domingo, fevereiro 22, 2009

clube de leitura - O Dilúvio, de Assis Esperança

Assis Esperança, O Dilúvio, Sociedade Contemporânea de Autores, Lisboa, 1932. Inclui as narrativas breves «O senhor Morgado-Martins», «Uma aventura peregrina», «Três aspectos e uma só personagem», «O homem que perdeu o passado» e «O dinheiro».
Contos contra a quietação e a indiferença, o egoísmo e a pulsão interesseira: «Pertencem ao número dos inconscientes que se entregaram à mercê da corrente, as personagens destas novelas.» (da «Introdução»). Desfile de caracteres a quem a vida interpela: simples e ingénuos caídos nas armadilhas urdidas por outrém, fura-vidas que tiram partido da cupidez dos que com eles interagem, hipócritas prontos a trocarem os alegados padrões morais por bens bem mais materiais, preconceituosos que sacrificam à conveniência social a felicidade possível, derrotados que em vez do impulso libertário e libertador se quedam pela resignação amarga.
Personagens como o Sebastião Rodrigo de Melo e Castro, o fidalgo algarvio de velha cepa de «Uma aventura peregrina», ansiando pela tranquilidade que lhe permitem os rendimentos da venda das terras na província natal e no Alentejo para se dedicar ao estudo do árabe, o verdeiro interesse da sua vida; ou Rui de Albuquerque, ausente no estrangeiro por seis anos, vindo a encontrar família e amigos outros que não os deixados quando da expatriação, introduzindo nele próprio um factor de estranhamento, são figuras psicologicamente encorpadas. Estamos no mesmo ano do Elói ou Romance numa Cabeça, de João Gaspar Simões e na década do Jogo da Cabra Cega (1934), de José Régio. Ver-lhes as aproximações e as distâncias seria um exercício curioso.
A capa, com um Noé macróbio e bicharada da criação em arca de proa bem lusitana, é de Roberto Nobre e ilustra a magnífica introdução de Esperança.

6 comentários:

Manuel Nunes disse...

Nunca li este autor. Mas já que chamou à colação os dois eminentes presencistas, digo-lhe que acabei hoje de ler a "Porta de Minerva" do Branquinho (romance admirável, o autor não é só "O Barão" e a "Bandeira Preta"). Vou atacar de seguida os "Amigos Sinceros" do JGS (dedicado ao Régio, uma espécie de confronto espiritual entre as duas personalidades: JGS-Régio). O "Elói" fica para depois. Enfim, deveres de escolar.

Ricardo António Alves disse...

Viva Manuel! Esperemos que os livros do Assis possam reaparecer nas livrarias brevemente -- dele e de tantos outros, a começar pelos nossos amigos que cita. O Régio e o Casais têm tido a IN-CM a cuidar deles, felizmente. O Branquinho tem O Barão, e quem tem O Barão, está garantido para a posteridade, creio eu. Mas o panorama é negro...
Um abraço.

Ana Paula Sena disse...

Gosto imenso desta sua rubrica, RAA! Eu sei que já tinha dito :) mas dá-me prazer repeti-lo.

É que aprendo imenso consigo. Confesso que este autor nunca li. E tenho pena, parece excelente.

Assis Esperança... Tomei nota! Obrigada!

Ricardo António Alves disse...

Que bom, Ana Paula, obrigado :|
Hoje em dia, só em alfarrábios, infelizmente...
Um abraço.

Lina Arroja (GJ) disse...

O que o RAA conseguiu!
Hoje passei mais uma tarde enfiada num alfarrabista à procura de coisas interessantes. Do Assis nada, mas encontrei o "Ciclorama Critico de um Tempo" do Carlos Malheiro Dias e também comprei "A Missão" editada pela Guimarães,na Colecção Horas de leitura.

Ricardo António Alves disse...

Grandes compras, GJ!