domingo, julho 27, 2025
sábado, julho 26, 2025
o que está a acontecer
«Ouvi chamarem-lhe santo homem, com unção e humildade; mas ouvi também minha avó, de lágrimas nos olhos e ódio na boca, amaldiçoá-lo por mais de uma vez, como se de um tirano falasse. Dum tirano irremediável que nada, nem ninguém, pudesse apear do mesmo trono onde morava Deus.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)
zonas de conforto
José Bacelar: «Para o espírito livre -- ou seja: para aquele espírito ao qual não foi feito o dom magnificente dum Absoluto, Absoluto que ele considerará coerentemente de raiz divina ou incoerentemente de raiz humana -- não existe, ou não existe ainda, se quiserem, uma Verdade única: o que existe, de facto, são pontos de vista.» Arte, Política e Liberdade (1941) § Machado de Assis: «-- Pai José, disse ele ao entrar, sinto-me hoje adoentado. / -- Sinhô comeu alguma cousa que lhe fez mal... / -- Não; já de manhã não estava bom. Vai à botica... / O boticário mandou alguma cousa que ele tomou à noite; no dia seguinte mestre Romão não se sentia melhor.» Histórias sem Data (1884) - «Cantiga de esponsais» § José Régio: «Isto ao cabo de longos intervalos em que ia fugindo uma paisagem árida, escalavrada, monótona, queimada do frio e escurecida não só do dia brumoso como de toda a tristeza de Rosa Maria. / Do outro lado da estação, a caminheta esboçava no escuro o seu grande vulto bojudo. Rosa Maria ia subir, quando um homem alto a segurou quase violentamente:» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa (24-XII-1467): .../... «E estas cousas eu as escrevo e ponho aqui, não por vã glória nem por me gabar, somente por ficarem na memória apegadas sem esquecerem e não tão somente durarem nos entendimentos, mas ainda nas cartas e nos livros, por que ouçam e falem e se recordem pera sempre.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965) § Fialho de Almeida: «Argumentam daí: a susceptibilidade requintada que faz certas mulheres terem síncopes aspirando o perfume de flores é um caso vulgar de histeroarte. História!... são as almas dos amantes mortos, dos maridos, dos filhos, que volvem nas flores, mordidas de ciúmes, esfaceladas de saudade, ocultas sempre na evolação mais aromática das nectáreas, e anos e anos errantes primeiro que se lhes depare quem procuram, e que um dia, subitamente, quando as pobres mulheres vão mergulhar a narina na urna duma gardénia, lhes ciciam de dentro: "Sou eu, não tenhas medo, eis-nos de novo, juntos, outra vez!"» O País das Uvas (1893) -- «Pelos campos» § José Duarte: «Amanhã há trombone» Cinco Minutos de Jazz (2000)
sexta-feira, julho 25, 2025
4 versos de José Régio
«Vergo a cabeça sobre o peito, / Concentro os olhos sobre o umbigo, / E um coração que me hão desfeito / Chora de achar-se só comigo...»
«Mitologia», As Encruzilhadas de Deus (1936)
o que está a acontecer
«Toda a minha família falou nesse facto histórico durante mais de uma década, julgando-me talvez predestinado para agradar aos amos, espécie de deuses agrários no meu país de desventura e de sonho. (Aqui lhe agradeço o prestígio que esse gesto de ternura me fez conquistar na aldeia.)» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)
«Este acontecimento menor poupou-me a meses de psicólogos e ansiolíticos. Digam o que disserem, encontrar consolo na arte é um razoável substituto da religião. / A minha mãe acolheu-me com impecável sentido de responsabilidade e o sentimento da mal disfarçada incomodidade de quem recebe um presente que não aprecia ou de que não precisa.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Decidiu então esperar um pouco. Brando, o grito escorre para dentro, é o silêncio exactamente às avessas: beber o cálice do socorro ou fugir dali para fora, de gatas e aos apalpões à escuridão. Terá contudo de apanhá-lo na próxima corrida, quando vir o gafanhoto empinar de novo as patas e alçar do seu voo de anjo mortal sobre o motor da luz, para o destruir à granada.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
quinta-feira, julho 24, 2025
zonas de confronto
Michael Gold: «Entretanto, na cela, os cinco polícias sovam e interrogam o preso e gritam-lhe que há-de falar!... / As duas matracas e os rudes sapatos martirizam o preso e induzem-no a falar. / O coração opresso sugere-lhe que fale.» «Cárcere», Para a Frente América... - trad. Manuel do Nascimento
manipular para a cidadania - o papel dos 'merdia'
Anteontem, num espaço de debate com Miguel Relvas, Pedro Adão e Silva e Rui Moreira, com a mesma falta de rigor com que noticia a guerra da Ucrânia, a cnn-Portugal largava uma bomba 'noticiosa' que rezava mais ou menos assim: a educação sexual estará fora do currículo da disciplina de Educação para a Cidadania (ou lá como se chama).
Ora, aquilo que o ministro Fernando Alexandre veio esclarecer ontem, já o fizera na semana passada, se não antes, dizendo que a única restrição que haveria incidia sobre a questão da 'identidade de género'. Li-o na imprensa escrita, salvo erro no DN, que ainda é o único jornal que consigo comprar (Deixo o tema para outra altura, pois o meu propósito é o de escrever sobre o papel dos merdia), estando os conteúdos do programa serem trabalhados por especialistas.
Resumindo: a cnn-Portugal sabia que estava a noticiar uma mentira -- fake news, como diria o Trump --, pelo que vemos, cheio de razão, a avaliar pela amostra. A cnn-Portugal não quer informar, quer espectáculo, controvéria, polémica, audiências, lucro, dinheiro, carcanhol. Como órgão de informação, a cnn-Portugal é uma reles puta.
Mas é lamentável que os comentadores, em especial Relvas e Adão e Silva (Rui Moreira esteve bastante melhor) tenham mordido o anzol e começarem um estúpido despique sobre uma 'notícia' -- que eles, como comentadores (além disso, presumo que bem pagos) tinham a obrigação de saber que era não só incorrecta ou sensacionalista; pior que isso, era falsa.
E por isto, volto a uma velha questão: como é possível estas porcarias de televisões privadas, que gozam de um bem público como a concessão pública de sinal de transmissão usarem os canais informativos para a manipulação mais soez, em vez da informação a que deveriam estar obrigadas; sem falar (faço-o uma e outra vez...) das badalhoquices que transmitem nos canais generalistas, tornando o espaço público numa pocilga?...
Não vamos esperar que o poder político lhes dê um aperto merecido e lhes faça qualquer aviso sério -- não se pode pedir isso aos cúmplices que precisam das estações para se promover ou agradar. Também não será esta sociedade civil amorfa e narcotizada que irá proceder a qualquer contestação, quer à vigarice informativa -- coitada da sociedade civil, que engole tudo o que se lhe põe à frente... -- e menos ainda à boçalidade recreativa.
4 versos de Carlos Queirós
«Repouso a minha fronte, / Dorida, no teu peito; / E o meu bem estar é feito / De não ter horizonte.»
«Canção fatigada», Desaparecido (1935)
quarta-feira, julho 23, 2025
a carta dos 25 é insuficiente e tardia; o embaixador americano em Israel até a classificou como nojenta
Exceptuando os países da lista que já reconheceram a Palestina como estado (dos 25, creio que apenas a Eslovénia e a Irlanda), os restantes, incluindo Portugal -- talvez tentando amainar um pouco as respectivas opiniões públicas, ultrajadas com a selvajaria do estado israelita, lá resolveram exigir os mínimos, embora demasiado tarde e a más horas. A Alemanha, a pátria do nazismo e do Holocausto, ficou obviamente de fora -- o que até é compreensível: ainda estão vivos alguns milhares de vítimas, e de carrascos também.
A desqualificação moral do Ocidente é repugnante. O embaixador americano em Israel diz que o "apelo" de 25 países é "nojento" -- o que é bem feito para boa parte deles.
A existência do estado de Israel é mais precária cada vez que sua acção faz evocar os carrascos hitlerianos. Não é ainda o caso, e creio que nunca será. No entanto, brutalidade, selvajaria, desumanidade, violência, racismo, crime não precisam nunca de chegar ao último patamar do nazismo para eximir de qualquer forma a falha moral de Israel, dos seus governos, e sim, dos cidadãos que os apoiaram. Porque não foi só a OLP que reconheceu taxativamente o direito de Israel existir; o próprio Hamas, em tempo, deixou a porta aberta para um entendimento sobre o status quo. Onde isso já vai...
E nunca esquecer o papel do criminoso Netanyahu: este e os outros conflitos existem apenas porque precisa de salvar o coiro; para tal, tem de manter-se no poder; para tal, precisa de crise e guerra permanente o que lhe proporciona o apoio dos lunáticos perigosos ultra-religiosos, que, obviamente, se aproveitam da situação para levar a sua avante, e Netanyahu aproveita-se dela também. Por isso mesmo, sabendo dos ataques do 7 de Outubro, avisado pelo Egipto e pelos Estados Unidos fez-se desentendido: o caminho para Gaza (e Cisjordânia), a limpeza étnica e o genocídio tinham via verde; e de caminho o julgamento por corrupção passava a ser inoportuno.
Não há desculpa para para a passividade de muitos países nem para o silêncio cúmplice da União Europeia.
3 versos de Alberto de Lacerda
«O céu merecido: um momento só / que eu tenha sobre a terra / inteiramente repousado.»
77 Poemas (1955)
terça-feira, julho 22, 2025
a língua de pau dos "amigos" da Ucrânia
Comentadores leves como penas, deslumbrados consigo próprios. Quem leia este indivíduo, de seu nome Manuel Serrano, num "português" ligeiro, para não maçar muito a cabeça dos apressados (estou a ser benévolo para com o autor) e não perceba um boi do que se fala, apesar de julgar-se muito informado, deve achar refrescantes, e até divertidas, estas observações desempoeiradas a propósito de temas que angustiam o indígena, mas sobre os quais o indígena não percebe um boi -- o indígena sabe é que não gosta de guerra, destruição, morte e que os russos são uns malandros e Putin, em particular, é um louco.
Como diria outra luminária: "Estava a Ucrânia posta em sossego..."
Vejamos, então:
O que dá tudo isto espremido? Nada, porque não passa de fantasia alucinada, fogo de artifício argumentativo atirado aos olhos dos incautos, enquanto as canas não lhes caem a pique cabeça abaixo.
Diante da rebaldaria de Donald Trump, deve ser a "Europa" a levantar o facho civilizacional das democracies... e de forma "ofensiva": "construir para evitar o colapso", diz, ocultando que o colapso foi ela própria que o criou ao remeter-se à condição de proxy da superpotência dominante. E de que modo?
1- "confiscar activos russos" -- ou seja, extorquir o que não lhe pertence (mas continuar a comprar gás russo por portas e travessas, entre outras atitudes de grande lisura). Este Serrano deve achar que os russos vão deixar-se roubar e a seguir calar-se -- pois não andam eles a combater cheios de fome e sem botas?
2 - "eliminar o veto em política externa" -- isto seria o cúmulo da demência, pois pressuporia que qualquer estado votasse contra si próprio, desistindo de mais soberania e da única forma que um país pequeno ou médio tem para fazer valer os seus interesses fundamentais no seio da UE -- ou seja, de novo, renunciar voluntariamente ao poder de veto "em política externa" -- nem que para tanto se procedesse como parece que a Dinamarca quer fazer, castigando a Hungria, pondo-a à margem das votações, conforme previsto nos tratados. Tenho dúvidas, de qualquer forma que tal fosse possível, mesmo com os magiares de quarentena. Mas para além da Hungria, há a Eslováquia. Como o vivaz articulista usa o plural, claro está que pensa também no país de Robert Fico para ir para o castigo. E os restantes pequenos estados? A Áustria, por exemplo, com especiais relações com a Hungria?; ou Portugal, país médio europeu com postura de anão, que desbarata em larga medida o seu soft power: estaria Portugal disposto a renunciar a ter poder, uma vez que não sabe utilizar o poder que potencialmente tem? E não poderia um governo que diminuísse desta forma o próprio país ser acusado de alta traição? Quanto a mim pode; mas destas minudências não se ocupa o escrevedor.
3- Sobre o euro poder vir a ser "uma alternativa de reserva global", não tenho a mínima competência para pronunciar-me, mas atendendo ao guião, não me custa deduzir tratar-se de mais palavras sem consequência possível, mais fogo de artifício. Junte-se a emissão conjunta de dívida, já experimentada com as vacinas, um anátema ao tempo da crise das dívidas soberanas.
Já gastei demasiado tempo com toda esta insubsistência, palavreado atirado ao vento e às cabeças dos cidadãos. Resta dizer que há um grande problema que a Europa não resolveu nem irá fazê-lo tão cedo: não é um país, nem um federação, e ainda bem. A porventura desejável confederação é ainda uma miragem para as futuras gerações: a não ser que entremos muito depressa na noite escura da guerra, como parecem pretender (ou não entender, ou ainda marimbar-se desde que se produzam umas linhas de bom efeito) os "amigos" da Ucrânia.
4 versos de Sebastião Alba
«No meu país / dardejado de sol e da caca dos gaios / só há estâncias / (de veraneio) na poesia»
«No meu país», A Noite Dividida (1982)
o que está a acontecer
«Pensou que um gesto assim lhe ficaria de memória para o resto dos seus dias. Além disso, pensou ainda, havia o pavor do próprio grito: violar aquela noite de água e árvores adormecidas e sem nome, destravar a guilhotina em repouso sobre o sono das casernas e fugir de mãos no ar, apanhadas pelo crime.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
«Não sei se ela o chegou a ler (num daqueles arroubos românticos que, em ocasiões anteriores, me tinham levado a recitar um soneto insidioso de Camilo Pessanha com o Tejo em fundo, é possível que eu lhe tenha lido um desses poemas, encostado às suas coxas nuas, beijando-lhe os seios, dois filhos gémeos da gazela) mas, ainda que não tenha sido assim, a visão daquele livro atirado para o lixo transportou-me para o interior de uma canção de Chico Buarque.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«(Eu e Diogo Relvas preferimos as águas apauladas. E cá estamos) / Contaram-me que uma tarde de domingo, daquelas em que meu avô, seu criado e maioral das éguas, vinha aviar o alforje para quinze dias de Lezíria, o patrão Diogo nos viu juntos e se dignou, sem nojo, concretizar uma carícia nos cabelos encaracolados da minha cabeça de menino pobre.» Alves Redol, Barranco de Cegos (12961)
segunda-feira, julho 21, 2025
da identidade de género à literacia financeira --
Do ponto de vista da utilidade, é preferível ensinar os sinais de trânsito, para termos cidadãos inteiros.
No entanto, eu aduziria a potenciação de massa crítica, a promoção de espírito científico e filosófico, o conhecimento da História, da Literatura e da língua, de todas as artes -- e do território: "quem somos, de onde vimos, para onde vamos?"
Talvez assim conseguíssemos, finalmente, decidir o lugar para o novo aeroporto; talvez não tivéssemos medo de protestar, enquanto país, contra a guerra pela fome em Gaza; talvez fôssemos mais imunes a demagogos perigosos; talvez tivéssemos menos medo de imigrantes inofensivos; talvez fôssemos mais exigentes com quem governa; talvez mais cidadãos e menos basbaques. Talvez.
3 versos de Luísa Dacosta
«Deixo-te os meus lábios / e a frescura, salina, da minha boca / -- anémona dos jardins submersos.»
«Não foi este o tempo», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)
domingo, julho 20, 2025
a União Europeia a enganar os seus cidadãos
Volto a citá-lo, pois quando assistimos a todos os imbecis com poder na UE - Merz à cabeça, Macron e Meloni tergiversantes -- Starmer, o super-idiota outsider, com toda a cúpula da UE, com Ursula à cabeça, e sem falar no carreirista Rutte -- (quando) diante doutra nulidade das RI afirma o empolamento e fabricação da ameaça russa e explica porquê, merece sempre aplauso e consideração. Não é preciso ser grande especialista em geopolítica e assuntos militares, diz o major-general Vítor Viana, para perceber que a Rússia não tem capacidade convencional para se enfiar noutra guerra na Europa, muito menos contra a Nato. Se assim é e toda a gente o sabe, a atitude belicista da UE sós subsiste enganado os cidadãos europeus -- criminosamente, direi.
sábado, julho 19, 2025
Nem uma ténue declaraçãozinha sobre a fome em Gaza
Chama-se a isto ser cão-de-trela dos Estados Unidos. Há quem lhe chame falência moral; isso seria assim, se houvesse um pingo de moralidade, de coragem de ser digno. É este servilismo ser a favor dos interesses de Portugal? Claro que não é. É, isso sim, não servir para nada em política externa -- e nem sequer saber cuidar da CPLP. Ou seja, este governo segue a via do governo anterior, liderado pelo inefável presidente da UE: miseravelmente de joelhos.
o que está a acontecer
«BREVE NOTA DE CULPA - Conheci Diogo Relvas. / Julgo que me lembro de tê-lo visto passear por Aldebarã, a cavalo, numa das vezes, não sei se a última em que estive em casa do meu avô. Já lá vão quase cinquenta anos, tempo suficiente para que um lago se torne num pântano ou uma estrela distante e misteriosa se transforme num mundo corriqueiro, ambos possíveis por obra dos homens.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)
«Houve até um momento patético que, a esta distância, vejo como relato ilustrativo desses tempos não muito conturbados. No dia em que saí de casa, pondo fim a uma vida em comum de oito anos, encontrei no caixote do lixo o exemplar de Os Versos do Capitão, de Pablo Neruda, que há muito tempo, apaixonado e previsível, oferecera a Sara.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Assestar uma metralhadora, do alto de um posto de sentinela, sobre essa coisa difusa, homem ou bicho, seria sempre um acto muito superior à sua vontade; um gesto tão grande como a destruição do mundo, pensou. Pensou que um gesto assim lhe ficaria de memória para o resto dos dias.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
sexta-feira, julho 18, 2025
III Guerra Mundial? Quase parece uma evidência. E onde estão as vozes práticas e inteligentes que possam impor paz?
Recordo-me de o Papa Francisco dizer, creio que no início do pontificado, que já estaríamos numa III Guerra Mundial, com contornos naturalmente diferentes dos dois conflitos anteriores. Francisco, uma das poucas vozes com ressonância global que, tendo apenas o poder da própria influência, era alguém que não podia deixar de ser escutado. Não sei -- não sei mesmo -- se Leão XIV tem possibilidades semelhantes, dadas as diferenças de índole e carisma. Veremos. Uma voz porventura equivalente será a de Tenzin Gyatso, o Dalai-Lama, já nonagenário e com anticorpos na cúpula dirigente da China, país ocupante do Tibete -- nunca esquecer esta verdade insofismável.
Já não há para aí santos, que se saiba, e também tenho dúvidas de que gente como um Mandela, um Luther King ou um Gandhi, tivessem peso político suficiente pra desviar o curso dos acontecimentos em direcção à catástrofe. Mão amiga fez-me chegar este texto de Dmitry Trenin, um analista russo prestigiado, traduzido pelo jornalista Carlos Fino, que, ao contrário dos muitos que peroramos sobre o problema, conhece e sabe o que sentem os russos.
Estamos ainda no patamar académico, e é no político que ele se resolve, com base no discernimento principalmente de Putin, mas também de Xi Jinping. De Trump não há discernimento, mas instinto de vendedor de automóveis; o que se está a passar com o Brasil, mostra o grau de alucinação do homem; tal como alçar e manter na presidência um fulano intelectualmente diminuído e incapaz como Biden é revelador da podridão do sistema político americano, o que já toda a gente sabia, diga-se.
É claro que Trump, não sendo de modo nenhum estúpido (ao contrário de boa parte dos congéneres europeus) é demasiado básico e para ser tomado por metafísicas existencialistas, em boa medida, parece, o caso de Putin (embora, não descartando também o que de aparentemente frio e cerebral terá o presidente russo).
Como, portanto, não há santos disponíveis, só podemos assentar esperanças nos nossos irmão em humanidade, mesmo que demasiado humanos, que possam aliar algum poder -- mesmo que em articulação -- à imposição de bom-senso, especialmente quando no pilar europeu sobressaem pequenos rafeiros enraivecidos como Merkel, Merz ou Starmer.
Que forças à escala global podem chamar as partes (Estados Unidos e Rússia + China), se a América descambar ou não tiver pulso nos seus rafeiros? Onde estão essas vozes com alguma influência? A Índia de Modi, o Brasil de Lula, a África do Sul de Ramaphosa -- por sinal, todos Brics, o que pode ser uma vantagem. Talvez juntando Sheinbaum, os países árabes do Golfo, e mais uns quantos, sem menosprezar o poder dos grandes líderes espirituais -- e os bons ofícios de pequenos países possam impulsionar acordos para a paz. Seria bom que a Suíça continuasse a contar, mas também a Costa Rica, a Mongólia -- por que não o
E o melhor é ter começado já.
quinta-feira, julho 17, 2025
zonas de confronto
Félix Cucurull: «Tu não querias acreditar que eu via o teu corpo. Disseste que tinha feito batota, que eu fazia batota comigo mesmo. As tuas palavras deixavam-me muito compungido. Só me acudiu deitar-me no chão, teimoso, como uma criança que não quer ir para a escola.» Antologia do Conto Moderno,«Carta de despedida» - trad. Manuel de Seabra § Svetlana Alexievich: «O Homem é maior do que a guerra - Excertos do diário do livro - Escrevo um livro sobre a guerra... / Eu, que não gostava de ler livros de guerra, apesar de serem a leitura preferida de toda a gente na minha infância e adolescência. De todos os meus contemporâneos. Não surpreende: éramos filhos da Vitória. Filhos dos vencedores.» A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985) - trad.Galina Mitrakhovich § Michael Gold: «Passa um automóvel na rua e uma rapariga ri-se para o homem ao seu lado. / No corredor da prisão, enquanto o bico de gás solta no espaço sua monótona e triste melopeia, o carcereiro brinca com as chaves. / Saudosamente, os presos do mundo inteiro sonham com os lares perdidos, com carícias já esquecidas.» Para a Frente América... - «Cárcere» -- trad. Manuel do Nascimento § Santo Agostinho: «"Louvarão o Senhor aqueles que O buscarem." Na verdade os que O buscam, encontrá-Lo-ão e aqueles que O encontram, hão de louvá-Lo. / Que eu Vos procure, Senhor, invocando-Vos, e que Vos invoque, crendo em Vós, pois nos fostes pregado. Senhor, invoca-Vos a fé que me destes, a fé que me inspirastes por intermédio da humanidade de Vosso Filho e pelo ministério do Vosso pregador.» Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § Woody Allen: «Lembro-me perfeitamente destas coisas porque aconteceram exactamente antes daquele Inverno em que todos vivemos naquele apartamento baratíssimo no Norte da Suíça, onde, ocasionalmente, começava a chover e depois parava tão repentinamente como começara.» Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos
4 versos de Camões
«Os furiosos ventos repousavam / Pelas covas escuras peregrinas; / Porém da armada a gente vigiava, / Como por longo tempo costumava.»
Os Lusíadas , I-58 (1572)
o que está a acontecer
«-- Sim, lutadora. Julgas que é fácil ser-se mulher dum oficial da marinha que não tem navios para se fazer ao mar? Julgas que é fácil ser-se mulher de um oficial da marinha que sonha com Índias e Vascos da Gama e que passa as noites a fazer as palavras cruzadas do jornal? Não é nada fácill, amigo Gonçalo, mesmo nada fácil...» Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961)
«Quanto a nós, visitávamos aos domingos os tios que sobravam do naufrágio da família, presos no Forte de Caxias por sabotagem económica, a verem as marés do Tejo a subirem e descerem na muralha entre grades de celas e sovacos de pára-quedistas.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
«Pensou que levaria em breve o dedo ao gatilho da arma pronta a disparar; que o dedo e o queixo lhe tremiam sem controlo -- e o medo da noite e da morte, o infernal e nocturno medo de morrer, convertera já todo o seu corpo no corpo de um prisioneiro de guerra.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
quarta-feira, julho 16, 2025
dois ou três pensamentos sobre a barbárie de Loures
1. O PS tem que se definir, já nem digo como partido de esquerda (enfim...), mas como força política humanista e decente -- e isso só passaria pelo levantamento de um inquérito interno, seguido de processo disciplinar ao indivíduo de Loures; ou à retirada de confiança política do partido ao mesmo. Não é possível alguém dizer-se socialista ou social-democrata (ou sequer democrata-cristão...) e comportar-se desta forma.
2. Se é xenófobo, racista e javardo, em Loures já não precisa de votar no Chega. Aliás, acho que nem o Chega se atreveria a despejar famílias de trabalhadores desta forma; cairia o carmo e a trindade. Como se trata do PS, cairá só o PS...
3. E os candidatos presidenciais, que têm eles a dizer a propósito de mais esta degradação da República? Seria importante saber o que pensam, se com eles haveria espaço para selvajaria político-administrativa no país.
3 versos de Rui Knopfli
«nesta tranquilidade de soneto antigo / e verdades falsas, / insinua-se o teu canto apenas sussurrado.»
«Em toda a parte», O País dos Outros (1959)
terça-feira, julho 15, 2025
as demolições em Loures
Independentemente de razões atendíveis (questões sanitárias e de salubridade) ou nem tanto -- um legalismo que se manifesta quando calha, de preferência contra os mais fracos e em ano de eleições --, a demolição das precárias habitações de uma pequena comunidade de trabalhadores que suponho de imigrantes, que não ganha o suficiente para pagar uma renda de casa, é das coisas mais repugnantes que tenho visto nos últimos tempos.
Nunca me irei esquecer do olhar consternadíssimo de uma senhora a quem tiraram o tecto, em troca de um mês de renda e outro de caução -- e toca a lavar daí as mãos.
Como de costume, um país que não presta, que se prostitui ao turismo e aos vistos gold e cujos responsáveis lisonjeiam os baixos instintos da populaça (pobre ou rica), para captar-lhe os votos.
Em tempo: Helena Roseta.
1 verso de Sebastião Alba
«Mais do que do outro o meu reino é deste mundo»
«Mais do que do outro», A Noite Dividida (1982)
segunda-feira, julho 14, 2025
não um, mas dois prémios Nobel para o Trump
Ricas oportunidades de negócio. Eles nem se dão ao trabalho de disfarçar: convocam Mark Cu-para-o-Ar Rutte, e obrigam a Nato a comprar-lhes armas americanas para a Ucrânia (fica mais barato do que mandá-las fabricar, diz Rubio...). Prossegue-se assim genialmente a política da desadministração anterior, e com imenso lucro. Claro que os 2 a 5% de investimento em armamento se mantém, assim como o jogo das tarifas. Eu proponho, para além do Nobel da Paz, também o da Economia -- pelo menos para já.
Entretanto, Putin, velha raposa, estará à espera de tudo mais um par de botas do que virá de Washington. E estou para ver as tais sanções de 500% aplicadas à China, à Índia, ao Brasil...
Será que o Trump acha que endrominando os europeus, fazendo-os pagar, estará a salvo das complicações que um endurecimento para com a Rússia trará? E achará mesmo aquela cabeça, parece que muito sensível aos neocons e à lisonja dos bajuladores da UE (que se riem dele nas costas), que a Rússia alguma vez cederá ao projecto de enfraquecimento, pobremente gizado em Washington, aplicado e derrotado em toda a linha, nominalmente pelo destroço chamado Joe Biden?
É que a Rússia é, muito felizmente, a única potência militar que pode lidar com as saliências americanas -- que sabem que por cada tentativa de ataque nuclear que experimentassem fazer ao país, teriam resposta em triplo ou a quadriplicar, a partir dos submarinos atómicos que andam submersos por aí -- para não falar das ogivas existentes naquele território imenso.
Do ponto de vista económico, a Rússia tem o apoio da China (mas não só). Sempre teve (inimigo do meu inimigo, meu amigo é), apesar dos avençados do costume fingirem que só agora deram por isso, não deixando de estar empenhadíssimos em propor respostas musculadas "para defender a Europa" dizem estes pategos.
5 versos de Liberto Cruz
«Há sempre na vida / Um momento que é belo. / Mas tem de ser breve, / Leve, / Ser apenas um momento.»
«Momento», Momento (1956)
domingo, julho 13, 2025
o que está a acontecer
«Semelhantes aos cães das praias, que trotam rente ao mar a perseguir um cheiro imaginário, juntavam-se nos montes do Alentejo para ladrar o socialismo aos camponeses sob um projector poeirento; percorriam o país em camionetas escavacadas a ameaçar os lojistas com as pupilas vesgas das metralhadoras; arrombavam as casas à coronhada brandindo mandados de captura diante de narizes estupefactos.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
«O criado aproximou-se e pôs uma garrafa de vinho sobre a mesa, ao lado de três já vazias. O filho do oficial da marinha encheu os dois copos, bebeu o dele e encostou-se outra vez à mesa, apoiando a cabeça numa das mãos. Esperou que lhe passasse, no estômago, o ardor causado pelo vinho e continuou: / -- Minha mãe, coitada, que não era oficial da marinha, era a lutadora da família! / O amigo sorriu. / -- Lutadora?» Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961)
«Lembra decerto um gafanhoto com as patas tensas e à escuta, pois fizera-se verde no seu espanto antes de rastejar à pressa no meio do capim. O soldado soube então que o pânico começaria a castigar as suas tripas. Terei de gritar de novo?, pensou.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
sábado, julho 12, 2025
desisto de falar de 'jornalistas'
Há três anos e meio que ando a aguentar a sua incompetência, estupidez, ignorância, sabujice, insolência. Estou farto deles. O último caso, uma pobre caricatura que não se enxerga, tirou Carlos Branco do sério; já na véspera ia tentando o mesmo com Agostinho Costa, mas este, já escaldado com as aventesmas que lhe põem à frente, teve ainda a paciência para fintá-lo. Sexta à noite, noutro canal o coronel Mendes Dias -- já tinha saudades -- alternando com um pateta dum jornalista do Expresso, um dos muitos pobres de cristo evacuados das redacções para os estúdios, a propósito do maestro Valery Gergiev -- a grande dignidade com que respondeu, sem responder, ao palonço que tinha à frente.
Desisto de falar destes tipos, não valem a tinta que não se gasta aqui a escrever sobre eles.
P.S.
sexta-feira, julho 11, 2025
1 verso de José Alberto Oliveira
«Tinha da vida um esboço ambíguo,»
«Adenda», O que Vai Acontecer? (1997)
quinta-feira, julho 10, 2025
malabarismo neo-liberal
Lá volta a TAP a ser reprivatizada em 49,9%, e por vontade de Montenegro sê-lo-ia na totalidade. Na verdade, porque razão um país como Portugal, a sua história e circunstância, há-de ter uma uma companhia de bandeira, se nem helicópteros de transporte de doentes consegue possuir?, nem de combate a incêndios e muito menos aviões, oferecidos à Ucrânia porque somos obedientes e impediram-nos de fazer a manutenção das aeronaves russas de combate a incêndios, que nos pertenciam. Então não é melhor fazer concursos públicos anuais, dar milhões a ganhar a dois ou três empreendedores, do que ter uma pequena mas mais do que necessária esquadrilha sob tutela permanente do INEM e da Protecção Civil?
Porque razão há-de Portugal ter uma companhia de bandeira, se nem aproveitar o aeroporto de Beja é capaz -- e anda desde o tempo de Marcelo Caetano a ver onde será eventualmente construído, depois de uma primeira decisão sábia de o fazer na Ota, com uma orografia circundante susceptível de provocar graves acidentes; depois no Montijo, a massacrar os largos milhares que por lá vivem, em terrenos com riscos sérios de inundação; em Alcochete, onde se situa o maior aquífero da Península Ibérica?
E por que razão havemos de ter uma companhia de bandeira, quando a herança que nos legou o governo de António Costa, foi quase um regresso ao passado, ao tempo de D. Pedro V (linha Lisboa-Carregado), uma vez que hoje, 10 de Julho de 2025 é impossível ir de comboio da capital do país a Madrid?...
Isto lembrou-me agora que Sócrates, que nos anima o Verão, foi impedido pelo PSD, no tempo liderado por Marques Mendes, de avançar com o TGV, usado pela luta partidária para impressionar o eleitorado energúmeno com o despesismo.
Com todas estas misérias, para que queremos ter uma das mais prestigiadas companhias aéreas do mundo? O melhor será privatizar o país e arranjar um CEO para o Palácio de São Bento. Os Romanos é que tinham razão.
Sócrates, 4 - MP, 0
O novo julgamento de José Sócrates está a ser um deleite.
Tenho cá umas ideias a propósito do que fui assistindo ao longo destes anos, que terei oportunidade de confirmar, infirmar ou antes pelo contrário.
Para já, ninguém desilude.
Sócrates e a sua postura imbatível de arrogância, muitas vezes justificada; o humor cáustico e a irascibilidade. No caso de inocente, aprecio bastante; tendo cometido algum dos crimes graves de que é acusado, entramos no domínio da desfaçatez pura, com laivos de mitomania e desequilíbrio psíquico
Os pobres jornalistas de plantão, lamentáveis, como de costume; só é pena que em vez deles lá não estejam os respectivos directores e chefes-de-redacção, da nossa em geral vil imprensa;
A boçalidade que vai pelo Ministério Público é indiscritível (gravação de Sócrates a conversar com Granadeiro, relatando umas chalaças de Soares e Almeida Santos sobre a sexualidade do Salazar...) "Era para provar que eram muito próximos", justifica a criatura. A juíza, dignamente, lamenta o ocorrido.
A juíza: trabalho dificílimo; excepcionalmente, gostaria de estar na pele dela.
6 versos de José Régio
«Ri, palhaço! // Ri..., ri de ti para os outros, / Ri dos outros para ti, / Ri de ti para ti... ri!, / Ri dos outros para os outros..., / Ri, arre!, ri, irra!, ri!»
«Ámen», As Encruzilhadas de Deus (1936)
quarta-feira, julho 09, 2025
3 versos de José Agostinho Baptista
«hoje sentei-me no tejo. / era um livro desordenado e sombrio com sangue / sangue no meio --»
«Hoje vi os barcos», Deste Lugar Onde (1976)
terça-feira, julho 08, 2025
o que está a acontecer
«O criado aproximou-se e pôs uma garrafa de vinho sobre a mesa, ao lado de três já vazias. O filho do oficial da marinha encheu os dois copos, bebeu o dele e encostou-se outra vez à mesa, apoiando a cabeça numa das mãos. Esperou que lhe passasse o ardor causado pelo vinho e continuou: / -- Minha mãe, coitada, que não era oficial da marinha, era a lutadora da família!» Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961)
«Logo a seguir, o vulto de um anjo da guerra pareceu flutuar ali mesmo à sua frente, tinha asas de néon e levitava como um pirilampo em redor das lâmpadas. Através da mira da arma, é uma silhueta sem forma nem espessura que se enrola sobre si, tropeça, segura-se à escuridão para não cair e depois salta para diante.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
«Logo a seguir à revolução, em Abril do ano anterior, civis barbudos e soldados de cabelo comprido e camuflado em tiras vigiavam as estradas, revistavam automóveis, ou desfilavam lá em baixo, em bando, nas pracetas, comandados por um desses microfones incompreensíveis de sorteio de cegos que o marxismo-leninismo-maoismo reciclara.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
4 versos de Florbela Espanca
«Coveiros, só o corpo é novo, / Que há poucos anos nasceu; / Fazei-me depressa a cova / Que a minha alma morreu.»
«Trocando Olhares», Antologia Poética
segunda-feira, julho 07, 2025
Peskov disse que "o Kremlin tomou nota da ameaça de Trump"
Acho sempre refrescante a Rússia responder à altura às ameaças e fanfarronices dos americanos. (aqui)
O respeitinho é muito bonito e a Rússia sabe fazer-se respeitar -- o que é essencial em face da rapacidade bandoleira daqueles bárbaros.
Portugal é outra coisa -- não pode eximir-se à Geografia, como sempre tenho dito, e tem desperdiçado o seu enorme potencial de influência internacional, começando por dar-se ao respeito.
Um país como o nosso teria tudo para ter uma influência exponencialmente potenciada no concerto das nações. O presidente Marcelo poderia ter feito infinitamente mais e melhor, mas fez de menos e quase tudo mal ou péssimo. Os oito anos de António Costa foram catastróficos, o que não admira, dadas as características da personagem.
2 versos de José Pascoal
«Caminhar em silêncio nas planícies / Onde o vento do sul o céu liberta;»
«O sol antes da música», Sob Este Título (2017)
zonas de conforto
José Duarte: «Oiça "cinco minutos de jazz" uma vez por dia / pelo menos» Cinco Minutos de Jazz (2000) § Vergílio Ferreira: ,,,/... «O meu "diário" está nas centenas de cartas aos amigos. Lembro as ao Lima de Freitas, L. Albuquerque, Costa Marques, Mário Sacramento, Eduardo Lourenço, alguns mais. Em todo o caso, essas mesmas, falsas. Excepto talvez quando sobre questões "sérias". E ainda aí há quase sempre um disfarce ou o tempero do gracejo.» .../... Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980) § Fialho de Almeida: «Nobres e antigas linhagens, esquecidas entre os homens, ocupam cargos eminentes no reino vegetal, ou são pedras preciosas entre os mineiros contemporâneos. Assim, que poeta não sabe de flores que se aproveitam do beijo que lhes damos para nos dizerem de manso aquele segredo que a nossa amante levara para a cova, e só ela sabia, ela somente...» O País das Uvas (1893) - «Pelos campos» § José Régio: «Já através das vidraças, no comboio, ela entrevira estações semelhantes, com um edifício pobre, esfumado na noite, e em que mal desciam dois ou três passageiros ao grito rouco, melancólico, atirado por um empregado que passava sacudindo a sua lanterna: / -- Chança! / -- Mata! / -- Crato!» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa (24-XII-1467) .../... «E, posto que eu tivesse grande aso, ajuda e favor pera fazer todo bem pera serviço de Deus e da ordem, no tempo em que bispava aquele bom bispo e católico sacerdote e honesto D. Luís, que me fez seu vigairo e visitador dos moesteiros de seu bispado, bem sabeis como vos unistes e viestes contra mim todolos da ordem, por me torvardes que nom visitasse, murmurando do bispo e de mim e assacando-nos muitos testemunhos falsos, dos quais prouve a Deus de nos livrar, e quis por sua misericórdia renovar per mim, indigno seu servo, alguãs cousas boas e honestas da monástica e regular disciplina, as quais eram já envelhecidas e lançadas do uso e fora de memória de todos vós outros.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965) § Machado de Assis: «Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais. Teimou no dia seguinte, dez dias depois, vinte vezes durante o tempo de casado. Quando a mulher morreu, ele releu essas primeiras notas conjugais, e ficou ainda mais triste, por não ter conseguido fixar no papel a sensação de felicidade extinta.» Histórias sem Data (1884) -- «Cantiga de esponsais»
domingo, julho 06, 2025
o que está a acontecer
«Na segunda quarta-feira de Setembro de mil novecentos e setenta e cinco, comecei a trabalhar às nove e dez. Lembro-me não por ter uma memória por aí além ou escrever o que me acontece num diário (nunca me interessaram diários ou poemas ou patetices dessas) mas porque foi o meu último dia de consultório antes de fugirmos para Espanha.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
«1. "Quem vem lá?, Bradou ele na direcção dos passos que chapinhavam do outro lado da morte. Do lado de lá da morte havia apenas uma sebe de bambus já mortos no escuro, e uma espécie de tumor na sombra fazia supor que uma enorme cabeça degolada andava à solta na noite.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)
«GONÇALO E ANTÓNIO - Meu pai dizia-me que da janela da repartição onde trabalhava se via o mar... / -- Que fazia teu pai? / -- Que fazia meu pai? Não fazia nada, era oficial da marinha. Entrava na repartição às 10 e saía às 6... Lá o que ele fazia na repartição não sei... Preenchia papelada ou sonhava com navios... sei lá... talvez olhasse para o mar através da janela... Quando chegava a casa lia o jornal, fazia as palavras cruzadas e ia para a cama. Era oficial da marinha, digo-te eu...» Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961)
sexta-feira, julho 04, 2025
5 versos de Fernando Grade
«Se fosse ainda meu o receio nocturno de / partir lanternas, ser jovem bom e nu / entre pinhais, ter o pólen sempre em flecha / para a única rapariga, a vida teria sido um navio / de sonatas, mar bruxo à espera de Setembro.»
«Como pulsos de cão castrado», O Livro do Cão (1991)
quinta-feira, julho 03, 2025
2 versos de Arnaldo Santos
«Passa um camião onde vozes cantam. / São homens que voltam.»
«Regresso», Fuga (1960)
quarta-feira, julho 02, 2025
2 versos de Fernando Jorge Fabião
«O apego à pequena luz do teu riso / salva-me o dia.»
Nascente da Sede (2000)
terça-feira, julho 01, 2025
zonas de confronto
«"Queres vir ao bosque do Turó del Mig?" Tu concordaste com a excursão. Pelo caminho falava-te de duendes e de fadas. Disseste-me como era eu. Como começava a amar-te, acreditei. Subimos de gatas por um caminho de cabras... Gritei: "Chegámos". Estivemos a olhar um para o outro um bom bocado.» Félix Cucurrull, Antologia do Conto Moderno -- «Carta de despedida» -- trad. Manuel de Seabra § «O atelier de Picasso era muito diferente do de Matisse neste ponto: enquanto o de Picasso estava todo sujo, Matisse tinha sempre tudo arrumado. Singularmente, o inverso é que era verdade. Naquele ano, em Setembro, Matisse recebeu uma encomenda para pintar uma alegoria, mas, com a doença da mulher, acabou por não a pintar, sendo por fim substituído por papel de parede.» Woody Allen, Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - «Memórias dos Anos Vinte» § «Pisaram-no e amassaram-lhe o nariz. / Na cela há cinco polícias e um preso e os polícias sabem que o obrigarão a falar. // No céu distante entremostra-se a Lua, branca e inocente, para desaparecer de seguida, sabendo que não faz falta.» Michael Gold -- Para a Frente América... - «Cárcere», trad. Manuel do Nascimento § «Mas quem é que Vos invoca se antes Vos não conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem -- Ou porventura, não sois antes invocado para depois serdes conhecido? "Mas como invocarão Aquele em quem não acreditaram? Ou como hão-de acreditar, sem alguém que lhes pregue?"» Santo Agostinho, Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § «E quando eu era ainda um menino de oito anos, atribuíram ao meu pai certas sangrias mal feitas, nos sacos dos que vinham ali moer, pelo que foi preso, e confessou em vez de negar, e sofreu uma pena por justiça. Espero em Deus que esteja em glória, pois aos do género dele o Evangelho chama bem-aventurados.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty