sábado, janeiro 05, 2008

Figuras de estilo - Carlos Malheiro Dias

Conhecia a corte, o que havia a esperar de um príncipe educado entre frades, em coros de convento e sacristias de igreja, e a quem causava náuseas uma hemorragia de nariz. Vira-o melancólico e doente, acometido de vertigens, com as pernas inchadas, refugiado na câmara a solfejar cantochão ou entretido em conciliábulos de piedade e intriga com o guarda-roupa Lobato. Sem aspirações de rei, medrara nos paços da Bemposta, de Queluz e de Mafra como uma planta frágil, para ser um infante bondoso e inútil. Não o fadara Deus, nessa era de guerra universal, com têmpera aguerrida e rixosa. Em redor dele gravitava uma nobreza ambiciosa e intrigante, esgotadora do erário, exasperada de predomínio, absorvendo todos os cargos lucrativos e decidida a sacrificar o regente à sua gula de poder e de oiro. Os políticos eram criaturas omnipotentes e despóticas, formalistas e néscias, ocupadas em construir fortunas pessoais e a drenar o tesoiro em proveito das famílias. Nenhum grande vulto dominava os conselhos da coroa. Portugal podia ser dizimado. Os ministros encolhiam os ombros. Os seus latrocínios igualavam a sua indiferença.



Paixão de Maria do Céu

Caricatura de Arnaldo Ressano

4 comentários:

Ana Paula Sena disse...

A caricatura é o máximo!
Também gostei do texto.

Ricardo António Alves disse...

Muito bom, não é verdade?

T disse...

Muito bom mesmo.

Ricardo António Alves disse...

Qualquer dia haverá mais.