terça-feira, julho 10, 2007

Antologia Improvável #239 - António Botto (3)

PALAVRAS DUM AVESTRUZ TODO GRIS

Arrancam-me as penas
E eu sofro sem dizer nada:
-- Sou ave
Bem educada.

E, se quisesse,
Podia
Morder-lhes as mãos morenas
A esses
Que sem piedade
Me roubaram estas penas que me cobrem.

E, no entanto,
Sem o mais breve gemido,
O meu corpo
Vai ficando
Desguarnecido.

E elas,
Aquelas
Que se enfeitam, doidamente,
Com estas penas formosas
-- Que são minhas! --
Passam por mim, desdenhosas,
Em gargalhadas mesquinhas.

Sim, eu sofro sem dizer nada:
-- Sou ave
Bem educada


Motivos de Beleza / Líricas Portuguesas. 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

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