sexta-feira, abril 06, 2007

Figuras de estilo - Eça de Queirós

Videirinha, depois de um curto cigarro, retomara o violão. Através da quinta, pedaços de muro caiados, algum trilho de rua mais descoberto, a água do tanque grande, rebrilhavam ao luar que resvalava dos cerros; e a quietação do arvoredo, da claridade, da noite, penetravam na alma com adormecedora carícia. «Titó» e Gonçalo saboreavam o famoso conhaque de moscatel, preciosa antigualha da torre, silenciosamente enlevados no Videirinha -- que recuara para o fundo da varanda, se envolvera em sombra. Nunca o bom cantador ferira as cordas com inspiração mais enternecida. Até os campos, o céu inclinado, a Lua cheia sobre as colinas, escutavam os queixumes do «Fado da Areosa». E no escuro, sob a varanda, o pigarro da Rosa, os passos abafados dos criados, algum sumido riso de rapariga, o bater das orelhas de um perdigueiro -- eram como a presença de um povo suavemente atraído pelo descante formoso.


A Ilustre Casa de Ramires

2 comentários:

MGomes disse...

Sem dúvida..., um Eça sempre a revisitar e a descobrir, tal a riqueza da sua prosa.
Bom Fim de Semana e Melhor Páscoa.

Ricardo António Alves disse...

Obrigado, boa Páscoa também.