quinta-feira, março 15, 2007

Antologia Improvável #208 - Alberto de Serpa

CÁ E LÁ

Senhor, lá longe há homens que se matam sem saberem porquê!
Lá longe, o céu tem nuvens que a maldade dos homens lá pôs!
Lá longe, há cidades que sobem para ti em chamas!
Lá longe, defazem-se nos campos cadáveres e frutos!
Lá longe, vão pelas estradas fugitivos curvados!
Lá longe, crianças conhecem, antes da vida, a morte!
Lá longe, não há lembrança nem sonho!

Aos meus ouvidos chegam os lamentos inúteis dos agonizantes.
Os meus olhos fitam o sol mais forte e não se fecham.
Na geada fria da manhã há fogo.
O vento traz-me o cheiro nauseante dos corpos apodrecidos.
Meus passos doem-me como se a carne pousasse sobre pedras afiadas.
E nunca me senti tão pai de todas as crianças que choram.
Onde, o meu sonho e a minha memória?

A Tua companhia, Senhor, mata todas as distâncias,
E lá longe é aqui na minha alma...

Drama -- Poemas da Paz e da Guerra


(da esq. p.ª dir.) João Alves, Sant'Ana Dionísio, Carlos Sanches,
José Régio, Jorge de Sena, Alfredo Pereira Gomes, Adolfo Casais Monteiro
e Alberto de Serpa
Café Palladium, Porto, Outubro de 1941

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