[...] Félix de Sousa pagava fortunas aos fradinhos de São Coscurão, o Mandrião, o primeiro escravo alforriado a tornar-se santo, para que mantivessem um eremitério na praia de Ajudá, estes iam e vinham entre São Paulo de Luanda, São Tomé e os entrepostos da Costa dos Escravos, baptizando pretos por atacado, faziam o sinal da cruz e rezavam um pai nosso em latim, os escravos iam-se enfileirando, a cada um o frade soletrava-lhe o nome cristão, tu chamas-te Pedro, como o primeiro apóstolo, tu passas a chamar-te Tiago, irmão do Senhor, tu Madalena, a senhora do Senhor, mim Mimba, reclamava um dos escravos, não és, já foste, agora és João, o amigo do Senhor, mim ser Mimba, rerreclamava o escravo, e o feitor, ao lado do frade de São Coscurão, espetava-lhe um murro entre os olhos, és João e mais nada, e continuava, João, ouviste?, nada de Mimbas e Pimbas, o preto-língua calmava o capataz, que já alçara a botarra para desferir uma pontapezada entre as costelas do João, este anuía, mim ser Joau, o língua rectificava, não Joau, João, certo é João [...]
O Último Negreiro
(foto: Nuno Fox)
Sem comentários:
Enviar um comentário