Brístol, 14 Setembro, 1885
Minha Senhora
Agora que recebi, com que reconhecimento e alegria escuso de o dizer, o consentimento de sua mãe, como tinha recebido o seu, -- creio que posso escrever-lhe directamente. Desejava mesmo fazê-lo intimamente; -- e é à mon coeur défendant que digo ainda minha senhora por um resto de hesitação e de embaraço. Mas a nossa situação é tão original! Há meses apenas, separávamo-nos meros amigos, aparentemente. (Digo aparentemente porque, do meu lado, os meus sentimentos, fosse qual fosse a reserva que eu lhes impunha, não podiam decerto ser definidos por essa grave e regelada palavra amizade). E eis que, quase de repente, e sem transição como nos sonhos, nos encontramos com os nossos destinos ligados um ao outro para sempre! Faltou pois nas nossas relações esse lento desenvolvimento e transformação que faz com que se passe insensivelmente das formas de simples simpatia às formas mais carinhosas da perfeita união de corações. E aí está como eu me acho a dizer-lhe, como outrora -- minha senhora. Creio que nestas circunstâncias originais, o que temos a fazer já é tratar alegremente de briser la glace. E esta carta não tem mesmo outro fim. É como se eu em pessoa me adiantasse para si, com um bocadinho de embaraço naturalmente, e lhe dissesse estendendo-lhe a mão: Bem, está tudo arranjado, conversemos! E Deus sabe o longo, longo desejo que eu tenho de conversar! Estou-me mesmo reprimindo heroicamente para não encher páginas por aí além com as coisas infinitas que tinha a dizer-lhe! Verdadeiramente infinitas, sentimentos, esperanças, perguntas, dúvidas, mil coisas!... Mas, como disse, esta carta é apenas um primeiro encontro -- um desses primeiros encontros, encantadoramente embaraçados, em que o muito que se sente é sobretudo expresso pelo pouco que se diz. Da sua parte espero que venha também um pouco ao meu encontro mandando-me algumas linhas com a pressa que o seu coração lhe pedir. Assim a glace sera toute à fait brisée. E eu mesmo começo, abandonado o cerimonioso minha senhora -- e pedindo-lhe, minha cara amiga, para me dizer todo seu, e para sempre, com a mais perfeita, absoluta afeição.
Queiroz
Correspondência Epistolar
(edição de A. Campos Matos)
Sem comentários:
Enviar um comentário