domingo, outubro 01, 2006

Correspondências #61 - Carlos Lobo d'Ávila a Oliveira Martins

Cascais 29 de Setembro 85

Meu caro Oliveira Martins
Há bastantes dias que estou com tenção de lhe escrever. Mas esta mofina vida de praias é esterilizador até para a epistolografia. De resto, tenho tido as Novidades quase sempre às minhas costas, o que é um verdadeiro pesadelo para a m.ª preguiça em vilegiatura. Enfim, passons au déluge!
Escrevi ao Navarro uma larga carta depois da conversa que tive em Lisboa com o meu amigo. A m.ª carta foi a Buarcos, cruzou-se com o Navarro no caminho, e só o veio apanhar de novo em Lisboa, onde ele esteve alguns dias. É claro que eu me referia à polémica entre a Província e o Popular, ao conflito inevitável criado por ele, e que lhe perguntava o que pensava a tal respeito.
O Navarro respondeu-me franco e claro. Não quer sacrificar-se pelo Mariano, mas não quer identificar-se com a guerra que lhe fazem. A sua fórmula foi esta: por ora só sei para onde não quero ir. O meu amigo compreende o caso; é para o José Luciano. Sabe também como eu penso a tal respeito, e percebe portanto a flutuação, a incerteza, a anódina reserva em que paira por isso a orientação das Novidades.
De resto não insisto em comunicar-lhe o meu modo de pensar pessoal sobre as coisas e os homens. O meu amigo de sobejo o conhece. Sabe também como eu admiro o seu talento, prezo o seu carácter e estimo a sua pessoa. Tenho fé em que a vida nova há-de afinal triunfar; mas a nossa suprema dificuldade, neste momento, além da febre de ganância que oblitera os carácteres políticos, é a pouca robustez do nosso bom e querido Braamcamp, sobre cuja morte descontam já as suas letras todos os magnates do partido progressista. Garantam ao Braamcamp dez anos de vida, e o partido une-se, porque se acaba com a luta de ambições, que internam.te o devora, e porque o futuro certo faz esvair todas as miragens de futuros imaginários.
Até para o nosso caso, o Navarro deixaria de ter um José Luciano de Damocles suspenso sobre a sua cabeça, como um eterno cauchemar, e havia de marchar mais direito e resoluto.
Como, porém, não é possível fazer um contrato com o Criador relativamente à vida do nosso insubstituível chefe, resta ir boiando nestas águas turvas, em que vários pescam negócios, enquanto nós só apanhamos sensaborias no nosso anzol.
Escreva-me o meu amigo sempre que puder, na certeza de que as suas cartas são sempre m.to apreciadaspor quem é deveras
Seu am.º e adm.or certo
Carlos Lobo d'Ávila
P. S. Recados ao Barros e ao Luís. É inútil que eu diga que esta carta é só para nós. Falo-lhe como a um amigo, em quem muito se confia.
In F. A. Oliveira Martins, D. Carlos I e os «Vencidos da Vida»

1 comentário:

Ricardo António Alves disse...

José Luciano de Castro sucedeu a Anselmo José Braamcamp na liderança do Partido Progressita, nesse mesmo ano de 1885.