«[...] Atravessavam a mãe-do-rio. / E ali era a barriga faminta da cobra, comedora de gente; ali onde findavam o fôlego e a força dos cavalos aflitos. Com um rabejo, a corrente entornou a si o pessoal vivo, enrolou-o em suas rôscas, afundou, afogou e levou. Ainda houve um tumulto de braços, avêssos, homens e cavalgaduras se debatendo. Alguém gritou. Outros gritaram. Lá, acolá, devia haver terríveis cabeças humanas apontando da água, como repolhos de um canteiro, como môscas grudadas no papel-de-cola. A estibordo de Sete-de-Ouros, foi o berro convulso, aspirado, de uma pessoa repelida à tona, ainda pela primeira vez. Mas isso foi bem a uns dez metros, e cada qual cuidava de si.»*
João Guimarães Rosa não é um autor fácil, menos ainda para o leitor português. A minha experiência com ele é Sagarana (1946), uma 7.ª edição maravilhosamente ilustrada por Poty. Eu diria que Rosa é, não um escritor para escritores, mas um escritor para leitores exigentes e persistentes A dificuldade inicial torna-se, progressivamente, em encantamento, e a compensação da leitura é única.
* João Guimarães Rosa, «O burrinho pedrês», Sagarana, 7.ª edição, Rio de Janeiro, livraria José olympio Editora, 1965, pp. 66-67.
4 comentários:
"A dificuldade inicial torna-se, progressivamente, em encantamento, e a compensação da leitura é única."
Completamente de acordo :)
Boa noite.
Boa noite, Fátima :|
Outra excelente escolha, como sempre. Um mestre da narrativa, este Rosa. Eu, aqui entre nós, acho que a boa narrativa é sempre a que exige algum esforço do leitor. Ele tem é que se por a jeito, disponibilzar-se para ela. Coisa rara, hoje.
E além do mais, postagem oportuníssima.
Abraço
Obrigado, C.
Aquilo que é difícil, acaba por saber melhor, não é?
Outro.
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