domingo, fevereiro 15, 2009

clube de leitura - Funâmbulos, de Assis Esperança

Assis Esperança, Funâmbulos, Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1925. Inclui quatro novelas: «O rebanho», «Ruínas», «A inimiga» e «O vencido».
Dedicatória impressa: «Para /Ferreira de Castro / o grande amigo / estas novelas de símbolos».
Histórias de títeres, de figuras na corda bamba para quem a vida é demasiado grande para que a possam dominar. Vimo-lo n' O Rebanho, que aqui é republicado com alguns retoques. Nestas quatro novelas, Assis Esperança lança um olhar sombrio não apenas sobre a organização social que produz desaustinados como o Pedro de «O rebanho», mas também sobre a célula familiar e o casamento em particular. Em «Ruínas», um ser autoritário e hipócrita inflige terror ao filho, um jovem adulto demasiado débil, física e emocionalmente, para se lhe opor, e também ao velho caseiro, usurpado de um pedaço de terra que lhe fora prometido , de boca, pela antiga patroa, sogra do actual senhor. Filho e criado vergam-se ao despotismo e à insolência, sentindo-se aliados diante do inimigo comum. A oportunidade de suprimi-lo, que um deles cria, não será aproveitada pelo outro. As desinteligências entre ambos resultam num desfecho trágico. Em «A inimiga» como em «O vencido», o consórcio entre pessoas de ideias ou extracções diferentes produzirá vítimas. Num, o marido cerebral e todo devotado à obra intelectual tem nas mãos a vida da mulher -- criatura fútil e dissimulada --, quando esta se apresta a dar à luz; no outro, a ociosidade da mulher, doméstica culta e instruída que se acomoda à preguiça, sustentada pelo marido, propiciará preversões de desfecho fatídico, quando aquele traz para casa um meio-irmão, entretanto órfão, que padece de atraso mental congénito. O tédio da mulher encontra um escape na possibilidade divertidamente embriagante de seduzir o idiota.
Em relação ao romance anterior, Viver! (1919), Assis liberta-se do ouropel estilístico, bem como da minudência naturalista que o afectava. Zola e Abel Botelho estão indo, e surge-me aqui, porventura, a nova referência espectral de Raul Brandão, caso singularíssimo da literatura portuguesa -- ainda hoje, quanto mais ontem!...
Roberto Nobre, na sua capa, interpreta o título literalmente, aliás com acerto, pois Funâmbulos é isso mesmo: um desfile de bufões no circo da existência.

2 comentários:

vieira calado disse...

Li Assis Esperança há uns 50 anos.

Mas já não lembro o que li...

Já me vai faltando a memória...

Um abraço

Ricardo António Alves disse...

Um ilustre conterrâneo seu...
Outro.

Obrigado, Portaria, lá irei.