com uma fleuma assombrosa, um dos grandes guitarristas do seu tempo; Rutherford, a discrição em pessoa, pouco se dá por ele, mas sabemos que tem de lá estar. (1.ª postagem: 26/IX/2006)
segunda-feira, fevereiro 18, 2008
O Kosovo e a União Europeia
Temo que a secessão do Kosovo, promovida pelos Estados Unidos (cereja em cima do bolo duma administração de rapaces encabeçada por um pateta), temo que ela venha a marcar o princípio do fim da UE, definitivamente entregue aos bichos. Não são apenas os políticos risíveis da Comissão, como Barroso e Solana, mas os líderes dos grandes países europeus. Bernard Kouchner, por exemplo, um cretino que ainda há pouco ameaçou o Irão com uma guerra, provocando uma gargalhada geral; o insignificante Miliband, digno ministro dum Gordon Brown tacticista e politicamente cobarde, que muito justamente deverá perder as eleições; os italianos, que constituem a classe política mais ridícula da Europa, useiros e vezeiros em baterem o pé às desconsiderações que os outros «grandes» da União Europeia sistematicamente lhes fazem. Enfim é isto que está à frente da Europa, é isto que provável e desgraçadamente a irá enterrar: o fazer de conta de que os problemas não existem, disfarçando-os, dando-lhes a volta. Disfarça com o Tratado, assobia para o ar com o Kosovo.
Entretanto, com o Reino Unido com os dias contados, e a Espanha também -- duvido seja o que é hoje a breve trecho --, espero francamente que a Córsega também declare unilateralmente a independência. Seria bonito.
Finalmente, para completar a farsa, parece que Israel, país respeitável, mas que não se livra de efectivamente ser uma potência ocupante, também vai reconhecer um país de ficção.
O Vale do Riff - Genesis, «The Knife»
Segundo álbum de originais, mas o primeiro que realmente conta, é este Trespass, de 1970. «The Knife» é daqui retirado. O filme mostra o excerto de uma actuação no «Bataclan» de Paris, em 1973, com a formação de referência dos Genesis: Peter Gabriel (flauta, voz e percussão), Tony Banks (teclados), Mike Rutherford (baixo), Steve Hacket (guitarra) e Phil Colins (bateria, 2.ª voz e ... apito). Aliás é a partir desta experiência vocal que ele se chega à frente, após a saída de Gabriel, sucedendo-lhe, ponto de partida para uma carreira a solo de grande sucesso comercial, embora muitos furos abaixo dos Genesis, e também do percurso a solo de Gabriel, este com uma audiência mais restrita. (1.ª postagem, 1/XI/2006)
domingo, fevereiro 17, 2008
Darkness On The Edge Of Town
Que têm em comum John Ford e Raoul Walsh, Nicholas Ray e Elia Kazan, Sam Peckimpah e Samuel Fuller, Robert Altman e Martin Scorcese -- para além do cinema e da condição de americanos, por naturalidade ou adopção? Que pontos de contacto existem entre John Steinbeck, Dashiell Hammet e Jack Kerouac -- apesar do destino comum de diferentes escritas na Norte-América? E em Woody Guthrie e Bob Dylan, Elvis Presley e Eddie Cochran, John Fogerty, Neil Young e Tom Petty, trovadores e heróis da guitarra do folk-rock no Novo Mundo? Correspondem todos e cada um a uma certa ideia que fazemos da América -- e todos eles (e mais alguns), uma e outra vez, foram trazidos à baila de cada vez que um crítico se referiu ao trabalho do Boss.
A música de Springsteen, compromisso entre a tradição guthriana de intervenção e o rock and roll expressão do som e da fúria, é autêntica e viril. Expressões como «realismo social» (David Sinclair, Rock on CD, Greenwich, 1995) podem aplicar-se-lhe perfeitamente; e talvez o melhor exemplo seja este disco, de 1978, editado entre o também ele admirável Born To Run (1975) e o excessivo, e quanto a mim, parcialmente falhado The River (1980).
As palavras, nunca são despiciendas neste autor. Em Darkness on The Edge Of Town estamos em pleno imaginário norte-americano: os grandes subúrbios pejados de rebeldes desenquadrados (Badlands, you gotta live it everyday, / Let the broken hearts stand / As the price you've gotta pay, / We'll keep pushin' till it's understood, / And these badlands start treat us good -- «Badlands»); as autoestradas dos convertibles, do on the road, coast to coast (On a rattlesnake speedway in the Utah desert / I pick up my money and head back into town /Driving cross the Waynesboro county line / I got the radio on and I'm just killing time / Workin all day in my daddy's garage / Driving all night, chasing some mirage / Pretty soon littke girl I'm gonna take charge. -- «The Promised Land»); as fábricas e o struggle for life do operariado, certas composições de Springsteen transportam-nos para uma atmosfera pré-New Deal... (End of the day, factory whistles cries, / men walk through these gates with death in their eyes, / And you just better believe, boy, / Somebody's gonna get hurt tonight, / It's the working, the working, just the working life. -- «Factory»). O «vício estético» de Springsteen -- na feliz expressão de Laurent Chalumeau, crítico da Rock & Folk -- está também presente em textos de pulsão erótica (I've been working real hard, trying to get my hands clean, / Tonight we'll drive that dusty road from Monroe to Angeline, / To buy you a gold ring and pretty dress of blue [...] -- «Prove It All Night». «Noite» e «trevas» são presenças constantes na estesia springsteneana. Numa das faixas mais interessantes do álbum, «Candy's Room», a tensão inicial da música atinge os limites do suportável na voz cava e espectral de Springsteen, acompanhada apenas das percussões do piano e dos pratos da bateria (In Candy's room, there are pictures of her heroes on the wall, / But to get to Candy's room, you gotta walk the darkness of Candy's hall [...]), tensão abafada até à explosão da guitarra, seguida da dos tambores.
Muito bem acompanhado pela E Street Band, com destaque para o saxofonista Clarence Clemons e o pianista Roy Bittan. Steve Van Zandt surge como segundo guitarrista, em apoio do Boss. «Adam raised A Cain» e «Candy's Room» são dois exemplos de como o álbum está bem servido neste capítulo.
Um verdadeiro clássico, em suma.
sábado, fevereiro 16, 2008
caderninho
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
Caracteres móveis - Miguel de Unamuno
Se na morte do corpo que me sustenta, e a que eu chamo meu para o distinguir de mim mesmo, a consciência volta à inconsciência absoluta donde ela saiu, e se o mesmo acontece à de todos os meus irmãos em humanidade, então a nossa laboriosa raça humana não passa dum fatídica procissão de fantasmas, que vão do nada ao nada, e o humanitarismo é o que de mais inumano nós podemos conceber.
Do Sentimento Trágico da Vida
(tradução de Cruz Malpique)
quinta-feira, fevereiro 14, 2008
quarta-feira, fevereiro 13, 2008
Antologia Improvável #287 - José do Carmo Francisco (2)
A MENINA
Voltava-se e já não era criança.
Pouco tempo depois dum atravessar tímido na aldeia
em fim de tarde era o circuito da cidade, o rio à esquerda,
as ruas a transbordar.
As lágrimas leves sossegam a almofada adolescente -- sombras
e sorrisos em esboço numa janela a ver passar o tempo.
Voltava-se e já não era criança.
Medo enquanto se fazia já rapariga, um obscuro quarto de casa
com serventia de cozinha, os mesmos frangos e as batatas de
pacote, a melancolia.
Saudades da outra vida sem perigos nem sonhos presos a grandes
expectativas -- embora lento era um território conhecido,
era o passado e não custava percorrer os seus aromas e os
espelhos pequeninos comprados nas feiras entre pó e luz.
Voltava-se e já não era criança.
Leme de Luz
Voltava-se e já não era criança.
Pouco tempo depois dum atravessar tímido na aldeia
em fim de tarde era o circuito da cidade, o rio à esquerda,
as ruas a transbordar.
As lágrimas leves sossegam a almofada adolescente -- sombras
e sorrisos em esboço numa janela a ver passar o tempo.
Voltava-se e já não era criança.
Medo enquanto se fazia já rapariga, um obscuro quarto de casa
com serventia de cozinha, os mesmos frangos e as batatas de
pacote, a melancolia.
Saudades da outra vida sem perigos nem sonhos presos a grandes
expectativas -- embora lento era um território conhecido,
era o passado e não custava percorrer os seus aromas e os
espelhos pequeninos comprados nas feiras entre pó e luz.
Voltava-se e já não era criança.
Leme de Luz
terça-feira, fevereiro 12, 2008
segunda-feira, fevereiro 11, 2008
caderninho
domingo, fevereiro 10, 2008
sábado, fevereiro 09, 2008
12
Pede-me a Ana Vidal 12 palavras favoritas. Acho que não tenho uma palavra preferida, tenho muito mais de 12. Aqui vão algumas:
acervo
azul
bife
colo
compaixão
estepe
estúrdia
flanar
prândio
sangue
tempestade
voo
Agora peço vocábulos a 12 bloggers: Addiragram, Ana Paula, Cãocompulgas, Estrelícia Esse, Heitor, João Villalobos, JG, Nuno Guerreiro Josué, Paulo Cunha Porto, Purpurina, Ruela, T.
sexta-feira, fevereiro 08, 2008
Figuras de estilo - M. Teixeira-Gomes
quinta-feira, fevereiro 07, 2008
Antologia Improvável #286 - Sebastião Alba
QUANDO NASCEMOS ENTRAMOS
Quando nascemos entramos
no nome pela voz dos pais:
-- Dinis Albano...
Íntima e sonora identidade.
Chamam-me e volto a cabeça, dissuadido.
Na voz duma mulher
os nomes são
interiores a nós.
(Na dum polícia, desprendem-se,
como se apenas
os envergássemos).
Um amigo dirige-se-nos,
e as letras do nome
-- tu?!... -- correm de doçura.
Um dia, o nome,
por capricho duma veia ou dum fonema,
ocultamente, esvai-nos.
E por detrás dele,
alheados dos ritos,
nem sabemos da sua
cessação.
Noite Dividida
(foto)
Quando nascemos entramos
no nome pela voz dos pais:
-- Dinis Albano...
Íntima e sonora identidade.
Chamam-me e volto a cabeça, dissuadido.
Na voz duma mulher
os nomes são
interiores a nós.
(Na dum polícia, desprendem-se,
como se apenas
os envergássemos).
Um amigo dirige-se-nos,
e as letras do nome
-- tu?!... -- correm de doçura.
Um dia, o nome,
por capricho duma veia ou dum fonema,
ocultamente, esvai-nos.
E por detrás dele,
alheados dos ritos,
nem sabemos da sua
cessação.
Noite Dividida
(foto)
quarta-feira, fevereiro 06, 2008
Os anos do Imperador
Li algures que o Padre António Vieira foi o grande modernizador da língua portuguesa, o que me parece certo. Muito antes de Garrett, aliás.
Lembro-me de, há anos, ter assistido à recitação de um dos seus sermões, na Igreja da Misericórdia de Cascais, feita por um actor, a partir do púlpito. É uma sensação extraordinária presenciar aquele encadeamento das palavras e do pensamento, cheio de plasticidade e de sedução para com o ouvinte.
Longa vida ao Imperador da nossa língua, como o qualificou o Pessoa, nos seus 400 anos!
terça-feira, fevereiro 05, 2008
segunda-feira, fevereiro 04, 2008
Os demónios do Kosovo
Com a vitória do candidato «pró-europeu» à presidência da Sérvia, veremos em que moeda vão pagar aos sérvios quer a UE quer os Estados Unidos.
A vitória foi escassa, 130 mil votos, mas não deixa de aliviar aqueles que no Ocidente se preparam para sancionar uma das maiores vigarices da política internacional dos tempos actuais.
O Kosovo é, como se sabe, uma província histórica da Sérvia. O problema kosovar foi criado por Tito -- um croata -- que, com o propósito de minar a preponderância sérvia na federação iugoslava, tira da cartola a criação de duas regiões autónomas -- o Kosovo e a Voivodina, a sul e a norte, respectivamente, e a segunda com uma forte minoria húngara --, regiões essas que passaram a ter representação no conselho federal com peso igual ao das restantes repúblicas. Deste modo, pensava Tito, haveria um maior equilíbrio, cortando-se eventuais veleidades à concretização duma Grande Sérvia.
Daqui resultou que uma província que, pela sua localização geográfica fronteiriça, concentrara um grande número de albaneses se veja, com a fragmentação iugoslava, no centro dum conflito étnico, em que os sérvios se tornam minoritários numa parte do seu próprio país.
O resto é o que se sabe. Do ditador Tito, que retalha o país a seu talante (outra das suas grandes asneiras, de consequências nefastas, foi a concessão de um estatuto nacional aos sérvios e croatas muçulamanos da Bósnia-Herzegovina...), ao comunista-nacional-demagogo-populista Milosevic.
Não há dúvida de que a Sérvia -- tornada bode-expiatório da crise iugoslava -- tem de sofrer as consequências de se ter posto sob as ordens de Milosevic. Mas é inaceitável que tal seja feito à custa do bom senso mais elementar, que é o de conceder "independência" a um território que será um estado inviável, necessitando de tutela internacional sob pena de se tornar um cóio de ladrões, traficantes e terroristas (mais do que já é), à custa da humilhação de uma nação inteira.
Se a Europa sancionar esta solução, como parece querer a Alemanha, não estará a resolver nenhum problema, mas sim a adiar uma nova guerra nos Balcãs. Consequências dela? Nem ouso antecipar.
domingo, fevereiro 03, 2008
Figuras de estilo - Pinharanda Gomes
sábado, fevereiro 02, 2008
Antologia Improvável #285 - António Barahona (4)
MATRIMÓNIO DAS LUZES
XI
Que a vida chega ao fim, em qualquer momento,
não é novidade nenhuma nem sequer um susto,
mas apenas consciência do luto prévio
e previdente pano de fundo do meu trabalho
Que a vida chega ao fim, que pode ser princípio
e outras frases que tais que trazem água no bico,
não é novidade nenhuma para quem é um passarão
disposto a não morrer mesmo depois de morto
Que a vida não me chega e só o amor alcança
sem medir a distância e a duração do voo
Remédios, 30.X.90
Noite do Meu Inverno
XI
Que a vida chega ao fim, em qualquer momento,
não é novidade nenhuma nem sequer um susto,
mas apenas consciência do luto prévio
e previdente pano de fundo do meu trabalho
Que a vida chega ao fim, que pode ser princípio
e outras frases que tais que trazem água no bico,
não é novidade nenhuma para quem é um passarão
disposto a não morrer mesmo depois de morto
Que a vida não me chega e só o amor alcança
sem medir a distância e a duração do voo
Remédios, 30.X.90
Noite do Meu Inverno
sexta-feira, fevereiro 01, 2008
O rei ousou afrontar a politicalha monárquica, desviando-se do seu papel de moderador constitucional, ao impor João Franco como chefe do governo, em ditadura. Porque razão teve ele de o fazer, remete-se para o caos institucional em que o chamado rotativismo lançara o país. D. Carlos deixou aqui de obedecer à fórmula constitucional «o rei reina mas não governa», para assumir, por interposta pessoa, os escolhos da governação. Tal atrevimento não poderia ficar sem reacção: José Maria de Alpoim e o Visconde da Ribeira Brava (por ironia, antepassado directo da actual Duquesa de Bragança), membros destacados do Partido Progressista (do bacoco José Luciano de Castro, patrono do agora célebre Hospital de Anadia), que após o 5 de Outubro se passariam para o novo regime, estão implicados nesse acto bárbaro, perpetrado por um bando de fanáticos carbonários. Sabe-se hoje, depois do estudo sobre o regicídio levado a cabo por Miguel Sanches de Baena que as Winchester que atentaram contra as vidas do rei e dos príncipes foram compradas por Ribeira Brava, que a 1 de Fevereiro estava preso por participação no golpe de 28 de Janeiro. Alpoim, que conseguira escapar-se para Espanha, estava em Salamanca, com Unamuno, quando teve notícia do assassínio. «Mataram o cão!», disse o Alpoim ao grande mestre salamantino, que mais tarde o recordou, escrevendo a seguir: «Fiquei gelado»...
A fraqueza institucional do rei esteve em não ter o respaldo e a legitimidade do sufrágio universal. Mas esse era um problema do regime, não do homem. Este, um grande diplomata, um pintor de mérito, um oceanógrafo pioneiro, «abatido como um cão a uma esquina de Lisboa» -- como escreverá Raul Brandão nas suas Memórias --, foi assassinado pelas suas qualidades: a de não poder sancionar o regabofe da politicalha.
Dois anos depois, com mais ou menos retoques, mudavam as moscas.
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