Eu pescador que pesco por um instinto antigo
e procuro não sei se o peixe se o desconhecido
e lanço e recolho a linha e tantas vezes digo
sem o saber o nome proibido.
Eu que de cana em punho escrevo o inesperado
e leio na corrente o poema de Heraclito
ou talvez o segredo irrevelado
que nunca em nenhum livro será escrito.
Eu pescador que tantas vezes faço
a mim mesmo a pergunta de Elsenor
e quais águas que passam sei que passo
sem saber a resposta. Eu pescador.
Ou pecador que junto ao mar me purifico
lançando e recolhendo a linha e olhando alerta
o infinito e o finito e tantas vezes fico
como o último homem na praia deserta.
Eu pescador de cana e de caneta
que busco o peixe o verso o número revelador
e tantas vezes sou o último do planeta
de pé a perguntar. Eu pescador.
Eu pecador que nunca me confesso
senão pescando o que se vê e não se vê
e mais que peixe quero aquele verso
que me responda ao quando ao quem ao quê.
Eu pescador que trago em mim as tábuas
da lua e das marés e o último rumor
de um nome que alguém escreve sobre as águas
e nunca se repete. Eu pescador.
Lisboa, 26.12.96
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