terça-feira, junho 13, 2023

ser como um rio & outros caracteres móveis

«A princípio, esse novo cenário, todo fofo e confortável, perturbava-o; em breve, porém, Soriano se adaptara, que nem por mudar de leito os rios deixam de correr.» Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950) - «Como ela o fitasse apenas, sorridente e sem lhe falar, achou mais cómodo sentir-se ali o hóspede venerável, e tomar aquele silêncio ainda como uma cortesia.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954) - «Embora de teimoso castanho, abalados por entalões de carretos, chicoteados e entranhados por chuvas de invernos e invernos, os batentes do portão, lassos da corrosão das cunhas cinco dos seis chumbadouros, havia muito que não jogavam nos gonzos.» Tomaz de Figueiredo, A Toca do Lobo (1947)

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

"….Não tínhamos percorrido grandes metros levantou-se rente ao muro, que árvores baixas de caroço enfolhavam, do trevo que de joelhos andava segando, a silhueta que me deslumbrou na tarde enternecida do meu regresso. Reconheci-a logo; reconhecê-la-ia lá longe, na meta do horizonte, de cativos que ficaram os meus olhos. De nos ver, de me ver, mostrou-se tão estranha como eu também de a ver a ela. Mas o que para Aninhas é vergonhosa surpresa, para mim é regalado embevecimento. Não deve ter mais que dezasseis anos e é rija e tersa como vergôntea de oliveira. Possui cintura de ânfora, nativa, só comparável às que se vêem nas cidades espartilhadas. O rosto, ainda que sobre o trigueiro e chamuscado do sol, acusa arestas finas e harmoniosas. Há águas fundas, de cisterna adormecida, em seus olhos castanhos e uma rebeldia picante nos fiapos loiros que ao redor do pescoço e nas têmporas contrastam com os cabelos pretos. Apercebendo-se do meu delicioso estarrecimento, vejo-a corar e a sua confusão é onda que me inebria de deleite.
Já sabe que existo; já sabe que a admiro. O seu instinto de mulher profundou até aos abismos o turbilhão dos meus cuidados.
… Não é mulher; é ave dos prado; melhor, uma sílfide erguendo voo."
Aquilino Ribeiro, "Aninhas" (Novela), 1932.

R. disse...

Aquilino, esse grande silvestre...