NAMORO DE ALDEIA
Duas horas e meia da manhã:
o trabalho que espera sossegado,
o cansaço do fogo na lareira,
a caneta riscando e o cantar do galo
estremunhado
Deve pensar que são seis horas, este galo,
e o meu trabalho em sono, o fogo que me fala,
uma unha roída,
um cigarro fumado,
o café a fazer e o poema desfeito
em só cadência
Que tema é este sério a esta hora
breve da manhã, com o trabalho à espera
e o fascínio do fogo?
Deve pensar que possui tema, este poema
que não me evita e me namora ousadamente
a desoras na aldeia
O fogo estala e outro galo canta
e o meu trabalho enjoa sossegado
No romance parado do meu poema e eu,
o café já saiu, começou a chover
Escorrem gotas macias no telhado,
o fogo morre, o trabalho desperta
abrindo um olho lento
e o meu namorado parvo e tonto
carregado de imagens (e de outras coisas leve)
sai furtivo a desoras
Só deixou por roer
a unha do polegar
da minha mão direita
Minha Senhora de Quê / Poesia Reunida
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