domingo, outubro 05, 2008

Figuras de estilo - Almeida Garrett

Oh! nobres paços da risonha Cintra,
Não sobre a roca erguidos, mas poisados
Na planície tranquila....................................

A grande questão de jurisconsultos e historiadores sobre se houve ou não nas Hespanhas o sysytema feudal propriamente constituido, talvez em grande parte possa resolver-se pelo estudo e exame dos monumentos de architectura. Quem descendo o Rhim e vendo aquelles tam ricos e pitorescos montes coroados de castellos senhoriaes ainda ouriçados d'ameias e bastiões -- quem não dirá: «aqui dominou o Feudalismo em toda a sua plenitude?» -- Mas o que visitar as aridas serranias, as florentes veigas de Portugal e Hespanha, e vir coroadas as suas alturas de esmoronadas fortificações moirescas, e o paço do nobre, o mosteiro do religioso, o casal do lavrador, a choupana do pegureiro todos egualmente espalhados pela aba da serra, ao longo do valle, e sem mais distincção, apenas differentes nas proporções ou no gosto do edificio -- esse dirá necessariamente: «Aqui um povo de irmãos se uniu para expulsar o dominio africano; de um para outro não havia servidão nem senhorio, nem mistér de castellos e pontes lavadiças: destruiram o inimigo comum e ficaram vivendo em paz, com muito o que muito tinha ou adquiriu, com pouco o que tinha pouco; mas não houve raça privilegiada e exclusiva de possuidores do seu -- raça exclusiva de trabalhadores no alheio.»
O estudo das artes é de mais auxilio á sciencia, do que talvez ella cuide em seu orgulho.


Camões (nota ao Canto Sétimo)

4 comentários:

addiragram disse...

Interessantíssimo texto. Foi um prazer lê-lo.

Manuel Nunes disse...

Para os românticos, a Idade Média era o período mítico da fundação das nacionalidades, o tempo inaugural onde se caldeara o espírito dos povos. Daí até se negar a existência de senhorios e servidão, corre um discurso que a conveniência política justificava. O liberalismo ergueu-se contra a monarquia absoluta e, de facto, a nossa realeza medieval sempre aparentou a prática duma soberania aberta, com as suas frequentes itinerâncias e a regular convocação das Cortes. No resto, vigorava o direito especial, a lei do mais forte, o privilégio de classe. Um texto muito interessante, de facto.

Ana Paula Sena disse...

Também encontrei o texto deveras interessante. Leva a pensar em muito acerca do passado, em particular, nessa força que pode resultar das circunstâncias.
E assim, a estrutura feudal parece não ter sido absolutamente rígida...

Obrigada! :)

Ricardo António Alves disse...

É isso, Addiragram, lê-lo é um prazer. Por vezes, em algumas das suas obras, prefiro as notas ao texto propriamente dito...

Caro Disperso: é um texto muito romântico do Garrett, duma Idade Média idealizada. Mas ele tem razão neste ponto: por aqui não houve feudalismo, entre outras razões porque o monarca (ou o seu sucessor, quando surgiam conflitos entre o rei e os senhores, que se agregavam em torno do filho) era sempre o centro do poder.

Pois é Ana Paula, em Portugal não o foi, porque não existiu feudalismo, mas senhorialismo, coisa que o Garrett, em delírio patriótico-poético, nega...