Conhecia a corte, o que havia a esperar de um príncipe educado entre frades, em coros de convento e sacristias de igreja, e a quem causava náuseas uma hemorragia de nariz. Vira-o melancólico e doente, acometido de vertigens, com as pernas inchadas, refugiado na câmara a solfejar cantochão ou entretido em conciliábulos de piedade e intriga com o guarda-roupa Lobato. Sem aspirações de rei, medrara nos paços da Bemposta, de Queluz e de Mafra como uma planta frágil, para ser um infante bondoso e inútil. Não o fadara Deus, nessa era de guerra universal, com têmpera aguerrida e rixosa. Em redor dele gravitava uma nobreza ambiciosa e intrigante, esgotadora do erário, exasperada de predomínio, absorvendo todos os cargos lucrativos e decidida a sacrificar o regente à sua gula de poder e de oiro. Os políticos eram criaturas omnipotentes e despóticas, formalistas e néscias, ocupadas em construir fortunas pessoais e a drenar o tesoiro em proveito das famílias. Nenhum grande vulto dominava os conselhos da coroa. Portugal podia ser dizimado. Os ministros encolhiam os ombros. Os seus latrocínios igualavam a sua indiferença.
Caricatura de Arnaldo Ressano
4 comentários:
A caricatura é o máximo!
Também gostei do texto.
Muito bom, não é verdade?
Muito bom mesmo.
Qualquer dia haverá mais.
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