quinta-feira, abril 07, 2016

pares de estalos

Quando João Soares foi nomeado ministro da Cultura, não achei a coisa escandalosa, pelo contrário. Qualquer pasta ministerial precisa, antes de mais, de um político e não necessariamente de um elemento da área, muitas deles sem jogo de cintura para o cargo. Por outro lado, convém que não seja alguém totalmente destituído para a função, como, por vezes por aí aparecem, para risota geral. 
João Soares tinha um trabalho apresentável na Câmara de Lisboa, ainda como vereador. A meteórica actividade como editor, aliás já muito distante no tempo, apesar de alguns títulos importantes que publicou (uns melhor publicados que outros), não chegavam para qualificá-lo especialmente. O governo, porém, ainda é recente, e, enquanto cidadão eleitor, resolvi dar-lhe o benefício da dúvida -- que hoje se esgota.
Eu já havia ficado pèssimamente impressionado com o tom de bravata com que se refriu publicamente a António Lamas, alguém cujo serviço público mereceria respeito -- desde logo por parte do ministro. Agora surge esta patética ameaça de um par de estalos a Augusto Seabra e a Vasco Pulido Valente.
O texto de dura crítica de Seabra nunca justificaria este rastejar pela lama a que Soares sujeitou o governo; o de Pulido Valente, sendo embora muito desagradável para com o ministro, foi escrito no rescaldo do triste episódio com António Lamas, que indignou muita gente -- pelo que pode dizer-se que o ministro se pôs a jeito.
Mas esta tirada de Soares é muito mais grave, porque demonstra várias debilidades, a primeira das quais é a de o homem não se enxergar. Como alegado homem de cultura, ele é de facto insignificante, e nem é preciso ir compará-lo com Seabra ou Pulido Valente; por outro lado, Soares demonstra, de forma muito feia, a arrogância do Poder. Eu não sei se ele tem uma corte que permanentemente lhe faça vénias (não frequento cortes porque tenho nojo delas, dos cortesãos e dos que se deixam cortejar); o que está à vista é a noção idiota que esta gente tem de que é detentora poder ilimitado e que é inimputável. Mas não no tem nem o é -- por muito cortesão que lhe puxe o saco (como dizem os brasileiros, com graça) e clientela que possa ter.
Em democracia não há disso; e quem se iluda esse respeito, acabará certamente mal, como já acabou Soares que está politicamente defunto, mesmo que António Costa insista em ligá-lo à máquina, para que se possa dizer que há ministro da Cultura.

Adenda (8-IV-2016): Ficou ligado à máquina, e Costa, com a mestria que se lhe reconhece, limitou-se a desligá-la -- não sem algum estrondo.

9 comentários:

Dream Crusher disse...

Que falta de chá, de senso e de educação. Uma vergonha.

Jaime Santos disse...

Eu diria que Soarem tem salvação, mas teria que pedir desculpa aos visados e ao País e não sei se ele tem humildade e inteligência para isso. Por muito injustas que possam ser as críticas de Valente ou de Seabra, um Ministro ou tem a pele muito grossa, ou deixa de ser Ministro. Por outro lado, nada garante que se ele permanecer no cargo, não faça mais uma das suas proximamente...

Ricardo António Alves disse...

Entretanto, terá pedido desculpa, parece que da pior forma.

Jaime Santos disse...

Sim, de maneira perfeitamente pífia. Mas Costa fê-lo há pouco com toda a elegância e ainda meteu Soares na ordem. Mas convenhamos, o comunicado do CRUP sobre a cativação do orçamento das Universidades é bem mais grave que os dislates do Ministro e devia ter sido a notícia do dia. Isto mostra bem as prioridades dos nossos Me(r)dia (o termo é seu ;-) ).

Ricardo António Alves disse...

Também ouvi o Costa, e também acho que esteve muito bem. Claro que o Soares não se demite, como devia. Quanto aos me(r)dia, nada há a esperar...

Jaime Santos disse...

Demitiu-se há pouco, depois de ter pedido formalmente desculpas (tarde e a más horas). Mas só se demite porque é um teimoso, basta ver a justificação que deu, Costa não foi longe a ponto de lhe pedir que se demitisse. Não percebeu que no momento em que subiu a Ministro, deixa de falar por si e começa a falar pelo Governo. Sai da política pela porta pequena, ele, que não tendo tido uma carreira brilhante, fez apesar de tudo coisas pela cultura, sobretudo em Lisboa. E também teve a coragem de ser uma voz dissonante em relação a Angola. Por muito mau que Savimbi fosse, o tempo deu razão a João Soares em relação ao MPLA. É pena, mas João Soares não percebeu que o tempo do marialvismo e das bengaladas já passou na Política (ainda bem, digo eu)...

Ricardo António Alves disse...

Não tinha qualquer hipótese de ficar no governo: pela acção praticada, leviana e indesculpável (e indesculpavelmente leviana) pela desautorização e correctivo públicos do PM, porque afectava todo o governo, e porque a imprensa e a opinião pública nunca mais o largariam, tornando-lhe a vida num inferno (a dele e a do governo, que é do que menos precisa). A isto soma-se a reprovação generalizada de adversários e apoiantes do governo e as excepções patéticas e patetas que apareceram a defendê-lo. Estava ministro ligado à máquina, como escrevi no post.

Jaime Santos disse...

Não acho que uma ação estúpida como a de Soares justifique uma demissão. Bloquear a administração da Justiça (caso Citius), converter o início do Ano Letivo num Caos, demitir-se irrevogavelmente e readmitir-se a seguir, deixando o País à beira do abismo, ou não honrar as suas dívidas à Segurança Social, isso são motivos para demissão. Prometer umas bofetadas metafóricas (toda a gente sabe que Soares nunca recorreria à violência) é uma tontice, é indigno de um Ministro da República, mas resolve-se com um sincero e inequívoco pedido de desculpas. Tenhamos sentido de ridículo. Mas isso seria dar parte de fraco e 'abdicar da sua Liberdade de Expressão'. É disto que se trata, de Soares se recusar a comportar de outro modo e não aprender nada. Nesse sentido, a demissão é positiva, porque se demite por uma bagatela. A próxima podia ser bem pior...

Ricardo António Alves disse...

Bem, isso do Citius já é do domínio da irresponsabilidade, no mínimo. Quanto ao Soares, ele não aprendeu nada, como estou certo de que se verá muito em breve.