QUE BATE AS ASAS
É à noite que escrevo. Chego a casa e sento-me, o papel
é tão branco, tão limpo. Como ter braços para pôr devagar
à volta dos ombros redondos da rapariga; como beijar-lhe as orelhas
tão cheias de cor na tarde com árvores, com gente que passa.
Uma música da febre de Schumann vai-me ajudando a dissecar
os sentimentos. De pé, a tremer na sala vazia, enquanto os outros dormem,
eu compreendo por momentos que a vida, como uma borboleta
que bate as asas contra a luz escaldante da lâmpada, me
atormenta, me perverte. O operário da fábrica de automóveis,
o pintor de casas, dormem. A mulher e a criança, lá dentro,
sonham também. Cada um vive o seu destino secreto, espera
pelo tempo que há-de vir de novo, e eu,
à noite em casa, depois de ter estado de pé a deixar-me queimar
pelo aguilhão que a vida é, escrevo.
Na Pista, Entre as Linhas
terça-feira, fevereiro 27, 2007
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