Embora a política do Bolsonaro seja de temer (de Temer?...), estou na generalidade de acordo com o que escreve Luís Teixeira no Observador, no que respeita ao relativismo cultural, que a propósito de bons sentimentos (preservação cultural e étnica) acaba por ter uma atitude paternalista em relação aos povos indígenas.
Sou, aliás, particularmente sensível à indesejável subsunção do indivíduo a uma categoria grupal, seja étnica, política, religiosa, sexual.
Fui espreitar a página da FUNAI. O jargão usado é assustador, entre outras coisas, pelo irrealismo. Leia-se a pérola:
«A Funai entende que conhecer as regras de organização, de conduta, os pontos de vistas, valores, anseios e o tipo de relação que os povos indígenas querem estabelecer com a sociedade nacional é o primeiro passo para uma relação respeitosa e, consequentemente, para a elaboração de leis e para a implementação de políticas que atendam à construção de um Estado verdadeiramente pluriétnico.»
"A FUNAI entende"... A FUNAI é um mero organismo estatal, e não tem que entender nada. É a Constituição do estado de direito democrático que entende, e, em obediência à lei fundamental, o governo democraticamente empossado. O resto é paternalismo puro -- para não dizer racismo -- e inútil. Ter a veleidade de achar que os povos indígenas podem ser «preservados», não só é duma insolência intelectual abominável, como totalmente inexequível no mundo contemporâneo.
A pergunta é (deveria ser) esta: quem sou eu (quem és tu), para determinar que uma comunidade tem de estar afastada de outra para não ser contaminada? O quê ou quem te investiu nessa prerrogativa? Por que razão devo considerar-te outra coisa (uma cobaia), que não um ser humano por inteiro, e se pertenceres a uma comunidade com determinadas práticas a ética e o bom senso considerem nocivas, se o teu povo pratica a excisão genital, a decapitação dos inimigos, a menorização da mulher a todos os níveis ou a predação do planeta em nome de um alegado crescimento económico insustentável -- quem sou eu, quem és tu, para dizer que, como integras um povo com uma mundividência própria, estás autorizado a que as tuas meninas sejam sujeitas à ablação do clitóris, que os teus inimigos sejam torturados, mortos e desfigurados, que as mulheres do teu povo tenham de estar em sociedade parcial ou totalmente veladas, que podes continuar a delapidar o planeta em nome do crescimento económico, do bem-estar de curto prazo, do contentamento dos mercados, pois a tua índole é a da livre iniciativa.
Podíamos prosseguir a análise do parágrafo, até acabar com os votos pios de «um Estado verdadeiramente pluriétnico», o que com os pressupostos anteriores qualquer um vê que tal é irrealizável. A não ser que pretendamos acabar com o Estado (não parece ser o caso da FUNAI), e aí já seria outra a conversa.
Um bocado menos de ideologia de conserva e emprenhada pelos ouvidos e um pouco mais de bom senso e inteligência indicaria que a melhor forma de as sociedades preservarem as suas identidades é estarem munidas de todos os instrumentos que têm ao seu dispor para se defenderem -- pois que correm perigos evidentes, decorrentes da cupidez capitalista --, como certo líder activista índio que vi há tempos, com o seu telefone satélite. O resto é para atirar ao caixote do lixo da História.
2 comentários:
Postagem infeliz parar o momento que o Brasil vive. Os "horrores" descritos como possíveis práticas culturais encontram pouca ou nenhuma correspondência com a realidade das tribos indígenas brasileiras, que em sua imensa maioria querem apenas água sem mercúrio para beber etc.
Mas se for para combater os horrores descritos, melhor voltar as bateria para as nações islâmicas.
Aí talvez você possa contar comigo
Meu caro,
começo por aceitar que a postagem possa ser inoportuna para o momento que o Brasil vive, porém, se você reparou bem (e se não reparou, é falha minha), a postagem é muito menos sobre a situação dos indígenas do Brasil e muito mais sobre os indígenas europeus, e em particular portugueses.
Aliás, os horrores (sem aspas) a que me refiro, não são, que eu saiba, atribuíveis a povos indígenas do Brasil (ou deixaram-no de sê-lo há muito, refiro-me às decapitações dos inimigos, em determinadas tribos). A excisão genital é, como sabe, uma prática de uma determinada região de África; a menorização das mulheres está muito espalhada, mas se pensarmos no velar do corpo, da infame burka ao simples (e para alguns belo) tchador, em uso no ultra civilizado e sofisticado Irão (e não é por isso que vamos de deixar de verberar a indignidasde do seu uso obrigatório) tem a maior expressão no mundo islâmico; quanto à depredação dos habitats naturais, é o capital sem pátria, cor ou etnia o seu agente, embora tenha como principal braço armado os Estados unidos, com Trump e sem Trump.
Como vê, sou ecuménico. E já agora, pelo menos para alguns indígenas daqui, a sua predisposição de princípio em assestar baterias contra o islamismo radical, valer-lhe-iam desde logo um desconfiado olhar de lado por parte dos cautelosos, os mais histérico não hesitariam em classifica-lo como islamofóbico; e a partir daqui, de imperialista e racista para baixo.
Foi a estas criaturas que me referi, provavelmente de forma canhestra.
Um abraço
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